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Construção de uma caldeira a vapor,
e o seu motor.
Uma caldeira a vapor não é mais do que um sistema que transforma a água
de estado líquido para o estado gasoso, ganhando energia sob a forma de
pressão que será depois aproveitada para fazer movimentar um motor, ou outro
dispositivo de acordo com o fim a que se destina.
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Para se fazer uma caldeira
primeiro é necessário pensar qual vai ser a sua aplicação.
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É um sonho meu já muito antigo, a construção
de uma locomotiva a vapor. Digamos que este sonho vem já desde rapazote de 13
anos de idade quando eu vivia junto da estação de caminho de ferro da
Funcheira no Baixo Alentejo onde o meu Pai trabalhava como chefe de Distrito de
via e obras da C.P.. Nessa altura era-me impossível uma tal construção. Mesmo
assim cheguei a fazer uma caldeira em tubo de aço aproveitado dos tubulares de
uma velha caldeira grande. Com poucas ferramentas lá fui chateando o pessoal da
C.P. para me fazerem as necessárias soldaduras com a máquina de electrogéneo,
e aquilo chegou a fazer
vapor. É claro que não dava rendimento e era difícil acender, alem de ter poucos
acessórios "um vidro nível e pouco mais".
Agora aos 59 anos de idade voltei à
meninice e resolvi dar andamento ao velho projecto depois de ter um mini
laboratório razoavelmente apetrechado.
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Algumas normas de segurança importantes
para se construir uma caldeira:
1- A válvula de segurança tem que ter capacidade para descarregar todo o
vapor que a cadeira produz quando está no seu máximo rendimento.
2. Tem que ter sistemas de alimentação de água capazes de fornecer água
com caudal/velocidade suficientes de forma a não deixar queimar a caixa de fogo
ou o tubular.
3- A grelha tem que ter uma abertura amovível de forma a deitar abaixo o
fogo caso os sistemas de abastecimento de água avariem
inesperadamente.
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Um dia ao passar por um sucateiro de material
electrónico vi lá 3 bocados de chapa de cobre de 1,5mm de espessura e
comprei-as por uma bagatela com a ideia de construir uma caldeira a vapor, e
assim aconteceu.
Feitos os cálculos comparativos com as caldeiras das pequenas
locomotivas publicadas nas revistas Inglesas no que respeita á espessura da
chapa, verifiquei que deveria ser um pouco mais espessa, mas o problema foi
ultrapassado reforçando as zonas onde a caldeira é plana, porque é nessas
zonas onde ela é mais frágil ás forças da pressão interior. Assim nestas
zonas a chapa ficou com 3mm de espessura.
Contas feitas e mãos á obra,
peguei numa calandra e comecei por enrolar a chapa de forma a ficar
cilíndrica com as medidas mais ou menos pensadas, para fazer uma caldeira
horizontal semelhante à das antigas locomotivas da C.P.. Para fazer a parte das
caixas de fogo e de fumo também foi utilizada a calandra.
Para fazer as tampas
da frente e de traz foi feito um molde macho e fêmea para moldar á pressão
da prensa hidráulica, e de forma a que as peças pudessem ficar com o
aspecto duma tampa de caixa de pomada para sapatos. É evidente que a medida
exterior das tampas teve que ficar de forma a entrar á pressão no topo
interior do cilindro já feito e com a sua costura reforçada e soldada a prata.
O tubular foi feito em tubo de cobre de 10mm interior e também soldado a prata.
O espaço entre a chapa interior da caixa de fogo e chapa exterior da caldeira
foi escorada com parafusos de latão e com espaçadores também de latão que
por sua vez também foi tudo soldado a prata. Aqui nestas soldaduras é que
surgiram alguns berbicachos especialmente na parte de dentro na zona que fica
destinada ao fogo. Aí devido ao pouco espaço o maçarico tem mais dificuldade
em trabalhar por falta de oxigénio.
A chapa contrai-se ao arrefecer provocando
por vezes o estalar de algumas soldaduras, que tiveram que ser refeitas com mais
cuidado. O cobre como é bom condutor de calor, em certas zonas mais centrais da
caldeira, para fazer as soldaduras tive que proteger tudo do frio exterior com
tijolos refractários e aquecer globalmente a caldeira com
outro maçarico de boca mais larga de forma a facilitar o trabalho ao maçarico
soldador.
Depois de tudo fechado fui encher de água. Para meu descontentamento
apareceram algumas fugas francas, mesmo sem pressão. Lá teve que ser tudo
soldado de novo. Mas ainda mais descontente fiquei foi quando lhe meti pressão
mesmo pouca outras fugas apareceram. A mesma operação teve que ser feita
várias vezes chegando até a dar para esmorecer. Depois estava na hora de fazer
a prova hidráulica, mas primeiro experimentei a enche-la com dois quilos de
pressão de ar e observar as deformações em várias zonas mais críticas.
Tudo
normal, há que subir a pressão por aí a cima e com muita precaução fui
subsequentemente observando se havia deformações até chegar a 5kgs/cm2.
