Se muitos países fizeram a reforma agrária há 40 ou mais anos, por que o Brasil não faz também?

 

 SOCIAL ANTES DO INDIVIDUAL

  Reforma agrária já!

 

 

Maldição contra a concentração de terras

             "AI DE VÓS!, que ajuntais casa a casa e que acrescentais campo a campo até que não haja mais lugar, e que sejais os únicos proprietários da terra! Os meus ouvidos ouviram ainda este juramento do Senhor dos Exércitos: 'Grande número de casas, eu o juro, será devastado, grandes e magníficas herdades ficarão desabitadas... "!

Fonte: Bíblia

 

 

               o texto acima, que não é coisa de sem-terra nem eco dos tempos atuais, pode ter sido o primeiro grito em favor da reforma agrária, dado no ano 720 antes de Cristo. Platão, filósofo grego (século V a. C.) já a defendia. Mais tarde, os irmãos Graco, tribunos romanos (século II a. C.), também lutaram por ela. O fim do feudalismo (século 17 d. C.) implicou na distribuição de latifúndios vindos dos feudos, em vários países, como aconteceu na França. No Paraguai a reforma ocorreu na primeira metade do século 19. Os Estados Unidos a fizeram em 1865 com a “Lei da Gleba” que limitou os lotes familiares em 65 hectares. Muitos outros países a realizaram, às vezes em ações rápidas e radicais. Noutros casos, ela foi popular com a participação de governos e camponeses. As reformas socialistas mudaram a forma de produção (o que não seria o caso brasileiro, lógico).  Fizeram reforma agrária no século passado  estes países capitalistas:

 

México, em 1936.

Japão, na década de 40.

Turquia, em 1945.

Coréia do Sul, depois da 2ª guerra mundial.

Índia, idem.

Bolívia, nos anos 50.

Itália, em 1951.

Butão, pequeno país asiático, na década de 60.

Egito, nos anos 60.

Taiwan,  na década de 60.

Chile, nas décadas de 60/70.

   

           A reforma agrária é uma exigência para chegar ao progresso. Não é, em absoluto, uma bandeira exclusiva de partidos de esquerda. Nem deve ser apenas uma distribuição de terras. Deve incluir também o crédito e toda assistência ao assentado bem como o incentivo à produção.  Pode não abarcar todo o território nacional, mas só uma parte deste como queria Jango no Brasil dos anos 60. 

           Nesse aspecto, o Brasil está atrasado em uns 50 anos no trem da história.

Brasil - breve histórico

          Nossa alta concentração de terras vem da época colonial. As guerras camponesas de Canudos (1897) e do Contestado (1914) vieram de questões ligadas ao domínio de latifúndios. Por trás do fenômeno do Cangaço no Nordeste do século passado (até os anos 30) está também o império de grandes propriedades rurais.

         A primeira onda de lutas efetivas pela reforma agrária ocorreu nos anos 50/60, sufocada pelo golpe de 1964. Mas o próprio regime militar, que se seguiu, quis fazer a reforma,  embora de modo conservador. Mesmo assim, encontrou forte reação nos grandes proprietários, e muito pouco fez na área. 

        A criação do MST em 1984 marcou o início da segunda onda de lutas pela causa. As invasões ou ocupações de terras no último decênio forçaram o governo a fazer milhares de assentamentos. Graças a isso, a reforma a ganhou os meios legais necessários e começou a sair do papel, mesmo de modo tímido. Mas ela continua por ser feita. Falta decisão política para tanto. No Brasil ela se inclina mais para o tipo popular dentro do sistema capitalista, com participação do governo e camponeses.

        A situação nos campos, agora, é muito mais grave que antes de 1964. Não há clima para outro golpe, porém. Faltaria cadeia para prender milhões de sem-terra envolvidos em invasões. Caso não se resolva a questão no presente, a coisa poderá piorar ainda mais no futuro.  Quando os problemas crescem demais, eles próprios forçam uma solução, com certeza.

 

Resultados

 

         O  pouco feito de reforma agrária no Brasil deu certo, apesar da recessão e da falta de apoio oficial. Os assentados se organizaram em cooperativas e alcançaram  frutos positivos, com destaque para duas experiências:

Cooperativa de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina.  Tem uma indústria de laticínios que produz  80 mil litros de leite por dia, com a produção levada ao mercado;

Cooperativa de Sarandi, no Rio Grande Sul. Em um frigorífico onde se abate boi e se produz salame, banha etc, também atuando no mercado.

 

Mudança no modelo

 

 

        Para se ter uma reforma agrária bem sucedida no Brasil, é preciso que ela seja seguida de uma alteração no modelo econômico adotado no País, com ênfase ao consumo interno e à melhor distribuição de renda.

        É oportuno abrir um parêntesis: As empresas de telefonia, privatizadas, expandiram-se. Mas enfrentam hoje dificuldades financeiras em face do atraso de clientes e das sobras de linhas disponíveis, frutos do baixo poder aquisitivo de grande parte da população brasileira, que não pode pagar suas contas ou adquirir telefones. Há outros exemplos negativos.  Qualquer modelo econômico, para dar certo mesmo, tem de ter uma massa de compradores com poder de compra razoável. Afinal, é do consumo dos trabalhadores que as empresas mais dependem. Fechado o parêntesis.

 

Números da questão agrária

 

  • Entre os anos 60 a 80 cerca de 30 milhões de brasileiros fugiram da zona rural, expulsos pela grilagem e pela especulação.          

  • 4,8 milhões de famílias sem-terra.

