ENTRE A ARTE E A HISTÓRIA


Desde o princípio dos tempos construir foi sempre considerado um ritual sagrado. Na mitologia sumérica o mesmo Enki, deus das águas profundas, desenhou o zigurate de Eridu. Para os Judeus foi Jeová em pessoa que ditou as instruções para construir o Templo de Salomão cuja função, além de abrigar a Arca da Aliança, era de representar a perfeição do cosmo. E no Templo de Salomão se inspiraram as Catedrais góticas, maravilhosos templos medievais, erguidas em boa parte da Europa ocidental a partir do ano 1128, justamente quando os Templários voltaram para a França. Foi assim que, de repente, a arte românica cessou de ser o módulo expressivo da religiosidade na Idade Média, embora continuasse a ser utilizada na Europa meridional.



Historicamente a Catedral gótica afirmou-se no momento em que surgiram as primeiras monarquias nacionais apoiadas por uma burguesia rica e bem sucedida. De grande importância foram a influência e o poder das Ordens monásticas dos Cisterciences e dos Templários que contribuíram para a difusão de um ideal religioso de elevação espiritual. Nessa perspectiva a beleza e a perfeição das obras de arte, em particular das Catedrais, constituíram um possante estímulo para catalisar, nos fieis, um processo de auto-aperfeiçoamento na constante busca do Absoluto.



Do ponto de vista prático e funcional, as Catedrais não foram apenas "simples" igrejas. De fato, na Idade Média, o relacionamento entre o cidadão e a igreja era bem mais intenso, abrangente e continuativo que não nos tempos modernos. Foi assim que as Catedrais funcionaram como lugares públicos para realizar encontros, debater assuntos de trabalho, fechar negócios, reunir assembléias, estipular contratos, etc. Freqüentemente nas Catedrais eram representadas peças sagradas e profanas; em certas ocorrências elas abrigaram até exposições de cavalos. Em todo caso, porém, é correto afirmar que as Catedrais foram o mais poderoso e eficaz agente didascálico e educativo da época. Como verdadeiras enciclopédias de pedra e de vidro, elas supriram o analfabetismo de massa oferecendo aos fieis o compêndio dos conhecimentos científicos, mitológicos, filosóficos e teológicos da Idade Média em forma de imagens gravadas na pedra e no vidro.



Do ponto de vista arquitetônico a característica mais marcante das Catedrais era o aligeiramento extremo, até os limites da estabilidade, das estruturas murais mediante o utilizo do arco ogival e de paredes de vidro. Outra inovação importante foi o sistema de arcos rampantes em substituição dos pesados contrafortes usados nas catedrais românicas. Consequentemente os construtores puderam aumentar a altura dos templos, voltando assim a privilegiar a dimensão vertical como já ocorrera nas construções megalíticas, nas pirâmides do Egito e nos monolitos dos Celtas.

A planta das Catedrais tinha sempre a forma de uma cruz que, simbolicamente, representava o ser humano. A abside correspondia à cabeça, o transepto aos braços; as naves eram o corpo e os artos inferiores; o altar, enfim, era o coração. Por outro lado o transepto correspondia aos equinócios e aos solstícios, enquanto o eixo vertical correspondia aos polos em relação ao plano do equador.



A ciência moderna ainda não possui uma explicação exaustiva de como os arquitetos medievais conseguiram projetar e realizar as Catedrais, levando em conta que naqueles tempos nada se sabia sobre a engenharia, o cálculo estrutural, a resistência dos materiais, a estática, a mecânica, a resistência ao vento e aos terremotos, etc. Mesmo assim, as soluções técnicas adotadas mais de 800 anos atrás por construtores que possuíam equipamentos pouco mais que rudimentares suscita ainda hoje sentimentos de maravilha e admiração.



Sem dúvida as Catedrais foram erguidas por equipes de profissionais altamente especializados, autênticos artistas (geralmente analfabetos) que trabalhavam até 12 horas por dia sob a orientação de um Mestre. Esses artesãos tinham um estilo de vida comunitário, tomavam juntos suas refeições e descansavam em barracas de madeira chamadas de loges. Subordinados a uma sólida hierarquia interna, obedeciam a princípios de cooperação e de assistência recíproca sendo, também, vinculados à obrigação de nunca divulgar os segredos da Arte. Como o tipo de pedra utilizada nas Catedrais era dita, na França, pierre franc , os que a trabalhavam foram chamados de franc-maçons.

Não tendo divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal, o Mestre alcançava o topo da hierarquia progressivamente, através da experiência acumulada durante anos e anos de trabalho teórico e prático. Nas esculturas e nos vitrais a figura do Mestre aparece com um compasso na mão sendo o valor simbólico desse pequeno instrumento reforçado por ter a forma de uma A, símbolo do princípio de todas as coisas.