NAMO BUDDHAYA - NAMO DHARMAYA - NAMO SANGHAYA !

REFLEXÕES PESSOAIS

Reflexões I Reflexões III
Reflexões II Reflexões IV

REFLEXÕES - I

Interessado como sou pelo Budismo e suas manifestações escolásticas e culturais há uns quinze anos, as pessoas ao saberem deste meu interesse vem a mim e tecem comentários à respeito do Budismo, muitas vezes sem o menor conhecimento de causa. Digo isto porque muitos destes comentários me fizeram refletir porque gosto do Budismo e o que me atrai para ele, e com sinceridade pesei e analisei fatos. 

Nascido, como a maior parte dos brasileiros, em berço de religiosidade cristã, certamente que conheço as propostas cristãs. Mas elas nunca me satisfizeram nem psicológica, nem metafisicamente. Até bem uns 18 anos, não participava de nenhum tipo de atividade religiosa. Achava missas e padres enfadonhos, os "crentes" muito desesperados, e o medo do Inferno muito brutal e angustiante. Não entendia como um Deus misericordioso, que dizem ser pai de todos, deixaria seus filhos queimando eternamente na brasa...
Acho que é uma visão muito dramática até mesmo para um pai mortal. Como fui ensinado, Deus era o Criador de todas as coisas sem exceção, e para mim isto incluía a criação do mítico demônio e do sofrimento real pelo qual a gente passa. Assim, não entendia como uma Perfeição poderia cria coisas imperfeitas. Indo além, não entendia como Deus poderia fazer nascer pessoas em berços esplêndidos, com todas as facilidades, e muitas outras em condições muito precárias, sem qualquer critério, a não ser seu incompreensível capricho. Por coisas como estas, e muitas mais, eu me afastei da religiosidade tradicional. 

Estas coisas são ditas porque a gente não faz a idéia - mesmo entre as pessoas "mais esclarecidas" - do quanto o condicionamento religioso de nosso país finca raízes em nossas mentes subconscientes. 
Assim, mesmo que sejamos "rebeldes" religiosos, não temos idéia do fardo religioso que carregamos em nossas cabeças. Naturalmente o Budismo, após estudo de Teosofia, Bíblia, Taoísmo, história antiga das religiões, e de sociedades esotéricas, revelou-se - para mim - o mais coerente, prático, e "pé-no-chão" entre suas congêneres mundiais, além de ser uma tradição ainda viva. 
Assim, Budismo veio de encontro com os meus sentimentos e compreensão de mundo, de forma que identifiquei-me. Budismo só fez alargar minhas idéias e aprofundar minha compreensão. É por isto que se diz que ninguém se converte ao Budismo, mas descobre-se budista. 

Talvez seja devido ao condicionamento religioso, além das nossas limitações particulares, que alguns ocidentais encontrem dificuldades no Budismo. Por exemplo, tem gente que não sabe até hoje se o budista é ateu, politeísta ou monoteísta. 
Isto acontece porque o Buddha não deu ênfase à questão, se o Absoluto é quadrado, amarelo, com duas ou três cabeças, se criou o mundo ou não, se Seu Nome é Shiva, Brahma, Jeovah ou Allah, porque isto não ajuda a resolver nosso sofrimento e nossa ignorância. 
Por mais que exista Deus, nós estamos sofrendo. E se o Deus das teologias existe, podemos raciocinar teologicamente da seguinte maneira: Ele criou também o sofrimento, então para que pedir para Ele pôr fim às nossas dores? Se Ele é Onipotente, já poderia ter feito isto há muito tempo!!! Resta-nos fazer alguma coisa à respeito, que é agir. Para aquele que cresceu escutando que "Deus fez isto, Deus fez aquilo", inconscientemente choca uma mensagem muito mais voltada para seu próprio esforço do que para a dependência de um poder externo... 
Obviamente que Budismo não é ateísta, só que ele se insere numa corrente filosófica muito antiga com relação a este assunto, com a seguinte ressalva - eqüidistante de visões extremas. Nem teísta, nem ateísta, muito menos panteísta. O budista não pode crer num Deus com forma, e que ao mesmo tempo seja o Absoluto, pois forma implica em limite, no tempo e no espaço. 
Não acreditamos num Varão gigante, como descrito em escrituras diversas, sejam hinduístas, xintoístas, cristãs, judaicas e muçulmanas, tristes e ímpias cópias do homem - e do que ele tem de pior: seu ódio, suas preferências, seus pactos, alianças e guerras, etc. O budista falaria de uma Origem de todas as coisas, de onde surgiria a Energia Primordial e todo o Universo. Mas como isto pertence ao campo especulativo, fariam melhor em saber mais deste assunto a partir das escolas Mahayana / Vajrayana, especialmente do esoterismo das escolas tibetanas, como pode-se ver nas Stanzas de Dzyan

