"Letterblocks para Voz e Instrumentos"
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An�lise
de um pretenso elo org�nico
entre a filosofia oriental e uma obra musical planim�trica
Eufrasio Prates (1995)
Instrumenta��o
Nota��o
Atemporalidade
Multidirecionalidade
Ametria
Densidade
Textura
Organiza��o
Frequencial
Gestalt
x Melodia
Macroestrutura
e Rela��es Mundificantes
A ruptura no fazer musical ocorrida neste s�culo XX, e mais radicalmente na kehre do p�s-guerra, tornou as ferramentas da raz�o instrumental incapazes de abranger sequer sua pr�pria dimens�o de techn� na an�lise desta nova m�sica. Uma s�rie de elementos, que v�m resgatar a originalidade da raz�o-l�gos grega recontextualizada epocalmente, tornam-se hoje indispens�veis para a compreens�o da po�tica aberta e inquiridora da est�tica experimental hodierna. Categorias como harmonia, contraponto, melodia e ritmo devem ser substitu�das por outras que as transcendam de modo a permitir n�o apenas a explica��o do fen�meno musical, mas tamb�m sua interpreta��o frente a um novo e mais abrangente mundo de sentidos. Portanto, nada mais adequado para apreender tal abrang�ncia que uma abordagem hermen�utica.
� importante que se note, no entanto, que a hermen�utica n�o � um m�todo. Tampouco pretende substituir a racionalidade pelo caos. Antes de mais nada, a hermen�utica � um modo de ver e de refletir a respeito de algo, onde meio e objetivo ganham prioridades e limites indistingu�veis. Se o homem ganha sentido a partir de seu projetar-se, nada mais natural que valorizar o seu aspecto diacr�nico em rela��o ao teleol�gico.
Nossa inten��o aqui � a de desenvolver um caminho, dentre outros fact�veis, que evidencie algumas das principais caracter�sticas est�ticas da pe�a "Letterblocks", composta por este autor entre 1991 e 1992 sob orienta��o do professor H. J. Koellreutter, relacionando-as significativamente a outros horizontes epist�micos. � interessante notar que muitas das conclus�es deste trabalho, realizado tr�s anos ap�s a composi��o da pe�a, s�o novas e n�o foram deliberadamente previstas naquele momento.
Podemos, grosso modo, distinguir duas principais dimens�es segundo as quais podemos abordar uma pe�a musical: uma intr�nseca, fundamentada na observa��o de seu material mais f�sico, e outra extr�nseca, que averigua as interconex�es entre a obra e o meio no qual compartilha sua realidade.
Embora tentados a realizar previamente a an�lise do primeiro aspecto, o que nos levaria a uma descri��o mais objetiva da obra, para s� ent�o passar aos demais, optamos por uma jornada mais complexa, �rdua, arriscada e por isso mais reveladora: o ataque simult�neo e quiasm�tico pluridimensional.
De tal modo, sempre que se fizer uma afirma��o sobre aspectos mais gen�ricos e macro-conex�es, perceber-se-�, de imediato, donde prov�m ou a que aspecto mais objetivamente se relacionam. Reciprocamente, clarificar-se-�o os porqu�s de cada micro-elemento na composi��o do todo. Embora mais intrincado e reticular, pesando idas e vindas "caranguejais", a obscuresc�ncia formal desta op��o se pagar� com transpar�ncia argumentativa e profundidade anal�tica.
"Letterblocks para Voz e Instrumentos"
O nome da pe�a, Letterblocks, pode ser traduzido por blocos de letras. Sugere antecipadamente que a aten��o do ouvinte se fixe n�o apenas na sintaxe das sonoridades enquanto tais, mas simultaneamente em sua sem�ntica, j� que tais blocos devem formar palavras. No entanto, com o intuito de minimizar a j� pesada e inculcada carga tradicional da audi��o racionalista, n�o se ouve em momento algum da pe�a uma sequ�ncia de palavras que forme uma frase no sentido lingu�stico. Fonemas soltos, �s vezes acidentalmente formando uma suposta palavra ou parte dela, s�o a mat�ria vocal presente. Esta mat�ria submete-se � mesma sintaxe que rege as interven��es sonoras instrumentais.
