Caçada aos Gambozinos
 
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UMA CAÇADA AOS GAMBOZINOS

Em Moçambique havia a tradição de pregar partidas às pessoas que chegavam de novo, utilizando-se as mais variadas formas de ridicularizar as vítimas. Isso acontecia como forma de divertimento e acabaria pouco depois com uma bela jantarada para comemorar o baptismo dessa pessoa e normalmente as amizades eram cimentadas para sempre.
Uma das partidas mais comuns era a “caça aos gambozinos” (1)! Por norma o novato acabado de chegar de Portugal era convidado e preparado psicologicamente para uma bela caçada, cujos animais eram muito apreciados e fáceis de apanhar. O grupo, de cinco ou seis comparsas, munia-se de sacos e cada um deveria ficar com o seu bem aberto à espera, em locais estratégicos, para que os gambozinos fossem capturados quando espantados por dois ou três “especialistas”..
Uma vez no local da “caçada”, em pleno mato e longe da vila, era aconselhado total silêncio e paciência na espera com o saco aberto, não fossem os “animais” desviar-se do caminho dos mesmos. Na espectativa de uma boa caçada e seguindo as regras estabelecidas, o “japonês” (2) era sorrateiramente abandonado pelos restantes do grupo e por lá ficava até descobrir que caíra numa tal marosca! O regresso a casa teria de ser feito a pé e como os caminhos no mato, à noite são sempre difíceis de percorrer, acabaria por se perder e ficar por lá até que amanhecesse. Desiludidos, frustrados e por vezes muito zangados, lá conseguiam chegar à vila, quantas vezes todos esfarrapados e até com mazelas. Quando as vítimas eram pessoas pacíficas e que encaravam a brincadeira com certo desportivismo, tudo acabaria em bem e uma bela jantarada acontecia para festejar o seu baptismo! Porém, se o “japonês” não reunia estas condições e havia sofrido bastante com a brincadeira, a sua reacção por vezes era muito complicada e acarretava problemas aos seus "carrascos".
Durante a minha permanência em terras do interior, onde estas partidas aconteciam com frequência, testemunhei e foram-me contados casos muito complicados precisamente por neles terem participado indivíduos menos compreensivos, ou por se ter exagerado nas formas de baptismo. Um deles, ocorrido em Montepuez na década de 50, quási resultou em mortes, pois o “japonês” envolvido, desesperado e encolerizado devido a uma noite muito sofrida, quando regressou a casa muniu-se de uma caçadeira e foi procurar os comparsas que o humilharam. O primeiro que apareceu levou um tiro nas pernas e os outros, mesmo em fuga, foram igualmente atingidos. Felizmente que a autoridade local actuou a tempo, evitando certamente a morte de algum deles…O trauma deste indivíduo foi tal que não conseguiu aceitar essa partida, ficando zangado com aqueles que a promoveram e pouco tempo depois ausentou-se da vila! Deixou um desabafo: “..nunca mais voltarei a esta terra porque as pessoas aqui são autênticos animais…”(3)

Notas explicativas:
(1) A palavra “Gambozino” é definida nos dicionários como: “peixes ou pássaros imaginários, para a pesca ou caça dos quais se convida o pacóvio, que certos graciosos querem enganar”. Em Moçambique definia-se o gambozino como sendo um animal de quatro patas, maior que o coelho, muito bom para comer e que à noite era facilmente caçado com o uso de sacos.
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(2) Por “japonês” eram designados aqueles que acabavam de chegar de Portugal para trabalhar em Moçambique e que nada sabiam dos hábitos e do meio ambiente africanos.
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(3) Nestas estórias omitirei sempre os nomes dos respectivos intervenientes, por razões óbvias.
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Voltarei com novas estórias

 Marrabenta, Fevereiro de 2000

Celestino Gonçalves

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