Outro impedimento comum entre neo-budistas é uma certa aversão a seus rituais. Pessoas até culta s comentam que, se Buddha classificou ritos e rituais como impedimentos à libertação, faríamos bem em eliminá-los. E poderiam também completar: fazer sumir o Budismo da face da Terra. Pois é justamente os ritos e rituais que resguardam o Budismo para o futuro. Não é o rito que é impedimento, mas o apego a eles. Um dos comentários que mais escuto é: "qual é a diferença do Budismo para as outras religiões, se também tem templos, ordens monásticas, monges e monjas, imagens, devoções e rituais?". 
É bem simples: o Budismo tem monges e monjas, não como sacerdotes ou intermediários entre você e o Divino, mas como mestres, guias e amigos espirituais. Templos e mosteiros são onde aqueles mais dedicados viveriam em comunidade para se aprimorar ao máximo no caminho para a liberação, praticando meditação, estudando, e polindo-se espiritualmente no convívio da Sangha monástica. 

Os ritos e rituais budistas são herdeiros diretos da tradição oral antiga. Antigamente na Índia - e talvez fosse assim também no mundo inteiro - as coisas religiosas eram passadas de mestre a discípulo, quase como numa aula particular, de boca a ouvido (daí às vezes falar-se em veículo dos ouvintes - "Shravakayana" - com relação aos primeiros budistas). Não haviam escrituras em papel. Para memorizar qualquer coisa, os discípulos tinham de repetir diversas vezes em voz alta aquilo que aprendiam. Isto funcionava muito bem, pois não havia ainda televisão para distrair-lhes... Até hoje existem monges que sabem de cor muitos discursos do Buddha (sutras) por causa do aprendizado de memorização que tiveram. Uma ferramenta muito importante na memorização, é que as coisas eram cantadas, metrificadas, ritmadas. Os sutras são cantados em "Pujas" (ato devocional ou "oferenda"). Muitos discursos do Buddha em páli são versificados e rimados. E isto não era porque Buddha fosse poeta, mas porque Ele sabia que Sua mensagem entraria muito melhor na cabeça das pessoas se houvesse um certo ritmo, uma certa musicalidade. Quantas e quantas letras de música nós não sabemos de cor, não é verdade? 

Poderia-se argumentar que hoje existem computadores, papel, videocassetes, mídia eletrônica, e que poderiam substituir bem escrituras em papel ou aprendizados longos de memorização. É louvável que o Budismo esteja sendo transferido hoje para os computadores, e até CD-ROM’s, mas nunca substituirão o valor salutar que tem um treinamento em memorização. Nós estamos tirando as informações de nossas cabeças e transferindo-as para discos e disquetes, mas enquanto elas estão em nossas mentes estão vivas e dinâmicas, por estarem ligadas às emoções. 
Além do mais, é muito mais tocante você ouvir monges cantando sutras em páli ao vivo, do que ouvir uma fita ou ver isto num CD-ROM. A qualidade emocional é outra. E mais: assistir a vídeos e ouvir fitas não garantirão nem um décimo da memorização que um mongezinho jovem adquire em poucos anos de treinamento monástico. E esta capacidade de memorizar coisas é algo que vai ajudá-lo a vida inteira. 