Este jogo entre as sem�nticas da l�ngua e da linguagem musical cria uma determinada tens�o no in�cio da audi�ncia; pelo menos at� que, pela redund�ncia, o ouvinte descarte a possibilidade do surgimento de um texto logicamente encadeado. A n�o ocorr�ncia desse texto acaba por deslocar o foco da aten��o racional para outros elementos, e cria uma abertura para esferas menos conscientes ou habitualmente bloqueadas da percep��o.
H� tamb�m no t�tulo um jogo de sentidos entre as palavras letter e blocks. A primeira significa carta, al�m de letra, enquanto a segunda pode ser lida como a flex�o do tempo presente do verbo to block na terceira pessoa do singular; conjuntamente formam a frase: a "carta � a discursividade textual � bloqueia". Este trocadilho, pass�vel de percep��o pelos mais atentos, � facilmente dedut�vel da matriz originadora da obra, o texto no Tao Te King, de Lao-Ts�, que afirma: � aquele que sabe n�o fala, aquele que fala n�o sabe� . Note-se, no entanto, que embora os int�rpretes tenham acesso a esta frase por interm�dio da bula da partitura, s�o orientados���coerentemente ao conte�do da pr�pria frase � a transmit�-la apenas por interm�dio da m�sica.
O fasc�nio dos autores ocidentais, principalmente nesta segunda metade do s�culo, pela cultura e filosofia orientais � sabidamente grande. No entanto, dificilmente encontramos obras deste hemisf�rio poente que consigam manter tal liga��o de forma org�nica, isto �, n�o simplesmente imitativa. Buscando superar esta dist�ncia, Letterblocks se prop�e n�o apenas se basear no sentido da frase de Lao-Ts�, mas tamb�m fazer uso de diversas categorias de estrutura��o afetas ao oriente, transcendendo a linearidade mel�dica, a harmonia tonal, a temporalidade m�trica e a discursividade formal. Por outro lado, n�o se pretende uma pe�a oriental, na medida em que n�o abre m�o da realidade do ouvinte a que se dirige: se lhe exige mais do que a habitual aten��o racionalista, leva em considera��o seu contexto hist�rico e geopol�tico. A s�ntese pretendida ganha organicidade na raz�o direta em que toma da cultura oriental aquilo que j� tiveram de comum antes do divisi hist�rico romano, e que uma disposi��o � experi�ncia vivencial desta m�sica nova permite reviver � n�o sem algum esfor�o.
Aqui come�am a emergir as diferen�as entre as pe�as da tradi��o musical dos �ltimos trezentos anos do ocidente e as da contemporaneidade. As primeiras, conforme se vai avan�ando do Classicismo ao Romantismo, apresentam uma crescente preocupa��o com a precis�o e absolutiza��o das categorias envolvidas na cria��o musical. Um passo inicial, sob esta perspectiva, � a macro-defini��o dos timbres a serem usados na pe�a, ou seja, a instrumenta��o. Como exemplo podemos citar um quarteto de cordas ou uma can��o para mezzo-soprano e orquestra.
Letterblocks foi concebida, ao contr�rio, para dois instrumentos (percuss�o e sintetizador/computador) e uma voz (de baixo profundo a soprano ligeiro). Pode ainda ser adaptada pelos pr�prios int�rpretes para outra instrumenta��o qualquer � desde um solo at� uma grande orquestra � sem necessidade de passar pelas m�os de um arranjador.
Assim como qualquer outra obra, evidentemente, seu resultado depender� da compet�ncia dos int�rpretes e da seriedade com que for trabalhada previamente � apresenta��o.
