Jerry Adriani não precisa pedir desculpas por "Forza Sempre" 


por Ricardo Fotios *


Sou da geração que viu, ouviu e participou da movimentação da chamada "geração rock dos 80" no Brasil. Como muitos, cantava numa banda à época do estrondoso sucesso de Legião Urbana, Capital Inicial, Titãs, entre outros grupos. Todavia, confesso que minha admiração pela banda de Renato Russo se limitava à identificação com algumas letras do próprio compositor, sem dispensar muita atenção ao grupo musical. 

Com o passar do tempo, e passada a febre de idolatria ao pobre rock nacional do período, fui criando uma nova imagem de Renato, amparada não só por suas composições, mas por uma série de atitudes individuais do poeta que, ao meu ver, mudaram - para melhor -  alguns hábitos e até pensamentos dos então adolescentes, como quebra de preconceitos. Mas aí já estávamos na década atual. 

Dias antes de sua morte, tive uma conversa telefônica com Renato - que era para ser uma entrevista e não vingou por pedido do próprio - e, então, pude verificar que o cantor permanecia arredio ao estrelato, estava longe de uma postura popstar. Não queria lotar estádios, nem ser campeão de vendas. Queria mesmo era ser compreendido em suas idéias. Queria que as pessoas ouvissem sua música e compartilhassem suas opiniões sobre amor, sexo, política. Queria ser reconhecido como pensador. 

Há poucas semanas, durante um passeio em um shopping, passando em frente a uma loja de CDs, ouvi o que pensei ser Renato Russo cantando a música "Vento no Litoral" - minha preferida por razões pessoais - em italiano. Entrei na loja e verifiquei que se tratava de Jerry Adriani em seu mais novo trabalho, "Forza Sempre". 

Nunca tive gosto especial por músicas em italiano. No entanto, no exato período do tal passeio no shopping, estava excepcionalmente envolvido com músicas neste idioma, devido ao gosto pessoal de um novo amigo, fã da Legião Urbana e mais ainda de Renato Russo, que me chamara a atenção para a melodia da língua. Parei para escutar o CD de Jerry Adriani ali mesmo na loja. Era uma novidade, não havia sido divulgado ainda. Obviamente, comprei o CD para dar de presente ao meu amigo. 

Agora, lendo entrevistas de Jerry Adriani, verifico que o "não-acaso" dos fatos me trouxe algumas conclusões sobre "Forza Sempre": o disco é bem produzido; Jerry tem uma linda voz e realmente parecida com a de Renato Russo; o idioma italiano é muito melódico e, finalmente, este CD é de um oportunismo vil. Sobretudo quando pipocam homenagens mórbidas ao cantor/poeta no terceiro aniversário de sua morte. 

A MTV, por exemplo, tira da manga um acústico gravado em 1992. E lá vem CD com o rosto de Renato na capa. A revista Showbizz (edição 171), em editorial sobre o especial a TV de clipes, chama o compositor de "maior estrela de nossa música pop". Para quem acredita em acaso, aí estão bons argumentos para um exercício. 

Bem, voltando ao CD de Jerry Adrini. Justificar, se é que isso se faz necessário, o idioma escolhido citando "Equilíbrio Distante", o melhor trabalho fonográfico de Renato, que também era cantado em italiano, como Jerry tem feito, é no mínimo vulgar. Aquele disco vinha coberto de conceitos defendidos pelo poeta à época de seu lançamento. Era (mais) uma atitude introspectiva do artista, que procurava sua função no mundo artístico ou "minha turma", como me disse o próprio. 

E "Forza Sempre"? Este tem familiaridade com "Terra Nostra", a novela da Globo, que coincidentemente (!) tem músicas italianas em sua trilha sonora, inclusive uma cantada por Jerry Adriani, que não é de Renato Russo, mas está no novo CD. Instrospecção? 

Prefiro acreditar que "Forza Sempre" vem amparado por trabalhos de grande sucesso de vendas, como o disco "Per Amore", de Zizi Possi, por exemplo. Trabalho este que também tem seu lugar na novela épica das 8, que dispensa apresentações. "Forza Sempre" que, repito, é um bom disco, seria melhor degustado se Jerry Adriani não tentasse explicá-lo. Os motivos para o seu lançamento todos conhecem. Prefiro ouvir o CD sem levar em conta as "desculpas" do seu intérprete. 

 

*O jornalista Ricardo Fotios é editor da estação Personalidades do UOL 
fotios@uol.com.br

 

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