Entretanto, voltando à discussão dos rituais no Budismo, eles tem um papel definitivo na preservação dos Ensinamentos porque são memórias vivas, e não arquivos de memórias, ou racionalizações. Se o Budismo algum dia estiver todo catalogado e arquivado eletronicamente ou só em livros, e não mais houver ninguém que saiba conduzir um Puja, então estará extinto, tal qual milhares de filósofos que se encontram hoje somente nas prateleiras de bibliotecas empoeiradas. O ritual budista não é vazio. Primeiramente sutras inteiros ou partes deles são cantados, para você interiorizar a sua mensagem. Depois temos posturas, gestos, procedimentos, imagens e altares, que tem também todo um significado de treinamento espiritual. Para aquele que chega da igreja católica, por exemplo, fugindo justamente de ritos e rituais e imagens de santos, bate forte encontrar coisas parecidas no Budismo. Mas somente parecidas. Aparentemente parecidas. Não estou querendo justificar o Budismo em detrimento das outras, até porque este choque aconteceu comigo também. Até o dia em que entendi que os sutras são ali cantados como ferramenta para memorizar, a cada repetição, a mensagem do Abençoado; que o monge é somente seu exemplo de modelo espiritual e seu amigo; que as imagens são somente lembretes de que um homem atingiu a perfeição, e que o caminho também é aberto e possível para nós.; que velas, incensos, flores e oferendas são lembretes, respectivamente, da luz da Sabedoria, da transformação espiritual, da impermanência e da generosidade. O altar do Buddha, rodeado com estas coisas, não só compõem um belíssimo ambiente estético, agradável, como também serve de foco da meditação sobre estes valores acima mencionados. Ninguém está ali acendendo vela e incenso para pedir favores ao Buddha. Ninguém está num Puja negociando com o Buddha um emprego, etc. Pelo menos não um budista sincero, que siga as orientações budistas. Esta é a diferença básica da religiosidade popular budista com relação às outras. 
É uma diferença muito sutil, e não aparente. A finalidade de ritos e rituais no caminho budista é bem outra do que aquela que normalmente vemos por aí. Ademais, que outra religião alertaria para o fato do perigo de nos apegarmos a rituais?

Assim, através do Puja budista aprendi uma outra coisa, que muitas pessoas também acham difícil de se ter ou fazer, que é a devoção pura. Não há nada de errado com a devoção. Acontece que os novos-budistas, vindos de tradições cristãs, às vezes implicam com esta qualidade natural do coração que é a devoção a um Ser Perfeito, e querem tirar de suas práticas pessoais os Pujas e Refúgios no Buddha, no Dharma e na Sangha ideal, porque eles conheceram e aprenderam uma devoção interesseira, que sempre pedia, e pedia sempre mais. Adoro o Buddha simplesmente por Ele ser o que Ele é - um Iluminado -, e do que representa de combinação perfeita de Compaixão e Sabedoria. 
Adoro-O pelo que fez pela humanidade, pela abnegação completa de Sua vida. Ao pensar nestas Suas qualidades, meu coração se preenche, e isto é muito salutar. Não tem nada a ver com a devoção mercantilista. A meditação nas qualidades do Buddha, do Dharma e da Sangha ideal é um preparatório para a meditação propriamente dita. Reconheço que inicialmente a devoção pura ao Buddha, ao Dharma e à Sangha ideal sejam muito difíceis, pelas razões de nosso condicionamento cultural-religioso e pela confusão ainda reinante quando do encontro de uma nova mensagem. Mas com o tempo chegamos ao aquietamento do coração e das disputas internas, e nada mais doce do que a mercê do Buddha

A mensagem budista é aquela que diz para você procurar com diligência a sua melhora espiritual, ajudando os outros no processo. 
Isto representa o "abrir da janela", para que "o sol possa entrar em seu "quarto". Se você não faz o esforço de abrir a sua janela, como espera receber bênçãos do além? Se você passa a vida rezando e rezando, e não move uma palha sequer em direção do autoconhecimento e da melhora de si e dos outros, como espera ser beneplácito da Compaixão de Buddhas e bodhisattvas? É por isto que algumas pessoas conseguem coisas, que chamamos de "milagres", e outras não, pois há a limitação natural do Karma pessoal. E se não fizermos a nossa parte, estagnaremos com as nossas imperfeições... Porém existe realmente este lado de ajuda e socorro dos Buddhas e bodhisattvas , que é pouco divulgado no Budismo ocidental, porque ocidentais pretendem se guiar pela razão acima de todas as coisas, e não querem saber de "mística". Mas neste ponto, Budismo bate com a religiosidade de nosso país, que fala de uma falange de santos e espíritos que estão aí tentando nos ajudar. Como disse, o único fator limitante é nosso próprio Karma. Não devemos fazer uma religião em cima da ajuda que estes seres prestam à humanidade, mas deveríamos ter sempre a primeira iniciativa. Só que há momentos em que devemos estar abertos às influências deles, e nos rendermos, e saber pedir ajuda. É o que os tibetanos chamam de "receber as vagas de dons" dos seres Iluminados e das divindades. É diferente de passar a vida pedindo e acreditando que meia dúzia de hinos cantados durante a vida garantirão a nossa entrada com os pés de lama no Paraíso celeste. O Budismo não incentiva a barganha. Você age no sentido do bem, transforma seu interior e seu derredor, e todo o resto se ajusta. Isto o Buddha já dizia que: "Exercite-se no bem e não te faltará a proteção dos Tathágathas (Buddhas)". Coisa parecida ouvimos na linguagem peculiar da Bíblia, que diz para primeiro procurarmos as "coisas de Deus, que todo o resto se seguirá". Esse "procurar" não significa acreditar na existência de Deus, mas trabalhar o seu próprio interior, erradicando as sementes de ignorância, da raiva e do ódio, do apego e da aversão, da impaciência e da intolerância, etc, etc. Isto se consegue através de uma prática de vida em "meditação". Isto é Budismo. 

