Numa economia de juros altos, antes de comprar a prazo, é útil contar dez vezes de um a dez!

     ECONOMIA BRASILEIRA

  Movida a crédito  

 

 

 

        Segundo pesquisa da ANEFAC, os brasileiros já gastam mais com juros do que com qualquer outro item doméstico.  Os juros do cheque especial, do cartão de crédito e do crediário da loja comem 29,8% dos gastos mensais contra 22,8% para os alimentos. É o efeito natural de uma economia que usa o crédito como combustível e que tem um dos juros mais altos do mundo. Isso acarreta, com certeza, desequilíbrios financeiros entre as pessoas, a irradiar-se para as empresas.

        Tanto se vende a prazo neste País, que é comum o vendedor informar assim o preço de certa mercadoria, por exemplo:

      -- “160 reais em uma entrada mais três mensais iguais sem juros, ou em prazo maior com juros”.

        É como se o freguês só comprasse a crédito. De fato, compra, em geral. É claro que os juros estão embutidos em toda compra a prazo. “Sem juros” é apenas uma técnica de vendas, um chamariz. Tanto há eles, que vendedores costumam dar desconto se a compra for à vista.

 

Consuma hoje

 

        Gaste hoje, pague amanhã -- parece ser o lema da economia brasileira. Com isso, o trabalho, em vez de ser um prazer ou um esforço para depois consumir, passa a ser um castigo para pagar o já consumido, do ponto de vista do trabalhador. Põe-se o prêmio antes da competição, o carro adiante dos bois. Invertem-se os papéis. Muitos defendem isso em face da  brevidade da vida. É preciso viver logo – dizem. Faz algum sentido. Mas a vida nem sempre é tão breve a ponto de impedir que juros comam boa parte do consumo futuro. O modo capitalista de superar sempre o bem do mercado torna  muita gente insatisfeita, a desejar o produto mais refinado da linha, a última novidade no assunto. Isso induz ao hábito de comprar hoje e pagar amanhã, botando mais lenha na fogueira dos juros.

 

Evidências

 

        É possível até que, no presente,  muitos consumam só o essencial, destinando o resto de sua renda ao resgate de dívidas. Outros pagam destas apenas os juros. Enfim dívidas e encargos podem até reduzir o consumo básico. Nesse caso, subtraem vida.

        É claro que a política de achatar salários, vigente no País, leva a enfatizar isso. Mas, como o uso do cachimbo faz a boca torta, muitos perdem a noção de que, muitas vezes, poderiam adiar um pouco o consumo para depois comprar à vista, pagando menos.

       Quando se trata de bem de consumo durável, a compra a prazo pode ser razoável e, por vezes, a opção única. No caso de aquisição de imóvel, é a via exclusiva para a grande maioria, mas a coisa aí pode ficar preta para o comprador.

 

Desconto

        Para quem tem o dinheiro, pagar à vista e obter desconto, mesmo pequeno, é melhor no quadro atual do que comprar a prazo. Veja-se esta hipótese:

        Um rádio custa 80 reais em quatro parcelas (uma entrada de 20 e três  mensais de 20). À vista, desconto de 5%, ou seja, quatro reais. Qual é a melhor opção: comprar à vista ou a crédito, deixando 60 reais na poupança?

           A poupança rende menos de 1% ao mês.  Fique-se com 1% mesmo para ir à ponta do lápis. No primeiro mês, os 60 reais rendem 60 centavos. No segundo mês, 40 reais trazem 40 centavos. No último mês, os 20 reais restantes dão 20 centavos. Soma dos ganhos na poupança nos três meses: R$1,20 (60 + 40 + 20). Melhor, pois, tendo a grana, é comprar à vista, ganhando R$2,80 (4,00 –1,20), mais de 130% que no outro caso, livrando-se ainda do trabalho de pagar prestações. Se o desconto for maior, aí, então, nem se fala.

 

Cheque especial

 

         É uma boa invenção. Torna mais aceitável o cheque. É o tipo da coisa ótima para não utilizar ou usar só em condições raras e por pouco tempo. Os juros aí são salgados, nunca inferiores a 8% ao mês ou 151% anuais, podendo chegar até 12% mensais ou 289% por ano. Tirada uma inflação anual de 6%, os juros reais ficam acima de 140% por ano ou de 7,46%  mensais. Juros de agiota mesmo. Veja, abaixo, o limite legal dos juros reais.