  • Apenas 2% possuem mais de 50% das terras.

  • 26 superlatifundiários ocupam 25 milhões de hectares, área maior que o território da Inglaterra. No  lado oposto, 3,1 milhões de glebas de até 10 hectares se espremem em apenas 2,7% das terras.

  • Os imóveis de menos de 100 hectares geram 50% da produção agrícola e 80% dos empregos no campo, enquanto os de mais de mil hectares criam apenas 11% do produto e 4% da mão-de-obra ocupada.

  • Cerca de 400 mil assentamentos foram feitos. Se uma Bélgica (em terras) já foi distribuída, só os 26 megalatifúndios supracitados ainda ocupam uma área maior que a da Inglaterra, como foi dito. 

  • De 1975 a 1995, houve centenas de assassinatos (sobretudo entre os sem-terra) em conflitos rurais. O mais grave de todos foi o massacre de 19 trabalhadores em Eldorado dos Carajás, no Pará.

  • Uma multidão de 1,2 milhões de pessoas está envolvida nos conflitos nas zonas rurais.

 
Direitos

 

        Se donos de terras têm direitos garantidos em lei, os sem-terra fazem jus à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da Constituição Federal (inciso III, artigo). Como se pode ter decência sem se dispor dos meios naturais de habitação e trabalho?

 

 

Custos

 

       O custo estimado de 35 mil dólares por cada família assentada (revista Veja, nº 1431) pode ser alto, mas só o que o Banco Central enterrou em bancos quebrados  (8 bilhões de dólares ao câmbio atual) daria para assentar mais 200 mil famílias. Somente o que País paga por ano de juros da dívida interna daria para assentar mais de um milhão e quinhentas mil famílias. Isso sem falar nos juros da dívida externa e no pagamento do principal de ambas as dívidas. O primeiro custo tem elevado retorno social. Os demais apenas vão para o mundo financeiro.  Qual a prioridade, enfim: o social ou o financeiro?

 

Objetivos

        A reforma agrária no Brasil tem, entre outros, os seguintes fins:

  • eliminar a fome, a miséria,  a exclusão social e a violência.

  • estabelecer a justiça social no campo.

  • Impedir o êxodo rural, invertendo o fluxo no sentido cidade-campo.

  • Dar trabalho e habitação digna a milhões de camponeses.

  • Aumentar a oferta de produtos agrícolas, reduzindo seus preços para, sobretudo, alimentar os mais carentes.

  • Eliminar foco da inflação brasileira na rigidez da oferta de alimentos.

  • Aumentar o emprego no campo e, por tabela, nas cidades.

  • Estabelecer a paz na zona rural.

  • Elevar a produção em geral, mediante aumento no consumo interno, com melhoria na qualidade de vida do povo brasileiro.

  • Melhorar a distribuição de renda no País, que é, no presente, a quarta pior do mundo, embora o Brasil seja a nona economia do mundo.

 

Via legal

 

         O artigo 184 da Constituição Federal diz com todas as letras:

“Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária...”

        Latifúndios, com baixo emprego e pouca ou nenhuma produção, não cumprem sua função social. 

        Aí estão a faca, o garfo e o queijo legais para fazer a reforma agrária sem demora. Falta só servir-se desses meios para dar condições de vida dignas a milhões de brasileiros.

   

Bois na frente do carro

      

        A reforma agrária que, em ritmo de valsa lenta, é feita no Brasil, segue este fluxo: primeiro as ocupações, depois a desapropriação. Essa maré está invertida. O carro está na frente dos bois. Daí os contratempos. A desapropriação deve se antecipar às invasões para evitá-las. Essa seria a corrente natural se houvesse, de fato, intenção oficial de fazer a reforma. 

        Agora, não podem os sem-terra ficar na espera da desapropriação porque eles, mesmo sentados, vão cansar, pois ela não vai vir, com certeza. Essa tem sido a experiência prática. O governo deve trocar as bolas e dar o exemplo, partindo na frente, com os bois adiante dos carros. 

         Na era Lula a onda deve ser a correta. É o que se espera. É o que ele prometeu em sua campanha.  Pode faltar dinheiro, mas os    títulos da dívida agrária podem resolver o problema. Mas a reforma está mais lenta com Lula, pelo menos mais devagar que no tempo de FHC.  


Bíblia - (Isaías 5, 8-9). 
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, cujo fim é acabar com desigualdade social no campo. Faz ocupações de terras (que muitos chamam de invasões) e pressiona o governo para fazer a reforma agrária. 
         Como movimento de massa é um dos mais importantes da História do Brasil, ao lado da Campanha pela Abolição no século 19. Tem eventuais excessos, de resto naturais em toda mobilização desse tipo. 
          Costuma ser acusado de ter caráter político. Mesmo real essa acusação, nada de mal há nisso, sem dúvida. Ricos e médios podem se organizar politicamente, claro. Acaso pobres não podem fazer o mesmo? Só cabe a estes reclamar cestas básicas ou coisa que o valha? 
           Somente um preconceito pode negar o direito à pobreza de organizar-se sob forma política. Afinal, "o homem é um animal político".

 

Principais fontes consultadas:

ENCICLOPÉDIA Larousse Cultural, São Paulo, 1998.

ATLAS HISTÓRICO Brasil 500 anos (ISTOÉ - CD rom), São Paulo, 1997.

ENCICLOPÉDIA DIGITAL, São Paulo, 1998.

FAMÍLIA CRISTÃ, revista, São Paulo, 1998.

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Atualizada em 15/04/2004