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joana angélica cinema e história José Carlos Avellar |
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Jornal do Brasil, 11.04.82 A primeira imagem toca na tela e de imediato se percebe a qualidade mais evidente de Joana Angélica: a escolha do ponto-de-vista de onde a câmera deve observar a cena. A ação propriamente dita - algumas freiras passeiam no jardim do convento - é quase nada. Quem age de fato é a câmera. Ela passeia também, e lentamente, pelos espinhos do caule de uma roseira até encontrar a flor na ponta do galho, e por trás dela a mão e o rosto de uma freira. Fica aí por um instante e logo prossegue o passeio, por um outro caule, e uma outra flor, e um arbusto vizinho, afastando-se pouco a pouco para revelar o jardim por inteiro e as outras freiras. Importante, neste momento, não é apenas o que se vê, mas também o movimento do olhar. Ao mesmo tempo em que vê os cenários, as pessoas e as ações filmadas, o espectador vê a maneira de filmar, recebe as duas informações simultâneas. Ou mais exatamente, uma vez que não é possível separar uma coisa (o que se vê) da outra (o como se vê): o espectador recebe uma informação mais rica, complexa, resultante de uma tensão criativa entre o espaço e a ação real que se encontra diante da câmera e o fragmento deste espaço e desta ação selecionado pela câmera para mostrar ao espectador o que se passa na cena. Maria Fernanda, que interpreta Joana Angélica, no pátio interno do convento num qualquer instante da tarde, com o sol já inclinado projetando no chão as sombras das colunas e arcadas que protegem o pátio. A câmera começa a obsevar a cena com os olhos no chão, pegando primeiro a mancha escura das sombras no chão claro para subir depois para a roupa, branca e preta também, da freira. A ação, uma outra vez, é quase nada. A informação dramática que o espectador recebe vem de conjugação deste quase nada com o modo de olhar. Vem do ponto-de-vista adotado pela câmera, que, muito hábil, vai buscar a coisa expressiva lá onde ela se encontra, mesmo numa cena ou num cenário de aparência banal. Walmor Chagas, que interpreta o governador da Bahia, dita para o escrivão uma carta ao rei de Portugal. Alerta sobre o perigo de uma revolta contra a autoridade do reino com a aproximação dos que se tornaram nobres com as riquezas do Recôncavo com a gente pobre da cidade de São Salvador. O governador caminha no terraço de seu palácio enquanto dita a carta para o escrivão. A câmera segue sua caminhada, e ao fazê-lo revela por trás do personagem a parte velha da cidade de Salvador, como seria de se esperar num filme cuja ação se passa no século passado, em torno da independência. Mas a certa altura o ator e a câmera fazem meia volta e o cenário se modifica, o que aparece então no fundo da imagem é um trecho da parte moderna da cidade. Mais uma vez a câmera se conjuga com os gestos que os personagens fazem em cena para revelar alguma coisa que vai além da simples compreensão do imediatamente visível. Essa intromissão de um sinal contemporâneo numa história ambientada no passado resume bem o objetivo principal do filme de Walter Lima Júnior, que se movimenta de um tempo para o outro, que vai de um cenário a outro, com a mesma elegância e firmeza do movimento de câmera que sai dos espinhos para o rosto de Joana Angélica; ou do movimento das sombras no chão para a freira no pátio do convento; ou do cenário da Bahia do século passado para a Salvador de agora. Trata-se de contar a história de Joana Angélica (ou talvez até menos que isto, trata-se só de mostrar o seu gesto na porta do convento ameaçado por soldados portugueses), e de contar ao mesmo tempo como esta história permanece viva na Bahia, durante as festas do 2 de Julho. Da imagem de Walmor Chagas no terraço, do salto no tempo efetuado com um simples movimento de câmera, passamos a uma outra imagem onde o mesmo Walmor, ainda com o traje que usara na cena anterior, repete o texto que acabara de ler (mas agora num tom mais direto e frio, sem interpretar) para iniciar uma entrevista com alguns historiadores sobre o que se passava na Bahia entre março de 1822 e julho de 1923. E o filme segue assim, com idas ao passado e saltos para o presente. Entrevistas com Hélio Pellegrino, Cid Teixeira e Calazans Sena, e flagrantes do desfile de 2 de julho pelas ruas de Salvador, entrecortam a encenação da pouca coisa anotada nos livros e das muitas coisas gravadas na memória popular em torno de Joana Angélica. A ficção e o documento se misturam, se relacionam assim como se ligam o espaço e as pessoas que compõem a cena e a câmera que registra as formas e os movimentos. Uma ação explica a outra, uma coisa complementa a outra, o filme se situa bem no limite entre a reconstituição do passado e o retrato do presente, entre a ficção e o real, entre o cinema e a história. Entre a fotografia em movimento usada como um meio de registrar um acontecimento e usada também como um meio de se expressar através de luzes e sombras. Raros filmes brasileiros recentes se servem da luz de modo tão expressivo quanto este realizado por Walter Lima Júnior há quatro anos para ser veiculado através das televisões (mas que permanece até hoje inédito pelo desinteresse das emissoras). Quem chegar a Joana Angélica trazendo na memória o caminho cinematográfico do realizador certamente entrará no filme à espera de uma nova proposta de encenação. Isto porque de filme para filme, de Menino de Engenho (1965) a Brasil Ano 2000 (1969) e daí a Na Boca da Noite (1971) e A Lira do Delírio (1978), Walter tem seguidamente mudado de tom, procurado uma nova forma de narrar, sem se prender muito à experiência anterior. No entanto, mesmo para quem entra à espera de algo novo, o filme surpreende pela vontade de se inventar e pela eficiência deste invento, feito com meios simples. Tudo se resume ao cuidado com que Walter escolhe o ponto em que deve colocar a luz e a câmera. Tudo se resume a iluminar o passado de um ponto-de-vista de hoje. |
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