Entretanto fiz uma bomba de água do tipo de pistão movido manualmente por
alavanca com destino a ser a bomba de emergência para alimentação de água da
caldeira, e servi-me dela para elevar a pressão com água até aos 11kgs/cm2
"com paragens pelo meio, para analises " e aí numa zona plana por
cima da porta da fornalha começou a aparecer uma muito pequena curvatura, tudo
o resto estava normal. Ficou assim determinada a pressão de teste. Geralmente o
cobre como é macio começa a deformar-se antes de rebentar. Como norma, a
pressão de trabalho tem que ser metade, ou menos de metade.
Assim depois de algumas dezenas de
horas de trabalho de estudo, e prático aí está ela fumegar e a subir a
pressão até ao seu máximo de 5.5kgs/cm2 que é o permitido pela sua válvula
de segurança. Como norma foi feito um teste hidráulico até aos 11kgs/cm2 para
garantir a sua segurança aos 5.5kgs/cm2. Vaporiza muito bem. Em 5 minutos a
pressão começa a subir, utilizando tiragem forçada com aspirador eléctrico,
mas após ter cerca de 1 quilo de pressão o aspirador pode ser retirado e ela
por si própria começa a subir a pressão com a ajuda do seu próprio despertador
"jacto de vapor saindo pela chaminé" até atingir os 5.5kgs/cm2.
"A capacidade de produção de vapor é de tal forma superior ao consumo do
despertador que ela dispara a subir progressivamente atingindo em poucos
minutos a pressão da válvula de segurança". Desde o acendimento até esta altura não se passam mais de 20 minutos.
Válvulas, válvulinhas, um vidro de nível e um apito
foram entretanto feitos. Quando se abre a válvula do apito a pressão desce umas
100gramas/cm2 mantendo-se assim, e logo que se larga o apito ela recupera instantaneamente. Já
consumiu mais do que 50 litros de água e cerca de 30kg de carvão de pedra, e
tem mais de 50 horas de trabalho a produzir vapor. Quando se abre mais o
despertador de vapor com a porta da fornalha também aberta pode ver-se através
desta, a grande velocidade dos gases quentes "a serem aspirados pelo
despertador situado na chaminé " passarem pelos tubos que compõem o
tubular, com destino á caixa de fumo e chaminé, transferindo assim o seu calor
para a água que está á volta destes tubos.
Agora estou a construir os injectores
de alimentação de água. Leva dois, um rápido e outro lento que também já
funcionam mas ainda está a ser feita a canalização definitiva.
Algumas dicas sobre o funcionamento dos injectores:
Os injectores são talvez os acessórios
mais críticos de fazer dos que estão incorporados numa caldeira a vapor.
Repare-se porquê: um injector recebe pressão de vapor por um lado, aspira
água por outro e vai ter que entregar tudo misturado de novo á caldeira que
tem a mesma pressão que entrou no injector. Como é que diabo isto é possível?
Então se tem pressão de vapor dum lado, pressão de vapor do outro, e como é
que consegue aspirar água pela entrada de água para depois meter tudo na
caldeira? É possível de
uma maneira um tanto ou quanto simples de explicar, mas difícil de construir na
prática.
O vapor entra no injector passando primeiro
por um cone convergente, "cone(a)" o que faz com que ele diminua de pressão mas
aumente de velocidade. Logo a seguir encontra outro cone convergente "cones
(b) e (b')" mas
entretanto aspirou água pelo espaço entre os dois cones "numa entrada
própria como é de esperar". Acontece que o vapor ao encontrar a água bem
fria se condensa também em água e reduz o seu volume, seguindo agora quase já
só água para frente aumentando ainda mais a sua velocidade ao passar por este
segundo cone. Repare-se que o volume da água neste ponto é inferior ao volume
do vapor que entrou. Em seguida encontra um terceiro cone mas este agora é
divergente o que faz com que a água diminua bastante de velocidade mas aumente
fortemente a pressão, para uma pressão superior á da caldeira.
A primeira
coisa que se tem que fazer para que tudo isto arranque é abrir a água, e só
depois o vapor. Mas tudo isto
só é possível arrancar porque depois do injector existe uma válvula de
sentido único " check valve" que permite que o tubo desde a saída do
injector até à válvula esteja sem pressão no inicio do funcionamento do
sistema. Repare-se que entre os cones (b) e (b') existe uma válvula de
esfera para no início quando se abre a água esta se escapar mais livremente
para fora pelo tubo de overflow até que se abre o vapor. Quando o vapor chega
tem que encontrar os cones cheios de água para que a condensação comece de
imediato e o sistema não aqueça rapidamente.

Como é de prever a construção destes
cones em miniatura é trabalho de uma precisão enorme, porque á mínima falha
nas medidas, tudo isto não trabalha. As check valves também tem a sua boa
quota parte no bom funcionamento do sistema.
O que são a check valves? São
válvulas que permitem a passagem de fluidos apenas num só sentido. Isto é,
permitem que a água vinda do injector passe para a caldeira mas não permitem
que a água e vapor passem da caldeira para o injector. São peças minuciosas
devido ao diâmetro da sua esfera e dos furos de passagem terem que estar de
acordo com a pressão de trabalho da caldeira e a força que o injector é capaz
de fazer do outro lado para vencer a pressão da caldeira forçando a entrada da
água.
