A falta de uma política de habitação em Ovar

 

A Carta de Atenas (Conferência Internacional dos Arquitectos Modernos, reunida em Atenas em 1933),  considerada por muitos como o evangelho do urbanismo moderno, destaca um conjunto de necessidades elementares do homem que deveriam representar vectores fundamentais para qualquer estratégia de planeamento urbano: habitação, trabalho, circulação, cultura do corpo e do espírito.

A industrialização implicou ao longo da história o crescimento das estruturas urbanas e, portanto a intensificação da construção de habitações. O afluxo das populações rurais a zonas urbanas sempre foi uma condição necessária para o progresso económico. Durante muitos anos, o regime salazarista procurou conter por todos os meios o ritmo da industrialização e a urbanização da população. A taxa de urbanização do Continente quedava-se nos 26,4% em 1970, o que revela bem o desfazamento urbanístico e industrial relativamente aos países europeus.

Passados já quase 30 anos sobre o 25 de Abril e muito por culpa da reacção que aniquilou ambiciosos programas habitacionais lançados pelos vários governos progressistas implantados após a revolução (criação e apoio das Cooperativas de Habitação Económicas, Contratos de Desenvolvimento para a Habitação, Programas de Habitação Social, Programa SAAL, PRID etc…), as carência de alojamento e dos respectivos equipamentos complementares continuam a representar um dos mais graves problemas da sociedade portuguesa.

O Concelho de Ovar não foge naturalmente à regra, com um parque habitacional envelhecido (52% das habitações foram construídas antes de 1970) e todo um conjunto de situações absolutamente inadmissíveis num país supostamente desenvolvido (Praias de Esmoriz e Cortegaça, Bairro de S. José. Lamarão, Alcapedrinha etc…) . Muito embora exista um forte investimento imobiliário na construção de prédios de habitação (média anual de 12,4 fogos construídos por cada 1000 habitante entre 1994 e 1999), uma análise mais fina dos vários indicadores mostra outra realidade: dos 24 179 alojamentos registados no censo de 2001, 2158 encontram-se vagos e 4785 destinam-se ao uso sazonal. Ou seja, fazendo as contas, sobram 17236 fogos para 19736 famílias residentes no concelho em 2001. Com efeito, há muito que se assiste à construção de prédios em zonas balneares e a preços proibitivos (o rendimento médio mensal por agregado familiar na área geográfica correspondente à repartição de finanças de Ovar era em 1999 de 875 Euros), destinados não à resolução das carências habitacionais, mas antes à satisfação de uma clientela abastada e à procura de residência secundária.

Portanto, aparentemente não faltam habitações. O que falta é uma política de habitação destinada a alojar as milhares de famílias que não possuem condições económicas para adquirir casa própria. Falta  uma política de habitação que resolva de uma vez por todas os gravíssimos problemas dos bairros degradados onde continuam a viver centenas de crianças. Falta uma política de habitação destinada a preparar a renovação do parque habitacional que se encontra fortemente degradado (de Dezembro 2001 a Maio de 2002 e no quadro dos programas SOLARH e RECRIA destinado a recuperação de casas degradadas, apenas foram aprovados 3 candidaturas). A Habitação tem de passar a ser vista com outros olhos da parte do poder autárquico, sob pena de perdermos a batalha do desenvolvimento e da coesão social.

 

Ovar, 4 de Novembro de 2003

José Costa

Deputado Municipal da CDU

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