Jerry Adriani grava um CD, com os sucessos da Legião Urbana, em Italiano.

 

 

 

De quem foi a idéia de fazer esse CD em homenagem à "Legião Urbana"?
Isso de eu cantar as músicas do Legião é uma coisa antiga. Desde que a Legião apareceu, as pessoas comentavam que o Renato tinha uma semelhança vocal comigo. Depois, quando ele faleceu, apareceu a idéia de fazer um trabalho com as músicas da Legião. Primeiro eu fui chamado lá em Brasília para cantar num tributo ao Renato Russo. Então a partir daí, foi lançada realmente a pedra fundamental desse disco.

Quando foi esse show, desde quando você tem contato com eles?
Foi em 1997, no Dia de Combate Mundial da AIDS e lá eu conheci mais de perto o Marcelo Bonfá e o Dado Villa Lobos.

Esse trabalho está renovando seu público? Esta atingindo o público da Legião?
Eu acho que está trazendo uma curiosidade, um público novo, de uma galera que de repente não acompanhava meu trabalho. Acho que chamei a atenção desse pessoal através desse trabalho. Muitas pessoas vem me dizer: olha realmente eu não ouvia, não curtia, tudo mais o lance ... mas esse disco novo esta muito bom e tem esse público novo, que é muito bom. Além disso, evidentemente, tem o meu público, que já vem comigo à bastante tempo. São pessoas que prestigiam, que compram realmente os meus discos.

Por que cantar em italiano?
Em italiano por que eu comecei a minha vida cantando músicas em italiano. Eu fui uns dos primeiros artistas a fazer essa coisa de músicas em italiano, isso em 64, antes até de começar o movimento da "Jovem Guarda". Logo no começo, gravei três discos em italiano. Além do mais, se eu cantasse em português ia ficar parecendo uma cópia do Renato Russo, porque existia a semelhança vocal. A idéia de cantar em italiano, foi para fazer uma coisa mais original. Na verdade eu estou cantando versões em italiano, de músicas que o Renato cantou em português. Então a gente fugiu da história da cópia. Na verdade estamos fazendo um trabalho inédito.

Você está na frente do modismo ou é um tipo de feeling?
Sou descendente de italiano e fui criado pela minha avó. Minha história tem a ver com o povo italiano e obviamente, isso já cria uma ligação. Além disso eu gosto da música italiana e gosto do idioma. Eu acho muito bom. Também o último disco de grande sucesso do Renato foi o "Equilíbrio Distante", gravado em italiano. Daí o fato da gente ter gravado em italiano.

Você participou da escolha do repertório?
Participei. É claro. Foi com o Carlos Trilha. O Dado deu sugestões. Até meu filho que é fã da Legião. A gente escolheu uma série de músicas e dessas músicas, ficaram as dez que compõem o disco.

Como você tem amizade com o Dado e o Bonfá, nunca passou pela cabeça fazer um trabalho vocês três juntos?
Não. Pra eles não dá. Eles não podem fazer isso. Pra eles não seria bom. A gente não pode só pensar na gente. Eles não poderiam de maneira nenhuma fazer isso. Porque ia descaraterizar uma volta da "Legião" . As pessoas iam começar a dizer a "Legião" volta tocar e não é isso. Só é um tributo ao Renato Russo, tributo à "Legião Urbana". Inclusive na faixa onde o Dado participou, fez a abertura tocando um trecho da música "Central do Brasil". Eles tem um trabalho solo. Na verdade eu fiz um disco mais com a Banda de apoio e com o produtor do Renato, que é o Carlos Trilha. Coisa que inclusive foi sugerida pelo próprio Dado.

Qual a sensação de ser confundido com um cover do Renato Russo, depois de tantos anos de carreira?
Ai é uma questão de informação. Obviamente que não se pode inverter a realidade. O cara que não me conhece dizer que eu estou cantando com a voz do Renato Russo é uma questão de um mês, dez dias, até ele conversar com uma pessoa mais velha e a pessoa dizer pra ele: "você está enganado. O Renato é que tem a voz parecida com a do cara". Tem uma semelhança vocal, mas isso aí nunca me preocupou. Primeiro que eu nunca achei que o Renato Russo me copiasse, nem achei que eu era imitação, nunca entrei por esse campo. O Renato sempre foi extremamente gentil comigo quando se referia a minha pessoa. Esses comentários o cara está cantando... é uma questão de tempo. Uma semana, três dias, quatro dias, o cara logo vai saber que eu tenho muito tempo de carreira que ele obviamente. Comecei primeiro, então, isso não tem a melhor importância.
O que sobra na verdade é o talento do Renato Russo, é a força que ele tem como interprete, como compositor que ele é. Um cara que tem um repertório maravilhoso e pra mim o importante é o seguinte: é que esse trabalho está sendo uma ponte para um público novo. Com um público que de repente não me acompanhava, não sabia do meu trabalho e através desse trabalho passou pelo menos a se interessar.
E a recíproca também eu digo que é verdade, que também tem gente que não fazia parte do fã clube da "Legião" e que passou a ouvir "Legião Urbana" por meu intermédio. É um pessoal mais velho, que não ouvia essas músicas, e não era muito ligado. É muito bom isso acontecer. Essa coisa de um lado para outro, tanto dele pra mim e do nosso trabalho pra ele. É uma coisa que a gente fez com a maior dignidade, que a gente fez com o maior respeito e com o maior carinho.