Se a esfera e o furo de passagem tiverem diâmetro excessivo, o injector
não terá caudal e pressão suficiente para vencer a força que a pressão faz
do lado de dentro da caldeira, e o injector engasga-se deitando para fora toda a
água e vapor que entraram pelos respectivos tubos de entrada porque a válvula
não abre. Com o diâmetro da esfera e do furo muito pequenos, o injector
engasgar-se-á também porque o furo não dará passagem suficiente à água que
vem do injector. Também é necessário que a séde onde assenta a esfera esteja
bem polida para que a válvula vede muito bem.
Se tudo isto funcionar bem ouve-se um silvo
característico devido à alta velocidade que a mistura água-vapor atingem ao
passarem nos cones do injector, seguindo para a caldeira.
Com a canalização mais ou menos definitiva já feita
fui novamente acender a caldeira para ensaiar o funcionamento dos injectores.
Para meu espanto verifiquei que funcionavam muito melhor do que como estava de
antes. A razão é simples: é que eu coloquei as válvulas de sentido único
"check valves" junto da entrada de água para a caldeira, e de antes
estavam á saída dos injectores. Isto prova que havendo mais espaço "de
início sem pressão" entre o injector e a válvula, o empurrão que a
esfera leva no sentido de abrir a válvula é maior, facilitando assim o
funcionamento do sistema.
Construção do motor a vapor
Foi construído um motor de um único
cilindro com distribuidor plano colocado ao lado do cilindro de forma a que
pudesse ser comandado com dois excêntricos colocados na cambota. Para
construção do bloco de cilindros e da válvula de gaveta foi escolhido o bronze
fosforoso. A cambota foi feita em aço de construção.
Dado que se trata de um tractor agrícola dos
que existiram em Portugal nos anos 30, 40, o motor está montado
longitudinalmente sobre a caldeira conforme pode ser visto nas
fotografias.
Estes motores tem a particular vantagem de ter um
forte binário de arranque dado que a pressão que é exercida no cilindro é
sempre a mesma em todo o curso do
êmbolo.
Como é um motor de um único cilindro
tem o problema de não conseguir arrancar quando pára nos pontos mortos
inferior e superior.
Nos primeiros ensaios verifiquei
que é capaz de trabalhar com uma pressão baixíssima bastando soprar com a
boca no tubo de alimentação. Com 5kgs de pressão é quase impossível
parar a cambota na roda de balanço. A transmissão para as rodas é feita com
duas ordens de carretos para reduzir a velocidade e aumentar o binário, e em
seguida transmite o movimento a uma corrente metálica que por sua vez o
transmite ás rodas motrizes.
A velocidade no solo em terreno direito e sem carga é
equivalente á de uma pessoa a andar a bom passo.
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Construção de um novo motor vapor de 2 cilindros.
Após várias experiências feitas com a máquina a puxar por
2 pessoas sentadas no carrinho com um total de mais de 200kg verifica-se que tem uma
potência razoável, mas é sempre chato quando o êmbolo pára num dos pontos
mortos o motor não arranca "o que de facto também acontecia nas máquinas
grandes", mas aqui é particularmente pouco técnico ter que dar um
empurrão na roda de balanço para que o motor inicie a marcha.
Foi decidido começar a construção de um novo motor de 2
cilindros com a mesma cilindrada mas com mais um pouco de curso o que lhe vai
não só dar mais do dobro da potência, e mais binário porque o êmbolo tem
mais curso, mas a principal vantagem é que os êmbolos vão ficar desfasados 90
graus "o da direita avançado" permitindo assim que um dos cilindros
compense os pontos mortos do outro. Assim a máquina arranca sempre em
qualquer posição.

Aqui a foto dos dois cilindros do novo motor de 2 cilindros
ainda em construção, mas já se pode ver o êmbolo com a sua haste e a tampa
traseira do cilindro direito desmontada. Dos lados vê-se as caixas das
válvulas de comando dos cilindros chamadas válvulas de gaveta.
As fotos que se seguem mostram o motor já praticamente
pronto. Apenas falta construir os copos de lubrificação, os tubos de
alimentação de vapor, os tubos de alimentação de óleo e a alavanca de
inversão de marcha que liga o veio de inversão de marcha ao tirante de
inversão de marcha.


Pode ver-se aqui o pormenor da geometria do sistema de
inversão de marcha.
Você que também está interessado no vapor-vivo não
fique quieto, venha daí ponha as mãos no torno mecânico, na chapa de
cobre ou aço, dê andamento à obra e não esmoreça pelo meio. Posso garantir-lhe que depois de feito é
compensador ver funcionar.
Até há poucos anos a mais potente locomotiva
construída no mundo era a vapor, "segundo um programa que eu vi na
televisão".
A China é o único país do mundo onde ainda hoje se constróem
locomotivas a vapor. A razão é simples: Eles não sabem o que fazer á enorme
quantidade de carvão de pedra que dispõem. "Informação também
proveniente da televisão".
Actualizada em
18/10/2002 07/04/2003 13/09/2003