[JORNAL DE CASA – Belo Horizonte, 18 a 24 de fevereiro de 1979 – págs. 9 e 10]
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[fotogrtafias e legendas]
Para falar de jóias em Belo Horizonte – a Capital de um Estado tão rico em pedras preciosas como Minas – é preciso falar também de um joalheiro que conquistou com seu talento, a beleza e a qualidade do seu trabalho, um lugar de destaque na história da cidade. A casa de Theodomiro Cruz, bem no centro, onde está hoje o prédio Helena Passig, fez fama dentro e fora do Estado e, se terminou, por não haver um continuador da obra, permanece como parte viva da memória de Beagá.
As pessoas mais velhas, com certeza, ainda se lembram de uma das mais antigas e famosas casas de jóias de Belo Horizonte, que se tornou parte da vida e da história da cidade, depois de funcionar por anos a fio em plena Praça Sete, no local onde hoje se ergue o Edifício Helena Passig. Bem na Esquina de Afonso Pena com Rio de Janeiro, era lá que funcionava a Joalheria Theodomiro Cruz, trazendo em cada jóia e em cada negócio realizado a marca inconfundível de seu fundador.
De origem sabarense, Theodomiro era, sobretudo um homem tranquilo, ligado às letras e ao saber. Filho mais velho de uma família numerosa, o pai, ourives, desde cedo lhe ensinara os segredos de seu ofício. Quando o pai morreu, Theodomiro, estando por volta de seus quatorze anos, passou a assumir os encargos da família, tornando-se seu principal sustentáculo. Deixou de frequentar o colégio em regime de externato, para se dedicar exclusivamente ao ofício.
Fundou, no ano de 1894, a Joalheria e Oficina de Jóias Theodomiro Cruz, à Rua do Kaquende, em Sabará. Conta-se que desde o início de suas atividades, Theodomiro se impôs pelo alto padrão de honradez e qualidade de trabalho. Por essa época, partiam de Sabará, viajantes e tropeiros, percorrendo todo o Estado de Minas e Goiás, vendendo suas jóias, que ficavam, a partir daí, bastante conhecidas, devido, principalmente, à qualidade do ouro e à sensibilidade artística do artesão.
Em 1906, então com 38 anos, casa-se com Elisa Vianna, também sabarense, e de tradicional família, com quem teve sete filhos: América, Isaura, Cícero, Celso, Miltom [sic], Odilon e Lúcia. Dos sete, dois já faleceram e apenas três ainda moram em Belo Horizonte.
Em 1910, transfere-se para cá. Sobre sua vinda é o cunhado João Batista quem relembra: «Theodomiro veio por imposição das circunstâncias. Logo após seu casamento, seus negócios sofreram certa estagnação, e isto devido a seu bom gênio, à sua pouca ambição. Ele se deixou levar por amigos falsos, arremata o cunhado, que, aproveitando-se do pretexto de amizade, imiscuíram-se em seus negócios, apoderaram-se dos segredos de sua joalheria e montaram concorrência desleal».
Aqui estabelecido, ocupou primeiro um prédio na Rua dos Caetés, depois na Av. Amazonas, e, finalmente, na Av. Afonso Pena com Rio de Janeiro, onde também residia com a família. Depois da construção do Edifício Helena Passig, há mais ou menos 20 anos atrás, os filhos, Miltom [sic] e Celso, que prosseguiram com o negócio, continuavam a ocupar, até novembro de 78, algumas lojas daquele prédio.
«Entretanto, relembra João Batista Vianna – conterrâneo, contenporâneo e amigo – o que ele queria mesmo, era ser um literato, um poeta.» E, talvez por isso mesmo, suas relações se estreitaram com aqueles ex-colegas de externato que abraçaram a literatura, destacando-se entre eles, Luís Cassiano, Arthur Xeres e Avelino Fosco.
Por essa época, Theodomiro, influenciado pelas obras de mestres franceses, era de um anticlericalismo ferrenho. Mais tarde, ao travar contato com o Kardecismo, principalmente através do «Livro dos Espíritas», converteu-se ao espiritismo.
No entanto, a poesia continuava presente, tendo, inclusive, publicado um livro de poemas, «Veras», que mereceu até mesmo a atenção de Osório Duque Estrada. Nesta época, Estrada era considerado como um dos críticos mais conceituados do país, através de seu trabalho no Correio da Manhã, e também pelo rigor de suas opiniões. Tal rigor, inclusive, fez com que Augusto de Lima viesse defender Theodomiro de público, das considerações impiedosas de Duque Estrada.
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– «A cidade, relembra ainda João Batista, era pequena quando Theodomiro veio. Para se ter uma idéia, emm 1920 precisei reformar um prédio na Rua Espírito Santo. Na Prefeitura, a nova planta era a única registrada desde a fundação da cidade, não havia mais nada, nenhuma construção nova, nenhuma reforma, nada». Com isso a concorrência era pouca e Theodomiro pode prosperar em paz.
Logo sua casa se tornou famosa e bem-frequentada, tendo como clientes habituais Manoel Pena, Francisco Guimarães, Delfim Moreira, Bias Fortes, Israel Pinheiro, Arthur Bernardes e muitos outros. O comércio era intenso, e a confiança recíproca. Conta-se que muitos deles não fechavam um negócio que envolvesse ouro e pedras, sem antes consultar Theodomiro e ter seu parecer favorável.
– «Costumava-se presentear muito com jóias, como tradição e investimento, lembra Gerson Dias, conterrâneo e ex-vizinho de Theodomiro. Datas especiais, como casamento e noivado, debuts, aniversários, eram todas marcadas com um anel, um broche, uma pulseira, ou brincos, e as jóias eram muito bonitas, além de exclusivas.» E acrescenta: «Não é como hoje, quando as próprias mulheres preferem usar as reproduções em material barato e durável. Antigamente, o que não era ouro empretecia logo, enferrujava, hoje não; fica às vezes até difícil distinguir o que é falso do que é verdadeiro».
Dos sete filhos de Theodomiro, apenas dois se interessaram em dar prosseguimento aos negócios do pai, Miltom [sic] e Celso. Os demais ou se casaram, mudando-se de Belo Horizonte, com foi o caso de América e Cícero, que transferiram residência para o Rio de Janeiro, ou abraçaram profissões tão diversas, quanto a de dentista ou engenheiro. Dos dois filhos que lhe continuaram a obra, Celso se tornou, inclusive, exímio conhecedor de pedrarias, ambos também, tão respeitados quanto o velho Theodomiro.
Theodomiro Cruz morreu em 1936, de arteriosclerose, sua mulher, Eliza [sic] Vianna, em 1963. Alguns anos depois, morre Miltom [sic], e, logo depois, Celso. Em novembro de 1978, na ausência de quem lhe desse continuidade, fecha-se a Joalheria Theodomiro Cruz, mantendo-se viva, entretanto, na memória de Belo Horizonte, a lembrança de uma casa que primou sobretudo pela honestidade e capacidade de trabalho.
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