Repercussão Art_Lit_Psi

Entrevista publicada no jornal A Gazeta de Cuiabá no domingo, 23 de janeiro de 2000.

Coluna da Psiquê


Web-psicanalista : Polá Scalzo

Polá Scalzo é uma dessas raridades que trombamos de repente por aí, por
sorte e, que, pelo simples fato de presença perto, nos faz sentir a vida
mais vibrátil, mais suave, mais doce... Divertida, cuja beleza pode ser
conferida dentro (na entrevista) e fora (foto), psicanalista, web-artista,
musicista, orientadora do Centre d’Auto-Apprentis Sage orienté , entre
outras tantas grandezas impossíveis de serem bordadas aqui dado o volume,
vale retratar ainda sua participação(1996-1998) nas Conferências
Internacionais de Psicanálise em São Paulo, com J. A. Miller, Colette Soler
e Eric Laurent.
Desfrutando de sua conversar entre risos e gargalhadas, a simplicidade,
criatividade e amabilidade intermediou o revestimento do gigante de sua
pessoa, aqui resumida em suas palavras de entrevista, ao nosso querido
leitor mato-grossense...

Curvo = Olá Polá! Conta-nos como nasceu a Art_Lit_Psi.
Scalzo = Certo dia abri meu mail e tinha lá um anúncio da Geocities dizendo
que eu tinha ganho uma URL. Eu não fazia a menor idéia do que fosse uma URL,
mal sabia o que era internet, home o quê? web-espaço? o quê? alô?
Mas achei interessante ter um "lugar" (ah, sim, url é endereço virtual) onde
ancorar meu currículo, divulgar meu trabalho. Então pensei: quem vai querer
saber sobre meu currículo? Preciso fazer algo que interesse/sirva às pessoas
para que então queiram saber quem é responsável por aquilo. E foi assim que
comecei a contribuir para a divulgação de informações na rede...

Curvo = E a Psicanálise, como entrou? Aprecio muito o vínculo da Arte e
Literatura com a psicanálise. Sua revista Art_Li_Psi embriagou os meus
olhos. Ela consegue colocar no cardápio a psicanálise de forma clara, limpa,
divertida e prazerosa. Poderia falar-nos sobre isso?
Scalzo = Percebi uma brecha na interseção da psicanálise com a literatura e
com a arte de uma maneira em geral. Comecei a visitar sites para ter idéias,
conhecer as possibilidades, as faltas. Vi muitos sites acadêmicos, com
textos cheios de referências, mas, desculpe a simplicidade: chatos! Era por
onde começaria: algo nessa fronteira (arte&literatura&psicanálise), sem ser
chato.
Os textos, links, imagens, sons etc foram se acumulando e naturalmente se
organizando em seções. A participação dos leitores contribuindo, cada dia
mais, para a atualização dos assuntos, dados, agenda e por fim virando
compromisso sério.

Curvo – Como você vislumbra a imagem da internet, em per si ?
Scalzo = A Internet é coisa muito nova. Ninguém sabe nada ainda sobre isso,
todos estão começando e acho que vai ser assim por muito tempo, pois há
muitas possibilidades. Observo muito as grandes revistas e percebo que ainda
não chegaram a um acordo sobre o tipo de apresentação da página,
funcionamento lógico do site, ter ou não páginas reservadas, permitir ou não
a impressão etc. Frequentemente mudam, estão descobrindo. E não pode ser
diferente, pois quem consome também está chegando agora. Assim, o melhor
também tem que ser o mais simples logicamente (funcionamento) e
appletmidimente (compatibilidade de browsers) falando...

 

Curvo = E sobre a interseção arte&literatura&psicanálise? Nossa coluna da
psiquê se encantou, e já publicou, sua bem humorada interseção com Raymond
Queneau, Exercícios de Estilo... Poderia falar mais sobre isso?
Scalzo = Não se trata de forjar uma relação entre as áreas ou falar em
arte-terapia ou psicanalisar poemas. Mas apenas reunir elementos que toquem
em um ou mais pontos dessas áreas. Exemplo: o texto do Queneau, Exercícios
de Estilo, de que gostou tanto. É um texto de literatura, de um poeta que
foi citado por Lacan, um psicanalista, e que aparece na quarta capa de seu
seminário que acaba de ser estabelecido por J-A. Miller e lançado aqui no
Brasil (Les formations de L'inconscient, Le Seminaire, livre V ou As
Formações do Inconsciente, Seminário V). Sei que por aqui não conhecemos
muito Raymond Queneau, mas quando Lacan pensou em perguntar sobre o Witz
(chiste, tirada espirituosa -q é dos temas centrais do seminário), foi a
este autor que recorreu.

Curvo = É curioso observar comentários enviados de leitores “turistas na
psicanálise”, por mails, quando publicamos esse seu artigo de Exercícios de
Estilo, de Queneau. Indagações e reflexões amarrando lindamente comentários
sobre hipóteses de “insight”, “estalos de idéia” em comentários de uma
verdadeira Escuta na Psicanálise, pois que não tinham contatos com leituras
ou saber do gênero ... Foi por aí mesmo que pretendia se enveredar ?
Scalzo = Quis apresentar o escritor aos nossos psis e aos não-psis também.
Além disso, o livro é uma aula de "Leitura". Penso também ser uma aula de
"Escuta". Traz conhecimento, mas de uma forma cifrada, assim como a análise
ou a música. É também um dos objetivos da revista: cifrar, trazer enigmas,
fazer pensar.
Desta forma, os neologismos (espígrafe, divã flutuante) passam a compor o
cenário provocando o leitor. Dizem sem dizer, na palavra que falta ou com
uma imagem intrigante. Tem arte nesse tipo de transmissão, ou seja, ela
conta bastante com a leitura do outro pra se completar.
Tem também texto sério.
Tem bobagem.
Tem nonsens e pode até se fazer um pas-de-sens, como diz Lacan, um "passo de
sentido".
Tem quadrinhos, lugar lúdico onde podemos rir com significantes do cotidiano
do mundo psi.