A partitura da pe�a est� inscrita num plano, compondo-se basicamente de um grande c�rculo e uma s�rie dos dez fonemas da frase de Lao-Ts� ligados entre si por linhas retas. Essa maneira de nota��o, chamada de gr�fica, foi desenvolvida de v�rias formas por diversos compositores com o objetivo de permitir � e mesmo obrigar � a interfer�ncia criativa do int�rprete atrav�s da improvisa��o. Foi muito aperfei�oada com o desenvolvimento da planimetria nos �ltimos dezessete anos por Koellreutter, que chegou ao extremo de rasgar todas as suas obras anteriores a Acronon. Para este compositor � que em setembro pr�ximo completa 80 anos � a planimetria, mais que uma forma de nota��o, � uma t�cnica composicional.
Segundo esse vi�s, a pr�pria concep��o da obra vincula-se estruturalmente � escolha do tipo de nota��o, o que similarmente ocorre com Letterblocks. No entanto, como se ver� adiante, esta obra apresenta algumas diferen�as frente � planimetria de Koellreutter � exemplificada ao lado com uma reprodu��o de seu Diagrama�K � no que diz respeito ao uso dos elementos estruturadores. Tais men��es, embora aparentemente dispens�veis, far�o sentido conforme se forem ligando �s motiva��es macro-ambientais que as determinaram.
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Mantendo a fecunda pr�tica anal�gica, passemos a decifrar as fun��es desse novo c�digo � luz de sua compara��o com a nota��o tradicional. Ainda que esta �ltima, diversamente da planimetria, n�o seja equivalente a uma t�cnica composicional, a partir de seus elementos b�sicos nos reportaremos �s suas categorias estruturantes.
A ocupa��o espacial de uma partitura comum se d� no pentagrama, um conjunto de cinco linhas paralelas onde se inscrevem as notas musicais. Desta forma, da esquerda para a direita, a m�sica se inicia, se desenrola linearmente at� que encontra o seu final. Na nota��o gr�fica planim�trica a distribui��o de ocorr�ncias musicais � signos sonoros, inclusive ru�dos, e n�o simples notas � se d� num enigm�tico c�rculo, deixando indetermin�veis princ�pio, meio e fim a cargo da tr�plice intera��o compositor-int�rprete-p�blico. � a partir das tens�es emanadas desta rela��o �ntima e complexa que a virtualidade destes indetermin�veis vem � realidade. Deste modo, a m�sica emerge como se j� viesse sendo tocada numa outra dimens�o qualquer, al�m de nossos limites percepcionais, permanece conosco enquanto o jogo l�dico do improviso for suficiente para mant�-la, e retorna ao abrigo dos deuses por interrup��o, podendo continuar na mente do ouvinte indefinidamente.
\ Na �ndia, onde a m�sica inexiste afastada de seu car�ter espiritual, os raagas s�o improvisados conforme o momento do dia ou da noite, se iniciando como uma medita��o � o que n�o deixam de ser � e sendo interrompidos sem uma marca temporal precisa e determinada. L�, assim como para Kant na filosofia e Einstein na f�sica, o tempo n�o � um fator absoluto, mas um meio relativo de organizar os fen�menos.
A presentifica��o da m�sica planim�trica, esta aus�ncia de passado e futuro absolutos, � proveniente de sua democracia para com todos os componentes da partitura. N�o h� um centro gravitacional, como na m�sica tonal ou modal, mas uma distribui��o equ�nime de import�ncia entre todos os seus elementos.
Embora o tempo de dura��o dos improvisos sobre o Diagrama K sejam sugeridos pelo compositor, em Letterblocks o mesmo n�o ocorre. Koellreutter o faz com o objetivo de relacionar as dura��es de partes diferentes. Como Letterblocks apresenta-se numa s� parte, e conta com o bom senso dos int�rpretes em adequar a obra ao momento em que se realiza, n�o se sugere sua dura��o.