Sem o intuito de agitar ânimos, desejaria comentar a existência de um movimento leigo budista, de cunho japonês, chamado Sokka Gakkai Internacional, muito difundido aqui no Brasil, no qual os adeptos recitam o Sutra de Lótus fervorosamente, tendo em mente alcançar algum benefício (material). Em suas reuniões, que se realizam em casas de adeptos, dão depoimentos do que conseguiram. Não duvido do que conseguem. Só acho que este espírito não é bem budista. Como participei de poucas reuniões deles, não posso afirmar categoricamente, mas a impressão que deixam é esta: parecem os evangélicos do Budismo. Se a Divindade, ou Lei Mística do Universo - como quiserem chamar - é Onisciente e Onipresente como dizem, será que precisa que digamos a Ela o que queremos e o que deverá fazer por nós? 


REFLEXÕES - II

Este assunto tem mais a ver com quem se preocupa com o movimento budista e que formas e rumos ele está tomando no Ocidente. Recentemente a revista Time de 13/10/97 publicou uma matéria grande à respeito da "onda" sensacionalista em torno do Budismo, que filmes e celebridades estão promovendo. Entre tendências múltiplas, encontramos gente muito séria e outras nem tanto. Isto, para mim – ao mesmo tempo que reflete a maneira americana de tratar e sentir o mundo, transformando tudo em um "show" hollywoodiano – reflete também sinais promissores de transmissão do Dharma para o Ocidente. É assim mesmo. O início é sempre caótico. 

O Budismo levou 300 anos para fincar pé na China, e sua transmissão para o Brasil, por exemplo, vai levar tempo parecido para fincar suas raízes. 
A história do Budismo no Brasil começa após a II Guerra, com a chegada oficial de escolas budistas japonesas. Antes já havia "meia dúzia" de adeptos em nossas terras, mas estavam muito circunscritos aos círculos de emigrantes japoneses. Na China, o Budismo passou séculos como assunto acadêmico, só nos círculos dos mais cultos e mais educados. Vejo isto por aqui também. Um irmão nosso, que está mais preocupado com a sobrevivência, ou que não tem acesso às informações mais filosóficas, dificilmente encontrará e se interessará pela mensagem budista. 
Generalizando, a maioria das pessoas interessadas em Budismo aqui no Brasil são pessoas de nível cultural mais elevado do que a média. Isto ocorre não porque o movimento budista seja elitista, ou seja só para pessoas bem dotadas filosoficamente, mas sim porque pessoas de nível cultural melhor tem acesso mais fácil às informações e mais ferramentas intelectuais para assimilar a mensagem budista. Como se diz no jargão, são pessoas mais "afluentes". Essa afluência as põe em contato constante com diversas culturas, tendências e informações, que aquele irmão mais simples não tem acesso. 

Porém, como ocorreu na China, quando o nível de estudos dos Sutras já estava muito avançado e cristalizado, começaram a aparecer personalidades que desejavam traduzir a mensagem intelectualizada para o nível da compreensão popular. O Budismo "vazou" para fora dos círculos fechados. Só o fato de existir chineses interessados em Budismo a nível mais aberto e popular atraiu mais e mais mestres estrangeiros, notadamente da Índia, e entre eles o famoso Bodhidharma. Bodhidharma é dito ser patriarca do Zen, uma das escolas mais estóicas do Budismo, mas foi ele precisamente quem contribuiu mais para a popularização do Budismo na China. Acho que o mesmo paralelo acontecerá por aqui. 
Quanto mais pessoas houver estudando e se interessando por Budismo aqui no Ocidente, mais e mais mestres estrangeiros virão trazendo o Dharma, segundo seus pontos de vista escolásticos. Aos poucos um movimento budista genuinamente brasileiro surgirá, a partir de pessoas devotadas e sinceras que desejam traduzir a espiritualidade budista dos termos técnicos para a vivência cotidiana do povo comum. Mas estas pessoas só vão surgir quando já houver uma base filosófica já bem assimilada em nossas terras, e no Ocidente. 

