2.3. Afinidades.

 


      Um grupo Net é uma rede de relacionamentos que não é limitada por tempo ou localização, mas sim por interesses comuns. As afinidades possíveis capazes de fazerem convergir esses indivíduos são incontáveis. As manifestações na cidade de Seattle (USA) contra a Organização Mundial do Comércio em 1999 reuniram via Internet um imenso contigente de pessoas dos mais diferentes tipos, origens e interesses através de uma afinidade em comum: ser contra a globalização e o capitalismo atual. Um engajamento grupal voluntário centrado em uma afinidade. Esse é um exemplo extremo de afinidade, pois houve a concentração física em espaço específico face-a-face: todos tinham que ir à cidade de Seattle. No entanto já vimos os exemplos da Rede Jovem, que concentra indivíduos através de Fórum na Internet para promover ações sociais de engajamento voluntário; o do grupo Panela, que se concentra num Fórum para discutir Marketing e Publicidade; o Fórum sobre Namoro na Internet, que atrai pessoas para este tema; e também o grupo Galera ZAZ, cuja afinidade inicial é conhecer pessoas, mas todas essas afinidades são apenas pontos iniciais de sociabilidade; códigos comuns de troca; símbolos de interesse mútuos. O processo do partilhamento de afinidades vai muito mais além. Diz Maffesoli (1987) que um processo "subterrâneo" (fora das instituições) de afinidades afetivas pode levar a redes de afinidades (inter-afinidades) entre estes grupos, que ele chama de "tribos" (para ele uma coletividade emocional, cujo propósito é o "estar junto") . A forma gerada pelos diferentes tipos de afinidade é o que pode diferenciar um grupo do outro. Assim, apesar de não haver identidade e sim identificação de semelhantes, a diferenciação com o outro se da esteticamente, pela forma (a "coisa" afetiva que os une), e que não impede outras formas para o mesmo indivíduo (em rede). Seria uma forma de pertencimento coletivo onde há um "laço de reciprocidade" entre os indivíduos, cujas formas de identificação vão desde a música aos diferentes gostos e estilos mais acessórios (fonte de preenchimento da vida fora do cotidiano institucional, no mais da vezes visto como lazer). "A identificação agrega cada pessoa a um pequeno grupo ou a uma série de grupos. O que implica uma multiplicidade de valores opostos uns aos outros. (...), o que é da ordem da paixão partilhada." (Maffesoli, 1996: 38) Essas afinidades servem como marcadores de níveis de pessoalidade. Havendo identificação, semelhança, a afinidade pode se desenvolver. O inter-cruzamento entre o "pessoal" (definido por Sennett como "íntimo") e o "impessoal" ("público", "teatral") tem para o presente contexto a importância do que pode estar sendo procurado pelos indivíduos. Se se busca "intimidade" para preencher a si: o "preenchimento do vazio interior". Ou a busca de algum complemento que dá sentido a vida. Ou ainda, procura-se o espaço para se estar "publicamente" (debater temas, se engajar socialmente, participar de algo "impessoal", etc.). Veremos mais adiante que todas essas possibilidades estão entrelaçadas no modo como os usuários lidam com a Internet e com a sociabilidade contemporânea. Imaginando um caminho linear de sociabilidade num espaço contemporâneo (Internet, shopping, ou outros espaços supostamente para socialidade contemporânea) e tendo em mente as noções de "pessoalidade" e "impessoalidade" apresentadas até o momento, podemos ter: 1º - Ambiente mais impessoal. Necessidade de um tema (semelhança, afinidade vaga). Ex.: chats e fóruns temáticos. Presença de certas regras e rituais convencionais; aprendizado dos códigos internos; o tipo de regras impessoais para o convívio de supostos diferentes... por enquanto (possível não aplicação da "desatenção civil"). Apesar de estar procurando o semelhante, o espaço é desconhecido ainda, por isso a impessoalidade (ou maior formalidade) inicial. 2º - Ambiente mais pessoal. Mais afinidades (identificação, já confirmou a semelhança). Ex.: E-mail e ICQ (não mais precisa de um tema). As regras e os rituais (o uso dos códigos) devem se adaptar aos novos espaços (ao novo tipo de interação), mas ainda devem existir. 3º - Ambiente mais pessoal que o anterior. Convívio tanto no face-a-face quanto no espaço da Internet. Possivelmente maior identificação ou reconhecimento da diferença (a semelhança só existia no espaço da Internet). Possível reconhecimento de identidade a partir do convívio com outros diferentes com quem possam se conviver juntos. As regras e rituais aqui não devem ser somente a soma das anteriores, mas sim a construção de novas: no caso da manutenção de apresentações de Eus nos dois espaços, regras e rituais de um devem interferir (tanto positiva quanto negativamente) no outro e vice-versa (inter-complementares). Veremos que no grupo Galera ZAZ esse caminho de gradação da pessoalidade é seguido, mas numa estrutura de rede, em que os níveis de pessoalidade se misturam a depender do núcleo momentâneo de interação e as suas afinidades partilhadas.

Enfim, as motivações, a identificação e as afinidades formam uma rede conjunta de presenças (noções ou categorias) no interior dos indivíduos que constróem e participam da sociabilidade contemporânea, dentro das particularidades de contexto histórico e cultural que fazem parte de cada um. Penetremos a seguir no contexto específico da sociabilidade no espaço da Internet e veremos que todos os processos apresentados até aqui se tornam vivos e ativos nas ações, explícitas ou implícitas, de indivíduos tão reais quanto qualquer um de mesmo contexto e realidade.


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