<%@ Language=VBScript %> Trecho Dois de Terra da Sulanca - briga política (ficção)

Na  briga entre "gatos" e "ratos", sobram miados e grasnidos

Terra da Sulanca

 

(extraído da ficção acima)

 

Trecho Dois

 

 

 

 

(briga política)

 

 

Nota: os números em negrito indicam a época e o tópico da narrativa

1945 - 1971

 

33

   

            A campanha eleitoral para prefeito está cada vez mais quente: acusações de parte a parte. Puxa-sacos fazem a coisa descer a níveis baixos. No comício dos gatos, é comum encontrar frases feitas em faixas ou na boca de oradores: “Balaio de ratos é banquete pra gatos”. “Rato nasceu pra ser comido por gato”.

           -- Vai miar noutra freguesia, gato vigarista! Desce daí, gato safado! -- são gritos freqüentes nos comícios de Quinca, saídos de adversários seus no meio do povo..  

             “Um balaio de gatos morre com picadas de ratos”. “Gato não gosta de banho. Tem medo de água” -- disparam os ratos em suas faixas.

            -- Cala a boca, guabiru nojento! Vai comer veneno, rato imundo! -- gritam os gatos, insultando os rivais nos comícios de Biu.

            -- Comboio de mulher perdida! -- costumam gritar gatos em seus discursos numa alusão ao comportamento de Marta.

            -- Bando de conquistadores baratos! -- respondem ratos, a insinuarem aventuras de Amaro.

            E vai por aí. Ambos os candidatos, contrários a esses expedientes, acham que a vida particular de parentes nada tem a ver com eles. Proíbem essas baixarias, sem evitar que elas aconteçam. Há também, em ambos os lados, engraçadas letras para conhecidas músicas, para enaltecer seu grupo e gozar o adversário. Comícios se realizam com olheiros dos dois lados a medir a quantidade de gente pelo tempo gasto na passagem das passeatas em becos. São afirmações freqüentes entre as duas facções:

            -- A passeata dos gatos levou 37 minutos pra passar no beco do padre. A dos ratos atrás gastou só 33 minutos pra passar no mesmo beco. 

            -- Os ratos gastaram 40 minutos pra atravessar o beco de João Pereira. A dos gatos logo depois só gastou 37 minutos pra atravessar o mesmo beco.

            E haja comentários:

            -- Os ratos roeram ontem de noite no Pátio!

            -- Os gatos miaram onde de noite no Alto!

            -- Onde os ratos vão roer hoje?

            -- E os gatos vão miar onde hoje?

...

            -- Hoje tem briga de galo? -- indagam muitos, referindo-se à reunião na Câmara de Vereadores, em que ocorrem episódios engraçados: o prefeito ora tem maioria, ora tem minoria, conforme o trânsito de dois ou três vereadores entre um grupo e outro.

            A cidade precisa crescer para expandir seu negócio de retalhos, mas não pode. Terras do perímetro urbano, uns 160 hectares, para onde cresceria o lugar, são do major Ramiro, viúvo e latifundiário, morador em Poço Fundo. Vive o major há muito tempo com uma negra madura, empregada sua e amante, dizem as más línguas. Mantém-se com a venda de leite e de cabeças de seu numeroso rebanho bovino. Melhor seria dizer que apenas sobrevive, tão grande é sua avareza. 

           Um derrame violento o alcança aos 78 anos e o deixa entre a vida e a morte.  Recupera-se parcialmente. Aos 80 anda amparado num par de muletas. Passa por mudanças radicais em sua forma de encarar a vida. Vira humanitário. 

            Distribui parte de seus bois entre muitos que nada têm. Faz um testamento de seus imóveis. De sua enorme fazenda faz uma verdadeira reforma agrária. Sua terra na cidade doa à prefeitura em opção testamentária. O crescimento da cidade fica, pois, a depender da morte do major Ramiro. Quinca, primeiro prefeito eleito, sabe bem disso. No fundo, torce por uma boa morte do ilustre poço-fundense.         

           -- “... A verdade, meus senhores, é que o major Ramiro precisa ter uma boa morte para que Santa Cruz possa avançar com as terras que a prefeitura vai ganhar. Pedimos, humildemente, ao Criador que convoque logo aquele justo homem, para o bem de todos e do lugar. Amém” -- é o final de estranho pronunciamento de um vereador da situação em movimentada reunião na Câmara de Vereadores. 

            Mas o major continua vivo. E vai assim até o término da administração de Quinca, para desilusão deste.

             Segunda eleição para prefeito. Quinca está desgastado por erros em seu governo. Depois, o candidato da situação não é bom de votos. É um tal de Reginaldo, mecânico vindo da Paraíba. A campanha permanece agitada. Dessa vez, não tem concorrente à altura para Biu, candidato oposicionista, que acaba por vencer fácil o pleito em todas as urnas, com uma diferença de 380 votos. A passeata dura dois dias. Os gatos humilhados escondem-se por quinze dias.

            Em março de 1959, uma parada cardíaca mata o major Ramiro. Sem herdeiros, todos os seus bens seguem o caminho do testamento. A prefeitura ganha mais de 160 hectares para a cidade poder crescer. Biu, chefe dos ratos, como segundo prefeito constitucional, começa sua administração com o pé direito. Os ratos, eufóricos, comentam:

            -- Eita, matuto de sorte! Entra na prefeitura e o major bate logo a bota!

            -- Biu ganha a eleição e as terras!

            -- Rir melhor quem ri depois! O major morreu e deixou Biu numa boa!

            -- Os ratos fizeram cabelo e barba! Só falta bigode!

            -- Os gatos vão comer puro!

            -- Os gatos vão ter dor de barriga de tanto tomar garapa!

            -- Dessa vez, os ratos comeram os gatos!

            As mesmas supostas irregularidades da administração passada, ocorrendo comentários semelhantes:

            -- A prefeitura é uma rata gorda, engordando ratos -- costumam dizer os gatos em suas conversas.

              ...

 

          Inauguração da energia  de Paulo Afonso, trazida pela CHESF. .Luz elétrica de dia e de noite, sem parar, é demais. Um parente de Nélson de Joca Pereira fica tão admirado com o milagre que liga e desliga muitas vezes o interruptor da sala de visitas de sua casa, até a lâmpada queimar-se. Recolocada outra no lugar, começa o liga-desliga, com quebra, desta vez, do interruptor.

            -- Você é mesmo uma besta quadrada! -- intervém a mulher dele.

            -- Besta quadrada é você, jumenta bruta! -- rebate ele, seguindo-se pesados insultos de lado a lado.

            -- Não pode a luz separar o que Deus uniiu! -- declara o padre Zuzinha que por ali passava, ao interferir em boa hora na briga do casal, a caminhar para a separação.

            Aposenta-se a velha usina elétrica de Luiz Alves, que, depois, passou para o comando da Prefeitura. Com energia a toda hora, dez caldos de cana surgem do dia para noite na localidade. O líquido passa a ser a coqueluche do lugar. Todos se afogam na bebida. Vem um desarranjo intestinal generalizado com muito trabalho para o farmacêutico Inácio Aragão.

           Seu Totó, 78 anos, enquanto peruava uma partida de sinuca no salão de Manoel Marques*, tem uma violenta dor de barriga e sai correndo: arreia as calças sob a gameleira em frente e faz o serviço ali mesmo. A sujeira espalha-se no chão aos olhos de quem queira ver. O espetáculo pode ferir os bons costumes, mas não deixa de ter seu lado cômico.

            -- A luz alumiou a cidade, mas deixou seeu Totó no escuro! – comentam. 

...

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Revisada em 05/04/2004