A
viola elétrica
Acompanhando a evolução do violão, nota-se que foram
introduzidas ao longo dos anos diversas modificações para que
o instrumento se adaptasse a novas formas de propagar seu som. O
próprio surgimento da guitarra elétrica veio da necessidade de
se amplificar o som do violão quando tocado juntamente com
outros instrumentos de maior potência sonora, como os de sopro.
Recentemente, passaram a ser fabricados
instrumentos que possuem características híbridas de guitarra
elétrica e violão. São os violões de corpos maciços como os
das guitarras, mas que guardam características típicas de um
violão, como o cavalete de madeira e o uso de cordas de
náilon. Há diversas outras variações em cima desta idéia,
inclusive versões maciças de instrumentos árabes sem trastes,
e a fábrica Godin é talvez a mais notória por construir este
tipo de instrumento.
Assim como a guitarra não substitui o
violão, estes violões maciços não substituem nenhum dos
dois, mas guardam algumas vantagens sobre seus irmãos
acústicos. Dentre elas, maior resistência e facilidade de
amplificação, além de serem menos sujeitos à microfonia.
Também a viola caipira evoluiu com o tempo.
A construção do instrumento por parte de luthiers ou fábricas
está bem mais sofisticada do que a que era usada pra fazer as
velhas violas de Queluz. Também são várias as formas de se
amplificar o som da violinha em shows, com captadores
magnéticos, de rastilho e outros tipos, mas será que ninguém
pensou em fazer uma versão "guitarra" da viola
caipira?
Fui atrás da informação e achei alguns
fatos interessantes.
Descobri que a Cheruti, do Rio Grande do Sul,
durante um tempo colocou entre seus produtos uma viola elétrica
semelhante a uma guitarra. Seu corpo era semi-acústico, o
cavalete era de madeira e a captação era do tipo piezo.
Segundo o que me informou a fábrica, o guitarrista da banda
Plebe Rude, Jander Bilaphra, possui uma destas e a usou no Rock
in Rio II. Infelizmente, não há registro de nenhuma música
gravada com o instrumento.
Outra viola elétrica foi construída pelo
luthier Vergílio Lima, de Sabará-MG, para o violeiro Pereira
da Viola. Embora fosse maciça, possuía uma "boca"
para dar uma cara de viola acústica (não sei por quê). Esta
viola foi vendida para o violeiro Ricardo Vignini (Matuto
Moderno) e hoje está com Luciano de Moraes (Brazmusic). Seu
sistema de amplificação é L.R. Baggs e o que me chamou a
atenção quando tive oportunidade de tocá-la foi seu braço,
que é muito semelhante ao de uma guitarra elétrica - e ótimo
de tocar.
Uma solução interessante - e a mais
parecida com uma guitarra de dez cordas - foi encontrada pelo
guitarrista e violeiro Théo Werneck, da banda Caboclada. Ele
pegou uma guitarra Danelectro de 12 cordas e retirou duas delas,
removendo inclusive
os carrinhos e as tarraxas. Eu o vi usando a "guiola"
(como ele a chama) ao vivo e seu som pode ser ouvido no CD da
Caboclada, Domínio Público.
Pois é, mas já estava na hora de alguém fazer
uma viola elétrica maciça definitiva, como os violões Godin
que eu mencionei no início. No final de 2004, ouvi de um amigo
que havia um luthier em São Paulo fazendo um modelo semelhante
aos Godin, só que com dez cordas. Fiquei com as antenas ligadas
e pedi pra este meu amigo me avisar quando ela ficasse pronta,
mas não foi preciso, em janeiro recebi um telefonema do Ricardo
Vignini dizendo que a tal viola estava com ele e que ele a
estrearia num show do Matuto Moderno naquele mesmo mês.
Encurtando a prosa, fui ao show, vi, ouvi e
toquei a viola elétrica, que é sensacional. Difere de uma
guitarra elétrica especialmente devido ao tamanho da escala e
as dimensões do braço (além do número de cordas, claro), seu
cavalete é de madeira, possui dois captadores magnéticos Lace
Sensor e um piezo embaixo do cavalete. Tem um pré-amplificador
ativo embutido e apresenta muitas possibilidades timbrísticas.
No show, que era num lugar pequeno e
pouco barulhento, o som do instrumento estava impecável,
substituindo tranquilamente uma viola acústica amplificada.
A viola elétrica foi construída pelos
luthiers João Scremim e Márcio Benedetti, seu modelo se chama
Arteiro e vai ser produzido em série. Eles estão pra colocar
no ar um site através do qual os violeiros (modernos ou não)
vão poder saber mais sobre o instrumento e em como adquiri-lo.
A viola é um instrumento ancestral que
viajou o mundo e se abrasileirou. É o coração de uma música
genuína que sobrevive ao tempo e aos modismos, adaptando-se sem
perder suas características. A Arteiro não vai tomar o lugar
das violas acústicas, mas é inegavelmente uma evolução do
instrumento e eu, que acompanho as mudanças da música caipira,
espero que ela tenha vindo pra ficar.
fevereiro
de 2005
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