Vejam bem, Budismo não é mero estudo, nem simples filosofia. Mas sem uma base filosófica bem assimilada, nenhum movimento perdura. E Budismo tem esse aspecto filosófico profundo, que precisa ser estudado, analisado e assimilado pela experiência. Aliás, um sonho particular meu se realizaria quando houvesse em nossas terras uma Universidade Multidisciplinar Budista, onde todas as escolas teriam seus espaços para ensinar suas visões particulares e seus métodos de prática e meditação, em ambiente harmônico, tolerante e multicolorido. Algo como existiu na Índia em Nalanda e em Vikramashila, destruídas pelos invasores muçulmanos. Esse lugar teria condições também de formar monges, instrutores de meditação, inclusive com espaço para retiros de 10 dias, 20 dias, 3 anos 3 meses e 3 dias, retiros de silêncio, etc. Registro aqui meu desejo e sugestão para as escolas budistas existentes no Brasil; que ganhariam mais em união de esforços do que sozinhas, refutando-se umas às outras. 

O movimento budista começou com o Buddha dando ênfase ao ensino popular, para o entendimento leigo e para a vida diária. Filigranas filosóficas Ele só falava para aqueles que poderiam acompanhá-Lo na mesma viagem, e quando servisse para ajudar, ao invés de falar por pura especulação. 
Assim, temos de reeditar esta tendência Compassiva do Buddha, para democratizar Seus Ensinamentos. Religião é um processo vivo e dinâmico. Nada mais natural que tenham surgido movimentos budistas leigos diversos após a II Guerra Mundial, e ainda surjam outros mais. Se não há renovação de tendências, a religião é morta. A forma deve evoluir, enquanto se permanece fiel à base filosófica central do Budismo. E o que é essa base filosófica central do Budismo, sintetizada por uma visão Ética (Shila), de polimento e treinamento mental (Samadhi) e de Sabedoria (Pañña)? Hoje ela está muito mais clara, depois dos esforços de orientalistas (a partir do século passado) e de movimentos de união como a World Fellowship of Buddhists e a Asian Buddhist Conference For Peace. Mas não é um trabalho que está acabado; ainda há muito a ser feito nesta direção. 

Na minha visão particular, uma idéia melhor dos Ensinamentos do Buddha e do Dharma se depreende do conhecimento do que todas as escolas dizem à respeito Dele e de Seus Ensinamentos. 
Não estou dizendo que para ser budista as pessoas tenham que saber tudo sobre escolas budistas ou devam conhecer todos os sutras. Mas - há que se dizer - as escolas refletem uma ou outra tendência particular da personalidade múltipla e magnífica do Buddha, e dos múltiplos aspectos dos Seus Ensinamentos. Uma determinada escola é apenas um aspecto do Budismo. Temos Budismo filosófico, e Budismo de massa. Temos Budismo meditativo, e Budismo devocional. Temos Budismo especulativo, e Budismo que mexe com aspectos "sobrenaturais". 
Tudo isto pode ser traçado de volta aos acontecimentos da vida e ensino do Sublime. Eu hoje vejo o Buddha tanto como humano como divino. E Seus Ensinamentos, um dos mais completos, porque não deixa ninguém perdido, sem respostas. O que desnorteia é justamente a visão unilateral que as escolas tradicionais trazem para os novos budistas ocidentais, e não o Ensino de Buddha em si. Para quem não consegue enxergar por debaixo das roupagens culturais, as várias formas de Budismo confundem. Para quem não sabe separar o que é cultural do que é budista, fica difícil separar o joio do trigo. Mas para quem já leu muito e conhece bem as propostas de cada escola, descortina-se uma visão melhor de quem foi o Buddha e o que é o Dharma, não pelo mero somatório de informações, porém muito mais por um conhecimento interior que vem com a prática meditativa, calcada nas informações escolásticas. Uma visão global do Buddha