A sequ�ncia linear das notas musicais grafadas no pentagrama, j� mencionada, resulta tamb�m no surgimento da melodia. Uma s�rie de notas � encadeada de forma l�gica para resultar no que se convencionou chamar de frase musical. Assim como no discurso lingu�stico, a m�sica tradicional se manteve por muito tempo apoiada na micro-discursividade destas frases, ora��es e per�odos, tanto como na macro-discursividade do encadeamento formal.
A multidirecionalidade � uma categoria relacionada a novas descobertas da f�sica qu�ntica, especialmente no que se refere �s part�culas virtuais, ou anti-part�culas que viajam para tr�s no tempo, emitidas para compensar as viola��es da lei de conserva��o da massa-energia. A virtualidade de um movimento no tempo negativo, representada simbolicamente por um movimento semelhante na partitura planim�trica, � t�o poss�vel quanto a j� constatada pela f�sica atual. Mesmo a�, no entanto, mant�m um v�nculo com o pensamento oriental: � o que distingue um estado transit�rio, virtual (nada-algo-nada) de um estado real (algo-algo-algo) � similar � distin��o budista entre a realidade como realmente �, e a forma como comumente a vemos. [...] De acordo com a teoria budista, a realidade � "virtual" por natureza. O que aparece como objetos "reais" nela, como �rvores e pessoas, s�o, na realidade, ilus�es transit�rias que resultam de uma limitada consci�ncia� .
Na m�sica planim�trica, a micro-organiza��o dos signos musicais � representados pelos pequenos quadrados, tri�ngulos e c�rculos no Diagrama K e pelas letras de Letterblocks � se d� por retas que significam percursos a serem seguidos pelo int�rprete na realiza��o do improviso. As retas podem ser seguidas em qualquer dire��o, permitindo idas e vindas ilimitadas, circularidades e circunscri��es multidirecionais no espa�o quadridimensional sonoro. Este procedimento resulta numa micro-estrutura��o gest�ltica, isto �, ordenada por configura��o ou constela��o.
O compasso, outro elemento tradicional utilizado para marcar o tempo e, por consequ�ncia, a linearidade, discursividade e temporalidade musicais, � substitu�do no Diagrama K por contagens demarcadas por n�meros (que ficam ao lado das linhas de percurso), apoiadas num pulso naturalmente impreciso. A rejei��o da m�trica tradicional se d� na fuga da quadratura, forma de organiza��o r�tmica baseada na similitude das dura��es das frases e per�odos. O andamento � indicado como nas partituras tradicionais � Lento, Allegro, Presto, etc. � para guiar o pulso, mas com maior liberdade para o int�rprete.
Em Letterblocks, no entanto, at� mesmo o pulso e as dura��es s�o elementos de livre improviso. N�o h� n�meros nas linhas de percurso, evidenciando a total liberdade do int�rprete na defini��o do tempo de cada signo. A �nica restri��o se refere �s obrigat�rias pausas articulat�rias entre uma gestalt tocada e sua precedente. � preciso reconhecer que, por nosso h�bito no uso da ret�rica visando o convencimento ideol�gico do outro, e tendo recebido na bula da partitura a orienta��o de passar a mensagem de Lao-Ts�, o int�rprete tender� mais � rapidez que � lentid�o. Esta tend�ncia � compensada na indica��o de rarefa��o.
O controle da textura, isto �, da combina��o de timbres, intensidades e densidades, possibilitando a gera��o de blocos simultan�ides ou tramas pontilhistas, fica simultaneamente ao cargo da sorte, da sensibilidade e intui��o dos int�rpretes. Aqui, de modo mais expl�cito, se afastam tradi��o e experimentalismo.
