Folha
de São Paulo, 25/04/2003
Bandas
paulistas semeiam "agro mood"
Saiu
no diário de Pernambuco como : Releitura do mangue beat
Paulistas misturam rock’n’roll com cultura popular e criam
o agro mood
Israel do Vale
São Paulo - O espólio do mangue
beat começa a dar frutos em solo paulista. Uma década depois
do manifesto que lançaria as bases do movimento estético mais
influente do rock brasileiro desde a tropicália, um grupo de
bandas do interior e da capital passa de trator sobre os
preconceitos com a cultura popular para colher uma releitura
rural do rock paulista que pode ser chamada de agro mood.
A mistura de rock com moda de viola, umbigada, samba-lenço,
jongo, folia de reis e outras manifestações deixadas pela
passagem do africano e do europeu pelo interior paulista gera
uma safra crescente de "novas bandas calejadas",
acocoradas sobre o que o antropólogo Hermano Vianna chama de
pós-caipira.
Como no mangue beat, nada caiu do céu. O terreno vem sendo
fertilizado desde a segunda metade da década passada por grupos
como Mercado de Peixe - dono de um dos trabalhos mais maduros
até o momento, como se pode constatar por seu terceiro álbum,
Roça Elétrica, lançado esta semana em show para 400 pessoas
em Bauru, sua cidade de origem.
Pelo menos outras sete bandas seguem trilha parecida no Estado -
duas delas, Caboclada e Matuto Moderno, originárias da capital.
Como no mangue beat, a diversidade impera. Do mesmo modo que se
reuniram sob um só guarda-chuva recifense cabras distintos como
Chico Science e Nação Zumbi, Mestre Ambrósio e Fred Zero
Quatro, os caboclos paulistas mostram que o método é similar,
mas as referências não. "Somos deste mar de
cana-de-açúcar que é o interior de São Paulo", diz
Ricardo Polletini, guitarrista e violeiro do Mercado.
viola melódica - Se no lamaçal nordestino o
instrumento-símbolo era rítmico (o tambor), no canavial
bandeirante ele é melódico (a viola). "Este é o canto
popular do caipira paulista", reza em lamento surrado o
pesquisador Cornélio Pires (1884-1958), sampleado em Exe, faixa
de abertura de Roça Elétrica.
Candidato a ideólogo do agro mood , Cornélio Pires foi na
primeira metade do século passado uma espécie de Câmara
Cascudo da vida cabocla paulista. Pires não está sozinho no
panteão de referências. "Salve Inezita Barroso",
exalta Théo Werneck, da Caboclada, que vê paralelos com a
sonoridade caipira até em ícones do rock como Keith Richards.
"Toco uma guitarra de dez cordas que eu chamo de guiola,
com afinação de viola caipira rio abaixo, em sol aberto, muito
usada por ele e por artistas do blues".
A parte mais viçosa do agro mood poderá ser vista em agosto,
na segunda edição do Caipira Groove.
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