Até que estejamos prontos para começar a nossa própria viagem brasileira de Budismo, ainda dependeremos muito das escolas tradicionais orientais. Não diminuímos aqui a importância de cada escola tradicional do Budismo, mesmo porque cada uma delas é capaz de dar a seus adeptos maneiras significativas de viver e de encarar a vida e o sofrimento. Elas também cumprem seu papel de mantenedoras do Dharma. E a realidade é que ainda dependeremos por muito tempo da transmissão do Budismo por escolas tradicionais. 
Conheci pessoas, monges e monjas maravilhosos no Budismo, onde fiz amizades duradouras. Mas temos de ser também realistas e ver que a transmissão de Budismo pelas escolas tradicionais cria barreiras, que são intransponíveis para muitos. Além disso, não são todos, mas existe uma minoria de reverendos e monges budistas que, aberta ou secretamente, consideram a nós ocidentais - e mais especificamente aos brasileiros - como "bárbaros", "incultos", "incapazes de entender e praticar o Budismo". Assim, eles se assoberbam de uma posição pretensiosamente superior, e dizem que "brasileiros" só devem aprender um mínimo, como cantar Pujas e fazer oferendas no templo, porque o resto está além do nosso alcance! Isto para mim é a epítome da soberba. O brasileiro é um povo no mínimo criativo; só não sabe se organizar e não tem o mesmo acesso às ferramentas materiais e intelectuais que os povos "desenvolvidos" tem. Por outro lado, além de termos de lutar com algum instrutor oriental pretensioso, existe a barreira da língua. Aquele que vai três vezes a um templo tradicional e só escuta Pujas e palestras em línguas orientais, não acrescenta nada de valioso à sua busca espiritual. Se cansa e acaba não voltando mais. 
Ainda bem que esforços estão sendo feitos para realização de Pujas bilíngües, mas isto é ainda insuficiente. 

Rigidez e tradicionalismo são barreiras muito fortes. Só mesmo pessoas muito determinadas e pacientes podem cortar através destas dificuldades – que são criações humanas e não do Dharma - e compreender a mensagem de Buddha. Só mesmo muito amor ao Budismo para trabalharmos com a personalidade intransigente de um monge ou de um diretor brasileiro de Centro de Dharma, que acaba imitando o oriental. Em geral, é mais fácil debandar do que permanecer e contribuir para a mudança de uma situação desagradável. 
É da natureza humana querer se livrar do que não nos agrada. Mas o fato é que estes representantes de Dharma que vem do Oriente, sem nenhuma preparação para ser um verdadeiro missionário, carismático (como já vi uns poucos), querem importar suas respectivas culturas e impô-la sobre nós. Resultado: nenhuma conexão se estabelece, pois para que uma religião tome conta de nosso ser ela deve estabelecer paralelos com a nossa própria sensibilidade e sentimentos. Sem isto, nada vai para frente. Sem isto, não se cria entusiasmo. E sem entusiasmo, não aparece o desejo de querer compartilhar a descoberta, a Boa Nova! Este grupo de monges e reverendos devem acordar - e logo - para o fato de que estão matando o Budismo, trazendo uma fórmula pronta, e querendo impô-la sobre outros que não possuem as mesmas tradições milenares. Deveriam, primeiro, saber a língua do país onde vão ensinar, e depois ensinar como fez o Buddha, com o Coração, com Compaixão. Não sei, talvez este processo de administração da transmissão inicial do Dharma por escolas tradicionais seja assim mesmo, cheio de problemas de ordem humana. Mas antevejo, - e sou muito esperançoso -, que deste caos de escolas tradicionais já estabelecidas surjam personalidades capazes de assimilá-las, e repassá-las com uma roupagem que tenha conexão com a nossa sensibilidade. Dizem que uns pingos prenunciam a chuva, e sei que hoje existem pioneiros entre brasileiros, que estão abrindo caminho para viver e implantar o Dharma aqui. Muitos e muitos se ordenaram em escolas tradicionais, indo para o Oriente e praticando por lá por uns anos, e estão tentando traduzir aquela espiritualidade para a nossa realidade. Não darei nomes, mas eles e elas são diversos. Brasileiros que se ordenaram no Zen, no Shinshu, no Jodo, no Shingon, nas diversas ramificações tibetanas, e especialmente torcemos para que aquele senhor que está treinando hoje em Sri Lanka retorne para o Templo de Santa Teresa no Rio, e revolucione aquele lugar. 
Estas pessoas são como os pingos que prenunciam a chuva doce do Dharma que está por vir. Ficamos felizes e gratos de estarmos todos participando e compartilhando deste grande processo. Com Amor


REFLEXÕES - III

Vi na tv outro dia um rapaz jovem, bonito, bem vestido, dando um depoimento das bênçãos que ele dizia ter recebido após sua conversão à Igreja Universal. Não duvidei que ele tenha obtido sucesso, dinheiro, carro, e novo casamento; só achei que o discurso dele tinha, no mínimo, três pontos falhos: 

O primeiro ponto é o materialismo implícito nestas práticas e doutrinas. Sob uma roupagem "espiritual" escondem-se práticas que somente desenvolvem a ferocidade dos desejos e do egoísmo. Exploram o lado desesperador das necessidades básicas das pessoas. Além do mais, os adeptos aprendem a pedir e barganhar com o divino. Materialismo espiritual. Este tipo de religião não esclarece a ninguém, e não constitui realmente nenhuma "religare" ao divino. Os adeptos do materialismo espiritual medem a veracidade de sua religião pelo que se conseguiu materialmente. 

