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XUITO - MEMÓRIAS DE UM LICANTROPO JUVENIL

CAPÍTULO I:
"Terra pobre chei di amor, tem batuco tem funaná"


Meus amigos falam que eu sou muito saudosista. Não vou negar: sou mesmo. Me prendo tanto ao passado que não aproveito o presente e quando eu vejo ele já foi... também já virou passado e motivo da minha adoração.

Não me lembro tão bem da minha infância, ao ponto de acreditar que ela foi mesmo perfeita, mas defendo a teoria de que a infância é o único período em que a gente é realmente feliz, longe dos conflitos da adolescência e longe das responsabilidades da vida adulta. Se crescer não foi fácil, imagino como vai ser duro envelhecer.

Eu tenho que confessar que não fui uma criança comum, que aprontava e se divertia com brincadeiras comuns de criança. Eu tinha uma mania de me achar um superdotado, que tinha a obrigação de ser responsável e estudar pra caramba; gostava de brincar com química e cuidar de plantas; e meu sonho era ser um cientista quando crescesse. Eu era mesmo um nerd, mas não um nerd chato. As pessoas gostavam de mim: os outros nerds; os encrenqueiros valentões (pra quem eu dava aulas de matemática); e todas as meninas. E olha que é difícil meninas gostarem de meninos quando são pequenas!

Tenho impressão que toda essa minha responsabilidade quando criança me fez perder boas coisas da infância. Eu já pensava como um adolescente quando eu tinha dez anos de idade!

Qual a sua primeira lembrança de estar apaixonado?

Essa pra mim é fácil: eu me lembro do meu primeiro dia no parquinho. Minha mãe me deixou com uma das professoras, que me segurou firme pra que eu não fugisse e voltasse correndo pra casa (eu nem sabia o caminho). Eu não queria ficar lá com aquela mulher feia que me segurava. Estava pensando que minha mãe estava me abandonando e então eu abri o berreiro. Só fui me acalmar quando a professora feia me levou pra brincar no playground, onde eu vi uma menininha que também estava chorando. Não sei o que eu senti (sempre me apaixono por meninas que eu vejo chorando). Acho que eu quis fazer ela ficar feliz de novo, e pra isso eu não poderia ficar chorando. Melhorei, a menina também, mas depois desse dia não a vi nunca mais.

Quando nós somos pequenos essas paixõezinhas bobas não fazem muita diferença. Quando vamos ficando mais velhos é que o bicho começa pegar. Adolescente, espécie complicada por natureza, tem uma grande capacidade de se apaixonar. Ele se apaixona todo dia e todo dia se decepciona.

Segundo o budismo toda dor vem do desejo. O amor é o meu maior desejo. Consequentemente o amor me causa dor. A alegria da minha infância acabou quando eu comecei a me apaixonar, com onze anos de idade. A tristeza veio mais tarde, mas eu ainda vou chegar lá. Esse livro só está começando.

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E-mail: xuito@xuito.cjb.net