Embora na est�tica tradicional n�o se encontre a textura como categoria de cria��o, temos seu correlato�simplificado � a harmonia tonal � como um dos maiores pilares organizadores da obra musical. Os tonalistas defendem seu ponto de vista afirmando que a s�rie harm�nica, realidade f�sica componencial de todo som, justifica sua classifica��o das combina��es sonoras em conson�ncias e disson�ncias. A partir desta hip�tese erige-se todo um castelo que subsiste desde o Tratado de Harmonia de Rameau, datado do s�culo�XVII, at� os dias de hoje, na m�sica n�o-experimental.
Esta � uma grande fal�cia, na medida em que a s�rie harm�nica se inicia com os intervalos mais est�veis, como a oitava, a quinta e a ter�a, mas continua se desenvolvendo espectralmente em dire��o aos mais inst�veis, passando pelas quartas e sextas, e ultrapassando as segundas e s�timas para chegar aos intervalos microtonais, isto �, fora do temperamento tonal do ocidente. Assim, o tratamento oriental � muito mais rico que o tonal, pois n�o se restringe ao dualismo da dicotomia conson�ncia/disson�ncia. Similarmente, a m�sica do s�culo XX tem tentado superar esse dualismo, seja com sistemas de organiza��o mais r�gidos que o pr�prio tonalismo, como o dodecafonismo de Schoenberg, seja com a recria��o de sistemas modais, como o faz Olivier Messiaen, seja com a liberta��o advinda de estruturas improvisat�rias, isto �, rand�micas. A planimetria, e consequentemente Letterblocks, enquadra-se nesta �ltima tend�ncia.
Desta forma, quando se fala do controle da textura pela "sorte", nada h� de absurdo. Ainda mais quando se concebe que a materialidade de uma mesa, por mais que tenha sido macro-estruturada por um marceneiro, resulta de um turbilh�o ca�tico de bilh�es de part�culas subat�micas que, pela "sorte", resultam no ser da mesa. O compositor contempor�neo, longe da demi�rgica imagem que dele muitos fazem, � o "marceneiro" dos sons. No entanto, deixa em certa medida que o int�rprete e o p�blico o auxiliem na defini��o da "mesa".
Frequ�ncia � a propriedade ac�stica que nos permite distinguir os sons graves dos agudos. Esta categoria, em m�sica, � chamada de altura. Os nomes das notas musicais � os latinos do-r�-mi ou os anglo-sax�nicos C-D-E, representantes deste aspecto ac�stico �, n�o passam de conven��es. Tanto que, ap�s longo tempo de discuss�o, convencionou-se que a nota L� (ou A) teria 440 Hz ou ciclos por segundo. A despeito disso v�rias orquestras atuais, em busca de uma sonoridade mais brilhante de seus instrumentos, trabalha com afina��es superiores �quele padr�o.
Para chegar � estrutura��o baseada na harmonia tonal, nossa m�sica tradicional tratou, por um lado, de refinar a nota��o neum�tica da medievalidade e, por outro, de temperar a escala numa padroniza��o f�sica dos intervalos que dividem uma oitava em doze semitons id�nticos. Desse "progresso" tivemos duas consequ�ncias: surgiram diversos instrumentos incapazes de fazer soar sons diferentes daqueles � o que resultou em nosso conceito dual afina��o/desafina��o � e padronizou-se uma sequ�ncia de sete sons dentre aqueles doze � resultando em nossa escala diat�nica, pr�-requisito de outra dualidade, a conson�ncia/disson�ncia.
Alguns compositores experimentalistas desenvolveram modos de notar intervalos menores que o semitom � evidentemente para instrumentos n�o temperados como a maioria das cordas � mas permaneceram ainda ligados aos demais problemas da nota��o tradicional.
A planimetria, por sua vez, aliando aspectos f�sicos da disposi��o espacial no plano, explode com essa limita��o ao abolir o pentagrama e passar a indicar a altura de modo impreciso e relativo. O int�rprete � orientado a selecionar uma frequ�ncia sonora em rela��o � altura do signo gr�fico no eixo vertical do plano. Deste modo, um signo em posi��o superior se refere a um som agudo e vice-versa. Privilegia-se sobremaneira a relatividade entre as frequ�ncias ao mesmo tempo em que se permite a ocorr�ncia de qualquer tom, semitom, microtom ou ru�do.