O segundo ponto é que, se Deus tem a metade da força que as religiões monoteístas e profetas dizem que Ele tem; se Deus tem o todo aquele poder de dotar aquela criatura convertida com um kit de bênçãos tão espetacular, este Deus é omisso e criminoso. Lembro-me de uma entrevista de um judeu, fugido dos horrores da II Guerra, em que ele declarou precisamente isto: a sua indignação por Deus haver abandonado o povo judeu – teoricamente o mais crente e temente a seu Deus – a ponto de causar-lhes uma diáspora pelo mundo e serem deixados a sofrerem terrivelmente. Isto fez com que este homem rejeitasse sua religião natal por muitos anos. 

Se Deus é capaz de dotar só uma criatura com tantas bênçãos, porque não faz o mesmo com os mendigos nas ruas??? O que falar dos milhões de sofredores e famintos? Porque eles não tem as mesmas realizações que aquele "crente"? Será que o mendigo na rua é menos merecedor? Será preciso que se bajule esse Deus para obtermos coisas? Esse Deus o budista não crê. 
Os adeptos do Materialismo espiritual não vêem que a fé é somente um instrumento que dinamiza forças internas que todos temos. Pode ser que seja mais fácil acreditar que foi Deus ou fulano de tal que nos ajudou, pois não temos confiança em nós mesmos, em nossa natureza búdica. Somos buddhas e deuses em potencial. Entretanto, acreditar que foi o Todo Poderoso que nos cumulou de graças, apesar de confortante e paternalista, é uma doutrina altamente injusta e não-compassiva. 

O terceiro ponto é que cada grupo religioso tem uma egrégora ou energia própria, que sempre procura ajudar a seus adeptos. Por outro lado, temos o Karma de cada um, individual e de grupo, que são fatores por si só limitantes ou não. Na rede de inter-relações, que é a vida, o jogo de forças espirituais é uma dinâmica viva, e Karma está lá, favorecendo ou não estas forças externas a nós. Depende. Fato é que encontramos pessoas relatando curas e bênçãos em todos os caminhos e tendências religiosas, sejam elas indígenas, de cultos afro-brasileiros, espíritas, esotéricos e orientais. 
Não é por aqui que se mede a veracidade de uma religião. 
Concluímos então que o distinto "convertido" se vangloria de uma coisa que não é exclusividade de sua religião particular... 


REFLEXÕES - IV

A degradação de nosso planeta Terra é um fato, parece que sem reversão. É o que eu constato hoje. E fico pensando que mundo as crianças e gerações futuras herdarão. O mundo já tem muita gente. E muita gente inescrupulosa. 
Usamos dos recursos naturais da pior forma possível. O homem derruba a árvore, que segurava o solo e a umidade. A chuva vem e leva o solo embora, enche o fundo dos rios de terra, que transbordam e levam a destruição por onde passam. A água deixa de ser potável, doenças se espalham, novos vírus adormecidos nas florestas são reativados. Agora sem árvores, o sol esturrica o solo, e a água não é mais retida. Secam-se as fontes e olhos d’água. Sem falar da flora e da fauna variadas que habitavam aquela árvore derrubada. 

Até a época das grandes navegações e colonizações européias, os países asiáticos, ainda na sua maioria budistas, eram paraísos de natureza exuberante, pois aqueles povos eram mais imbuídos do sentido de reverência à todas as formas de vida, como o Buddha ensinara. O Buddha foi o primeiro ecologista histórico. A degradação ambiental começou mesmo com a colonização européia, que trouxe não só a ganância pelo consumo das riquezas naturais (a Europa já estava exaurida), bem como a doutrina de que o homem é senhor da criação e criatura superior. Mas até hoje os países budistas são mais preservados que os ocidentais. O Sr. Kaled, que viveu como monge no Sri Lanka e na Tailândia, conta-nos como ainda se via muita vida selvagem nestes países. Precisamos reavivar esta reverência pela vida. É a única maneira de garantir nossa sobrevivência e a dos nossos filhos. 