        Ocorre que muita gente usa esse tipo de crédito para financiar o consumo normal e gastar acima de sua receita. Nesse caso, o juro come muito a receita do freguês. Quem entra nesse esquema, em regra, fica muito difícil sair dele.

 

Cartão de crédito

 

         É o dinheiro de plástico. Cerca de 30 milhões de brasileiros já o possuem. Há até os pré-pagos para dependentes. Prático, substitui a grana em espécie com vantagens, sobretudo em viagens. Pode ainda parcelar um débito, dando ao titular opção de pagar só um mínimo, com o resto a perder de vista. Permite sacar em caixa eletrônico e facilita compras a prazo (aí pode estar o perigo). Sobre o crédito usado costuma ter juros mais altos que no caso anterior. Na hipótese de saldo devedor, juro pode incidir sobre juro. Nisso está sua armadilha. Aí, a dívida pode crescer em bola de neve. Têm nas anuidades seus custos normais.

        Muitos têm sua carteira de cédulas recheada deles. Parece que crêem que ter esse plástico é subir de status. Quanto mais têm, mais sobem nessa escala social, pensam, por certo. Quando furtam uma carteira dessas ou a roubam em assalto, é um rosário de aflições para a vítima. Um extravio pode causar danos maiores, se o titular disso não tomou ciência em tempo. Uma cópia de má-fé, nestes tempos de clonagem, pode trazer também outras amolações.

        Há ainda os cartões de loja. Não costumam ter anuidades. No mais, parecidos com os primeiros, inclusive nos juros altos e no ardil do saldo devedor. Quando se entra nesses cartões, em nível acima do salário, fica difícil também sair deles. 

        Demais juros bancários variam de 2,6% a 4,7% mensais ou 36% a 73% anuais.  

 

Cooperativas de crédito

 

         No passado havia muitas. Operavam, em regra, como bancos, abertas ao público. Enganavam ou pretendiam enganar, pondo no começo de seu nome o termo Coop em letras miúdas, seguido de Banco Tal em letras garrafais. Como a mentira tem pernas curtas, quebraram, em geral. 

        Agora tornam de roupa nova, vestida pelo Banco Central. São mais de mil em todo o País. Além da obrigação de integralizar a quota de capital, obrigam o cooperado a contribuir com um percentual de seu salário por mês, para reforço do capital da sociedade. Admitem, assim, que todos recorrem ao crédito habitualmente. Há, embora raros, os que não costumam fazer isso. Esses, que poderiam ser cooperados com seu quinhão de capital, em geral, fogem da coisa para livrar-se do prejuízo mensal em seu salário. Eis aí um possível defeito básico do novo cooperativismo. Mais justo, talvez, seria onerar menos os que usam menos os recursos da entidade, ou seja, só os tomadores de empréstimos pagariam a tal contribuição mensal.

         Já as cooperativas de consumo eram de fato benéficas para os assalariados, mas sumiram também. Tendo de ficar em condições de igualdade fiscal com o grande capital (supermercados, por exemplo), morreram por asfixia.

 

 

Bancos

 

        Negociam com dinheiro de clientes, obtido a custo negativo, em geral. Ao comprarem a grana,  pagam  menos de 1% mensal (juros da poupança). Ao vendê-la em empréstimos o fazem com lucros de até mais de 1000%. Se a base é o captado de graça, o lucro vai ao infinito, pois qualquer número dividido por zero tem quociente sem fim. É certo que bancos têm custos administrativos como, aliás, as demais empresas os têm. A diferença está na forma de adquirir o capital de giro. Negócio da China! Daí a razão de lucros tão fantásticos. De setembro a novembro de 2002, por exemplo, bancos estrangeiros que operam com títulos da dívida pública brasileira mais negociados no exterior, a partir de especulação, tiveram lucro fabuloso de R$5,7 bilhões.  Além disso, bancos ainda cobram tarifas abusivas da clientela que acaba pagando para ter dinheiro lá. Para ter idéia do é um bilhão, clique no botão abaixo:

 

 

Baixa renda

 

        Os de menor de renda, que não têm cartão nem conta bancária, são levados nas compras pelo crediário a darem o passo no tamanho da perna, mas há inadimplências aí. Agora, porém, existe cartão de crédito também para essa fatia. É o incentivo ao consumo. Alguns ganham muito pouco, sem crédito, cheque, cartão e lenço, só com documento, fazem o milagre de viver com seu parco salário.  Podem passar dificuldades, mas, com certeza, dormem em paz, livres de dívidas.