Al�m disso, os signos est�o inscritos num c�rculo para que o int�rprete possa gir�-lo e, dessa forma, altere a sua disposi��o relativa. As estruturas permanecem as mesmas, mas sua rela��o com o eixo das alturas se transforma, de modo que a cada performance se pode ter uma configura��o diferente.
O abandono da linearidade da dimens�o mel�dica se d� em prol de um m�todo construtivo baseado na teoria da gestalt. Segundo esta, os eventos � sejam fatos da vida, imagens ou sons � podem ser organizados e inter-relacionados de acordo com uma ordem de car�ter supra-racional. Desta emergem sistemas baseados nas rela��es de similitude, proximidade, continuidade, integralidade e conclusividade entre eventos.
O int�rprete, neste aspecto, deve tocar em Letterblocks sequ�ncias entre dois e cinco signos, orientando-se por sua inter-rela��o no eixo das alturas, objetivando compor uma constela��o sonora, isto �, uma gestalt, ap�s o que dever� realizar uma pausa, neste caso articulat�ria, maior em dura��o que o mais longo signo tocado. Tais sequ�ncias devem obedecer a uma leitura que, n�o obstante sua distribui��o no decorrer do tempo, se relacionem en bloc, isto � quadridimensionalmente. Essa exig�ncia s� pode ser cumprida se o int�rprete tiver consci�ncia da realidade do continuum espa�o-tempo representada pelo plano onde se inscreve a partitura. Nas palavras de Fritjof Capra, � o espa�o e o tempo, dois conceitos que pareciam inteiramente diversos, foram unificados na F�sica relativ�stica. Essa unidade fundamental constitui a base da unifica��o dos conceitos opostos anteriormente mencionados (masculino/feminino, bem/mal, luz/escurid�o). � semelhan�a da unidade dos opostos vivenciada pelos m�sticos, esta unidade da F�sica ocorre num "plano mais elevado", isto �, numa dimens�o mais elevada; � semelhan�a daquela vivenciada pelos m�sticos, � uma unidade din�mica porque a realidade do espa�o-tempo relativ�stico � uma realidade intrinsecamente din�mica onde os objetos s�o igualmente processos e todas as formas s�o padr�es din�micos� . Assim tamb�m prop�e-se a transcend�ncia dos modos ocidentais de interpreta��o na realiza��o de Letterblocks.
Na m�sica planim�trica encontramos como substituta aos elementos sedimentadores da coer�ncia�do discurso musical � melodia, leitmotiv e suas repeti��es ad nauseum � a organicidade gest�ltica, sempre mutante, criativa e din�mica. Evita-se, atrav�s dela, o quase total desaparecimento dos processos informacionais no fazer comunicativo-musical. N�o se trata mais de uma m�sica para ser ouvida sem aten��o focalizada, sem concentra��o e esfor�o, como a muzak diuturnamente veiculada nos mass media. Por este motivo, tamb�m, exige muito da audi�ncia, que co-participa da po�tica musical compondo seus sentidos e rearranjando seus horizontes. Avessa � passividade alienada, tanto quanto � hiperatividade racionalista, essa nova m�sica demanda radicais mudan�as de atitude para permitir sua compreensividade.
Macroestrutura e Rela��es Mundificantes
Como meio de escapar �s armadilhas da vis�o de mundo cl�ssica, Letterblocks cria seus links mundificantes atrav�s de um arsenal de rela��es org�nicas com a nova f�sica e a antiga sabedoria oriental, cujas filosofias determinam um arcabou�o conceitual que supera as limita��es reducionistas do cientificismo positivista.