Esforços isolados diversos vem sendo feitos, especialmente depois da década de 60, depois do "flower-power" dos hippies , e da crescente consciência ecológica. Mas cada um contribuiria no seu dia-a-dia, por exemplo, se não desperdiçasse água. Se, ao invés de consumir 10 latas de leite condensado ou 30 cervejas, consumisse aquilo satisfizesse a barriga e não o olho. Se, ao passar sabão nos pratos ou no corpo, a torneira fosse fechada. O Buddha ensinou a passarmos pelo mundo tocando-o de leve. Tocar o mundo de leve também faz parte do Meio de Vida Correto! Assim as gerações futuras receberão este mundo ainda habitável e bendirão o teu nome. 

O problema do lixo nas cidades grandes é muito grande. A reciclagem do lixo no Brasil ainda é ridícula, e este plano econômico contribuiu muito para o aumento do consumo e do desperdício. Por outro lado, este mesmo plano econômico lançou milhões de pessoas na economia informal, cuja forma mais conhecida são os chamados "camelôs". Sempre houveram camelôs nas ruas, mas de uns tempos para cá a legião se multiplicou. Nada contra a "camelotagem" - que é uma tentativa de se ter um meio de vida digno em tempos difíceis - mas é fato inquestionável que eles também contribuem para a poluição das ruas. O povo carioca e de outras grandes cidades brasileiras não é lá muito educado quando se trata de manter as ruas da cidade limpas. 
Quem vem de uma estadia no exterior fica chocado com a facilidade com que se joga papel de bala e ponta de cigarros no chão. Sem falar das latas e plásticos. A cidade do Rio de Janeiro é uma lata de lixo aberta. Os camelôs trazem suas mercadorias, desembrulham-nas e deixam pilhas e pilhas de embalagens, cocos e latinhas nas ruas quando se vão. Por sua vez, o povão compra e sai comendo seu sorvete ou sua bala, e joga sem vergonha nenhuma as embalagens no chão. Barraquinhas e carros de cachorro-quentes deixam um rastro de gordura, pão e condimentos. Ora, além de ser um quadro horrível, é condição perfeita para que ratos e moscas façam a festa. E na primeira ventania, os bueiros se entopem. Uma simples chuvinha pode então alagar as ruas e causar o transtorno no trânsito. 
Tudo isto devido à falta de escrúpulo e de amor do povo para com o ambiente e o semelhante. Dias 25 e 31 de Dezembro foram feriados nacionais. E nos feriados e finais de semana, a avenida onde moro – movimentadíssima como uma avenida Rio Branco em dias de semana – fica fechada como área de lazer. Mas mesmo nos domingos e feriados surgem camelôs, que vendem suas mercadorias e trazem a sujeira. Mas nestes feriados não haviam camelôs nem Kombis de hot-dogs na rua! Milagre dos milagres – a rua estava limpa! O que provou minha tese de que, se o povo não encontra matéria prima para fazer a sua sujeira, ele suja muito menos. Entendam que os camelôs não são os únicos "culpados", mas o povo como um todo. 

Fiquei estarrecido com a reportagem do Jornal Nacional sobre a sujeirada que o povo que mora em palafitas fazem, lá em Salvador. A limpeza urbana colocou uma rede em volta das palafitas para impedir que o lixo se espalhe para a Baía de Todos os Santos. Algo em torno de 70 toneladas de lixo... Fico pensando: a nossa Baía de Guanabara não deve ter mais um fundo natural, deve estar coberta de latas e plásticos. 
Querem despoluir a baía, mas quando vejo pessoas atirando coisas ao mar de dentro das barcas Rio-Niterói, penso que esse programa de despoluição das águas da baía é uma verdadeira Utopia. Enquanto as cabeças não mudarem, o lixo será a nossa herança. É muito entristecedor. 

Lucélia Santos realizou um trabalho de filmagem sobre a cultura na China comunista, e num dos programas ela comentou que cada cidadão é obrigado a plantar todo ano uma árvore. Milhões de árvores surgem a cada ano por lá. Diversas cidades tem árvores frutíferas nas ruas, com frutas à mão... 
Em Singapura, as multas por pichar, sujar as ruas ou deixar de dar as descarga nos vasos em banheiros públicos são altíssimas. É uma cidade-estado limpa. Por outro lado, o governo de lá dá descontos no imposto territorial para quem planta flores, jardim e cuidar de sua porta. Interessante, não? Talvez seja necessária a mão pesada do governo para educar e estimular as pessoas a sujarem menos e a cuidarem do meio ambiente como se fosse a própria casa. 
Ao mesmo passo, deveríamos educar as crianças. Elas são sensíveis às mensagens ecológicas. Será que podemos esperar ainda ver voltar as sardinhas e golfinhos para a Baía de Guanabara, assim como os peixes voltaram para o Rio Tâmisa em Londres, depois de despoluído?