Curvo = E da interseção da net com a psicanálise? Como é, está essa relação?
Atendimento, como é isso? Outro dia um amigo me abordou pergunta a esse
respeito... Posso aproveitar este espaço para responder a referida pergunta
a mim solicitada...?
Scalzo = Claro! Sobre atendimento on-line, concordo com Elisa Sayeg, nossa
colaboradora, que trata o assunto de forma clara e precisa em um texto do
jornal do CRP (linkado à Art_Lit_Psi): não se pode oferecer esse tipo de
serviço, a não ser de forma experimental, já que não temos ainda certeza da
eficácia. Nesse mesmo texto ela aborda as dificuldades práticas e de sigilo
do meio. Eu, particularmente, não me interesso por esse tipo de pesquisa,
pois sou mais o tête-à-tête, sem web-intermediários.

Curvo = Então, onde entra a internet pra psicanálise e a psicanálise pra
internet?
Scalzo = Acho que a primeira relação é mais fácil de se responder.
Identifico dois vetores principais:
1 -divulgação de informações em revistas, bibliotecas, bancos de dados,
web-sites pessoais (homepages) e sites de organizações institucionais e 2 -
listas de mails. A facilidade de divulgação de informações contribui tanto
para a pesquisa em uma área especificissíssima quanto para nos darmos conta
da quantidade de diferentes mundos psis ou mesmo lacanianos existem. É um
instrumento que nos dá a informação sobre o grão de areia e a visão
panorâmica do deserto. Temos acesso a uma tese de um fulano da cidade de tal
pois temos a referência exata que alguém nos deu e ao mesmo tempo caímos sem
querer (-querendo, como diria o Chaves e apoiaria Freud) em um novo
horizonte, nunca dantes web-navegado.
Poder consultar essa biblioteca imensa é uma revolução. Outra é a famosa
"lista". A "lista" é revolucionária? Creio que sim. Além de compartilhar
informações em comunidades, ela também pode agir como catalisador de
processos políticos. Gostaria de lembrar que catalisadores não alteram
quimicamente a reação, mas agem no tempo, acelerando ou retardando a mesma.

Curvo = Poderia citar um exemplo para clarear melhor esse discurso para o
meu leigo-leitor de olhar obliquo, desacomodado em sua confortável poltrona?
Scalzo = ok! Vejamos um exemplo, sem citar nomes, para não se transformar em
uma leitura partidária. Imaginem uma instituição formada por membros. No
caso de uma crise e posterior separação de membros, com a internet, os
membros que "saem" tem muito mais chances de compartilhar idéias, obter
apoio ou críticas. Digamos que eu queira abandonar uma certa comunidade e
propor uma outra, que pode até ser parecida, ou não. Sei lá, não importa.
Bem, saio de uma reunião irritadíssima com algum bate-bota, decido romper
com a tal instituição e fundar uma outra, escrevo um mail contando o porquê
da decisão, aperto um botão e lá está: milhares de pessoas têm, quase
imediatamente, meu comunicado. Isso tudo é hipotético, viu, pessoal...

Curvo = E antes da net, como era o procedimento normal?
Scalzo = Vamos ver a hipótese contrária: antes das listas de mails. Eu
teria que: 1-redigir meu texto, 2-fotocopiá-lo (mil cópias? mais?), 3- ter
acesso aos endereços dos membros da comunidade, 4-comprar mil envelopes, 5-
selar (haja grana!) 6- ir até o correio 7- enviar. Alguns dias depois, a
bola passaria para quem recebeu. Que fazer? Poder-se-ia: 1- achar válida e
apoiar a decisão, tendo assim que passar pela maratona das mil cópias xerox
+ correio, 2- achar válida e apoiar a decisão mas não ter coragem ou grana
pra manifestar minha opinião para toda a comunidade e, então, mandar meu
apoio somente para quem me mandou o mail, 3-achar válida e apoiar a decisão
mas não ter coragem ou grana pra manifestar minha opinião e não fazer nada,
4- achar um absurdo o mail da desertista e passar pela maratona das mil
cópias xerox + correio, gastando a maior nota pra dizer que não aprovo, 5-
achar que não é bem assim e querer argumentar, mostrando seu ponto de vista
pros outros membros da comunidade e passar pela maratona das mil cópias
xerox + correio, gastando a maior nota pra dizer que dessa coisinha e assim
por diante.

Curvo = O que você sublinharia como mais relevante, nisso tudo?
Scalzo = O fato de ter que "passar pela maratona das mil cópias xerox +
correio, gastando a maior nota" para participar da conversa, apoiar ou
desapoiar é mais que relevante, pode ser impeditivo. Já com a lista,
qualquer pensamento que passar por perto do teclado, se em um momento de
entusiasmo, o autor do mesmo o materializa na máquina de mails e aperta o
botão do "enviar"....Voilá: toda a comunidade sabe o que penso que penso. Em
uma semana posso contar com apoio ou com a repulsa, até mesmo com o pouco
caso interestadual, nacional, internacional! Pessoas se reunem em torno da
nova causa, uma nova comunidade facilmente se organiza. O que, no tempo do
correio, levaria muito mais tempo, talvez nem acontecesse...

Terezinha Curvo é Psicanalista e fundadora do MPC.
e-mail: tcurvo@zaz.com.br ( 321 – 0900 )
Home page : http://www.mpcuiabano.cjb.net/

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