Se a arte tem como uma de suas principais fun��es des-velar o que estava oculto, pode beber em duas fontes �mpares. Uma delas encontra-se na sabedoria milenar do misticismo oriental. A disposi��o n�o apenas para o estudo, mas principalmente para vivenciar o saber proveniente da medita��o e do atingimento de estados elevados de consci�ncia, pode se mostrar como inesgot�vel fonte de inspira��o. A outra, na f�sica qu�ntico-relativ�stica ocidental, capaz de fornecer material quantitativa e qualitativamente riqu�ssimo em termos de conclus�es assustadoramente inovadoras e largamente desconhecidas dos grandes p�blicos.
Letterblocks, fruto de profundos esfor�os reflexivo e experimental, buscou seus elementos formantes simultaneamente naquelas duas fontes. Pretensiosa e ousada, se prop�e a desocultar modelos novos e mais abrangentes de interpreta��o da realidade.
� acausal pois transcende a dedutibilidade relacional antecedente/consequente, t�picas da m�sica estruturada tonalmente. As regras da harmonia tonal organizam as sequ�ncias de acordes de modo que partam de um ponto de repouso, se afastem, se tensionem e retornem ao repouso. O cadenciamento harm�nico submete-se a uma l�gica causal e, por consequ�ncia, altamente previs�vel. Depois do princ�pio da incerteza de Heisenberg, a pr�pria f�sica rendeu-se � impossibilidade de previs�o absoluta dos encadeamentos causa-efeito. A mec�nica qu�ntica reconhece sua incapacidade de prever com precis�o a posi��o e o momentum simult�neos de uma part�cula, de modo que hoje restringe-se a trabalhar com probabilidades. Letterblocks, por sua vez, ser� uma nova pe�a a cada execu��o. Imprevis�vel a todos, compositor, int�rprete e ouvinte, ainda que, ao mesmo tempo, seja a mesma pe�a, com os mesmos signos e gestalts.
� atonal, n�o porque renegue a tonalidade, mas porque a transcende num sistema mais amplo e abrangente. Letterblocks, se os int�rpretes assim o desejarem, pode ser improvisada exclusivamente sobre uma escala diat�nica. Ainda assim, como subjaz a sintaxe determinada por rela��es gest�lticas � e n�o-hierarquizadas � entre os signos, de forma alguma soar� como uma pe�a tonal.
� presentificante por nascer do improviso submetido �s rela��es imediatas entre os envolvidos na experi�ncia est�tica de sua realiza��o. Se o compositor orienta o int�rprete a dizer algo sem diz�-lo ao ouvinte, subjazem necessariamente elos imediatos que suportam a media��o atrav�s da m�sica. � puramente acidental a ordem temporal em que as ocorr�ncias musicais emergem, de forma que n�o h� elementos passados ou futuros, mas uma realidade en bloc que se desoculta e � percebida espa�o-temporalmente.
�, tomando de empr�stimo um interessante termo koellreuttiano, onijetiva. Na tradi��o musical ocidental o conjunto compositor/int�rprete � o sujeito, ativo e autorit�rio dono do saber, enquanto o ouvinte � objetificado em sua passividade, impot�ncia e ignor�ncia. Sua fun��o � a de, na melhor das hip�teses, entender reativamente a coer�ncia do discurso musical e regozijar-se por ter percebido que a parte final da obra ouvida n�o passa de uma transposi��o com pequenas varia��es da primeira parte. A supera��o do esquema dual sujeito/objeto se realiza em Letterblocks na onijetividade obtida com a abertura � co-autoria de int�rprete e ouvinte. Trata-se de uma rela��o ativa, onde a consci�ncia interfere determinante e sincronicamente na gera��o e compreens�o da obra.
� hist�rica, diacr�nica, ou seja, leva em considera��o o desenrolar hist�rico sem se deixar por ele aprisionar, na medida em que considera o homem como seu gestor. N�o renega o passado, mas o critica em suas rela��es com o momento sincr�nico, de modo a transcend�-lo. Contextualiza-se globalmente, permitindo leituras compreensivas tanto ocidentais quanto orientais � se � que tais categorias ainda existem desentrela�adas.