Sendo o Renato Russo um compositor com tanta personalidade e carisma, como vocês decidiram quais as músicas ideais para o repertório, sem perder a característica do Renato?
É claro nós pensamos o que era mais apropriado para o idioma. Nós pensamos o que era mais adequado para eu cantar. Não foi uma coisa assim: Vou gravar qualquer uma. Vou botar num saco e tira e a que sair eu canto. Nós fizemos um repertório coerente com todo o tipo de trabalho que eu tenho feito. Com todo o tipo de mensagem. Porque a gente também não pode entrar por exemplo numa de querer apagar o passado. Não existe isso. A gente tem que procurar atualizar o trabalho mais com coerência com as coisas que já foram feitas. Já dei um passo realmente muito grande em direção a isso. O repertório foi escolhido com aquilo que a gente achava principalmente adequado ao idioma. Por exemplo: "Vento no Litoral" a gente achava que em italiano ia ficar bárbaro. A gente foi muito nessa, na sonoridade. A gente achava que "Por Enquanto" ia ficar legal em italiano, que "Andreia" ia ficar legal. Foi assim que a gente agiu, nesse critério.

Nos shows você canta outras músicas além do CD?
Eu só canto "Será". Porque não dá pra cantar mais do que isso. A gente canta as músicas do show, o "Será" e meu repertório normal.

Você fez um show com o Maurício Pereira. Como é participar de um trabalho tão particular como o do Mauricío?
Minha vida sempre foi marcada por essas coisas que eu diria que tem, ao mesmo tempo, nada a ver e tudo a ver. Por exemplo o Raul Seixas começou a vida dele comigo. Quem é que poderia supor que o Raul Seixas tinha começado a vida dele comigo. Ao mesmo tempo que eu sou uma pessoa tradicional e tudo mais, eu tenho laços e vínculos com coisas que não são nada convencionais. E nada coerentes, se você for seguir uma linha de raciocínio como o tipo de coisas que eu fiz no passado. Por exemplo o Raul veio da Bahia comigo. Ele praticamente morou com a gente durante quatro anos até começar a carreira como cantor. Quem trouxe o Raul fui eu, quem gravou a primeira música do Raul, fui eu.

Você também já gravou um disco em homenagem ao Elvis Presley?
Eu gravei um CD com canções do Elvis em português. Foi uma coisa que funcionou muito na minha carreira. Eu acho que é importante na vida do artista ele procurar o inusitado. Procurar aquilo que as pessoas não estão esperando. Da mesma forma que eu acho que agora que eu venho com as músicas do Renato, já o que vier depois, não pode ser uma coisa repetida. Você perde o impacto, a grande arma do trabalho é o impacto.

Como está a divulgação do CD?
Desde da época da "Jovem Guarda" que eu não tenho um trabalho tão bem divulgado. A gravadora Indie Records está fazendo um trabalho completo: imprensa, televisão e rádio. Eu estou tocando em rádios que nunca tocavam meus discos. Eu estou feliz com o resultado. Acho mesmo que se o Renato tivesse ouvido teria gostado. E de uma certa forma, acho que de onde ele está, deve ter dado uma parcela de aprovação, porque eu acredito muito no outro lado. Porque ele sabe que a gente fez condignamente, nem mesmo alterar o sentido das palavras, nós deixamos que alterassem. Antes de lançar o CD, a gente chamou o Dado no estúdio pra ouvir. A gente só lançou quando ele disse que estava muito bom.

Um CD com a aprovação de todos?
Se não fosse isso, não faria. Fazer um negócio desses e arriscar minha carreira? Imagina se eu faço isso e o Dado vem à público dizer que é uma porcaria. Que fizeram contra a vontade dele, que ele acha horrível. Imagina? Pode acontecer um negócio desses? Pode. Apesar de ser difícil, porque tudo passa pela mão dele, ele aprova. Mas tem aquela coisa de editora. Eu sei de coisas que foram feitas que ele não deu aprovação. Não posso nem citar por que não é ético. Eu sei de coisas que ele não curtiu. Nem sequer participou. Nem ele, nem o Marcelo.

O Marcelo também ouviu seu CD antes de sair?
É claro. O Marcelo é meu amigo pra caramba. Tenho uma abertura com eles muito legal. Eles sabem disso e sabem que eu não sou um oportunista nessa história e que eu não tenho culpa de que a minha voz seja parecida com a do Renato Russo ou a voz dele ser parecida com a minha. É uma coincidência. Não foi uma coisa gratuita. Foi uma coisa que tinha a ver.

O seu CD e o "Acústico" da Legião foram lançados praticamente juntos. Isso atrapalhou?
Não. Quanto mais lenha na fogueira, quanto mais se falar em "Legião", é melhor pra todo mundo. Eu não sou a Legião Urbana, eu sou uma pessoa que fez um tributo à Legião Urbana. Eu sou uma pequena parcela de um todo. De uma coisa que está acontecendo e que já devia estar acontecendo com a "Legião".


Jerry Adriani não precisa pedir desculpas  (reportagem, por Ricardo Fotios)

 

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