 

Limite de juros reais

 

        O artigo 192 da Constituição Brasileira, em seu parágrafo , diz:

         As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

        Ora, juro real é o juro nominal menos a inflação. Para uma inflação anual da ordem de até 10%,  caso do Brasil, ter-se-iam juros nominais da ordem de 22% ao ano (juros internos) ou cerca de 1,5% mensais  para que os juros reais máximos cobrados no País ficassem no citado limite. A Taxa básica de juros da Economia, que é outra coisaestá no presente em 16% ao ano, servindo de degrau para calcular os juros internos do País.Quando esses juros chegam a bancos passam muito dos 20%, acima do citado limite legal de juros reais.

        O parágrafo acima pode não ter sido regulamentado, mas está em vigor. Segundo ele, o juro real não pode ir além do limite fixado. Acima disso, é crime de usura – diz o dispositivo que pode ser letra morta, porém é lei enquanto não rasgarem a Constituição nesse particular. E usura é agiotagem. É fácil ver quem a pratica.  Ora, bancos e similares cobram juros reais acima de 50%, 100% e até 200% anuais. Que é isso, senão crime de agiotagem,  nos termos da Constituição?

 

Servidão

 

        O crédito facilita e dificulta também. Quem, por exemplo, cai na mão de agiota pode chegar a um ponto de só poder pagar o juro. Mas, como este é muito alto, o credor deve dar-se por satisfeito com isso, pois está a gerir a dívida, tendo já recebido, em geral, muitas vezes o emprestado. E agiotas há aos magotes neste País, oficiais ou não oficiais, todos maléficos.

        No Recife dos anos 50/60,  donas de pensão faziam questão de levar seus hóspedes a endividar-se em dois a quatro meses de casa. A partir daí, mantinham a escrita em dia. Com isso, tinham quase todos à mão, presos por dívidas. Não podiam eles reclamar da comida pouca e ruim, nem mesmo mudar de pensão sem pagar o atrasado. Era uma forma de manter cativo o mercado.

        Hoje sobram agiotas com o mesmo propósito, agora cercados de mais garantia.  Entre países a dominação via dívidas também existe. Basta olhar para a realidade do mundo atual. Esse império das dívidas, seja entre pessoas, seja entre países, tem de acabar para que haja mais vida para todos.     

        Quem não se habitua a viver dentro de sua renda normal e recorre muito a dívidas, pode incluí-las de vez em sua receita natural. Aí paga um débito e logo é preciso outro, em geral maior. A bola de neve pode crescer e levar à quebradeira.

 

Negativa

 

         Pode ser que, em geral, o juro nominal cobrado no País inclua, não a inflação dos índices oficiais, da televisão, mas a inflação real da feira, do supermercado, da cesta básica, do aluguel, da conta de telefone, dos remédios, do botijão de gás, da assistência médica, do ônibus, da gasolina e de outros itens, que tais índices, por certo, ignoram ou levam pouco em conta. Se for assim, generalizada não seria a agiotagem e sim um tipo de cambalacho.oficial.


ANEFAC Associação Nacional dos Executivos de Finanças, com sede em São Paulo (pesquisa feita em julho/agosto/2002).

Taxa básica de juros da Economia  – fixada pelo governo para remunerar os títulos públicos e fixar os juros do País a partir dela.

Desconto de 5% - Em geral, a comissão do cartão de crédito que entrega o dinheiro ao lojista  em cerca de 40 dias. Claro que é vantagem, para o vendedor, dar esse desconto a fim de receber a quantia à vista.  

Custo negativo - É comum pagar para ter conta corrente bancária, que nada rende de juros. Em  eras passadas (anos 60), isso era de graça e ainda rendia juros para o depositante.

 

 

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Página revisada em 15/04/2004