N�o � diacl�sica mas fractal. Antes de se considerar um peda�o separado do todo, � muito mais uma parte que guarda rela��es �ntimas com o todo do qual, na realidade, nunca se afasta. Por n�o se pretender isolada espa�o-temporalmente da realidade, em sua falta de princ�pio e fim, referencia a infinitude reproduzindo, na escala em que ocorrer, com maior ou menor grau de detalhamento, a realidade paradoxalmente cotidiana de onde emerge.
� pluri-dial�tica, na medida em que transversalmente supera dualismos dinamicamente inter-relacionados como conson�ncia/disson�ncia, grave/agudo, som/sil�ncio, princ�pio/fim, causa/efeito, ordem/caos, sujeito/objeto, compositor/ouvinte, etc., elevando ao mesmo grau de import�ncia destes extremos toda a mir�ade de possibilidades existentes entre eles. Assim como a dupla nega��o hegeliana pretende o afastamento do objeto negado, esta proposta est�tica pretende a supera��o da vis�o tri�dica � apoiada na pendularidade tese-ant�tese � da dial�tica.
� cr�tica; p�e em quest�o n�o apenas nossa vis�o da arte, mas nossa vis�o de mundo. Evidencia aspectos que se confrontam diretamente com as ideologias da domina��o, tais como: democracia entre os elementos composicionais da obra, democracia das rela��es compositor-int�rprete-ouvinte, liberdade improvisat�ria, supera��o dos dualismos, etc.
� hologr�fica, usando como met�fora o conhecido m�todo de reprodu��o a laser de imagens tridimensionais. A caracter�stica mais marcante de um holograma � que ao se cortar um peda�o de um negativo hologr�fico e o iluminar, obt�m-se n�o uma parte da imagem, mas a imagem inteira, ainda que menos detalhada que a original. Isto ocorre porque a imagem hologr�fica se distribui no negativo atrav�s da interfer�ncia de ondas. Esta caracter�stica rela��o entre parte e todo, na qual a parte cont�m elementos referentes ao todo, tem sido aplicada frequentemente �s novas teorias paradigm�ticas. Tais teorias � encontradas hoje nos mais diversos campos epist�micos, desde a f�sica, a biologia, a medicina e a psicologia at� a sociologia, a economia, a filosofia e o misticismo � reconhecem a virtualidade metaf�rica do holograma; no entanto, evidenciam que as vis�es positivistas, que sup�e tratar exclusivamente de fatos comprovados cientificamente, est�o da mesma forma no campo virtual dos modelos, que n�o devem ser confundidos com a pr�pria realidade. Letterblocks se estrutura num plano limitado pelo c�rculo, mas suas possibilidades s�o potencialmente infinitas. Qualquer trecho da pe�a referencia o todo, assim como num holograma. A sua imagem sonora n�o se concentra em partes mais ou menos importantes, assim como n�o pode ser fragmentada em peda�os estanquizados. Ela pr�pria � um fragmento veross�mil da realidade. N�o de qualquer realidade, mas da pr�pria realidade composta dos inter-horizontes dos seres envolvidos em seu vir-ao-mundo. Assim, n�o h� erro poss�vel, mas experi�ncia inelut�vel.
� ontol�gica, na medida em que n�o busca revelar uma realidade outra ou distante, mas o pr�prio ser daquele que se situa frente a ela, que nela se projeta na viv�ncia-frui��o est�tica.
Sua macro-estrutura��o se baseou num sonho desmitificante e remitologizante, numa poesia cuja realidade se encontra na virtualidade de um novo paradigma sist�mico, ontol�gico e holon�mico.
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Criada em 05/Nov/97
Atualizada em 05/Nov/97
Se voc� � instrumentista e tem interesse em receber uma c�pia da partitura dessa obra, mande-me um e-mail: eufrasioprates@gmail.com.
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