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brasil ano 2000

a tanga ao lado do foguete
Walter Lima Jr.

Mundo Jovem, no. 1
Por quê o ano 2000? Principalmente para quem fez Menino de Engenho, esta é uma pergunta de todos os dias Por quê não? A cada estação que passa vemo-lo aproximar-se decidido pela janela: no avião que voa mais rápido; no novo som que nos cerca; na arma que nos mata mais rapidamente; na batalha que trouxemos para as cidades alegremente; no ruído das máquinas; no gás que nos sufoca; no pavor dos reacionários. Certo, é ainda uma idéia em quadrinhos, mas é também uma nova moral; um limite que a classe consumidora convencionou traçar entre a precariedade e o conhecimento. Ano 2000, DC.

Resolvi invocá-lo justamente porque o mistificaram como limite; porque o julgamos uma idéia remota embora eu o sinta cada vez mais perto. Por isso resolvi flagar-me nu às suas vésperas. Antecipei-me às três décadas que dele me separam formalmente e resolvi eu mesmo escandalizar-me com a sua presença tão absurda para um habitante tristonho do Terceiro Mundo como eu. Meu filme é o fruto desse escândalo: o de não ser contemporâneo do tempo que me foi dado existir e a minha passividade diante disso. Digo minha quando quero dizer nossa. Brasil Ano 2000 é uma aquarela da classe média do Terceiro Mundo obrigada a suportar a presença (incoveniente, porque constrangedora) do tecnicismo moderno; a refletir-se nele; a procurar sua semelhança, sua imagem precária no mundo da ciência. Todo mundo sabe que uma coisa não tem nada a ver com a outra; nossa classe média passiva e piedosa e o tecnicismo industrial moderno. Somos apenas contemporâneos. Ou mais exatamente as testemunhas do processo. Invejamos os que nos roubam e marginalizam. E deixamos a culpa para os outros. Estamos na janela, observando o nosso tempo se esgotar, com seus sons e seus gases. Deixo de lado o problema do imediatismo político-existencial da classe média e procuro colocar em meu filme um índio numa base de foguetes. Com tanga e tudo. Deste confronto, chegamos à conclusão de que estamos diante de um homem ao lado de um totem; ou de um índio ao lado de um foguete mesmo.

Brasil Ano 2000 é em cores. Tropicolor. Ou seja, a luz dos trópicos impressa em Eastmancolor. Nele utilizo tudo que tenho disponível às mãos para caracterizá-lo como um espetáculo-súmula de nossa realidade. Uma larga produção foi necessária para cumprir todas as exigências ideais na criação de sua atmosfera fantástica. O grau de fantasia que o envolve apenas age como elemento de esforço da caricatura global a que o filme se propõe: no Ano 2000 não há mais nações superdesenvolvidas. Teriam simplesmente se arrebentado num conflito hidrogênico. O desaparecimento dessas sociedades não implica num dado de antevisão realística. Simplesmente liquidei com os desenvolvidos porque sem eles não somos mais subdesenvolvidos. Sem dúvida, trata-se de uma medida radical , algo simplista, mas optei por isso porque gostaria que meus personagens se apresentassem sem o menor embaraço, totalmente livres e sem o costumeiro e odioso complexo de culpa e castração que os caracteriza na vida prática. São uma família comum, solta no mundo. Mãe, filho e filha. Não há nomes, eles apenas vagam pela estrada, levando suas propostas existenciais. Por exemplo, a mãe puxa às costas sua cristaleira instalada sobre rodas. Durante o filme eles são transformados em índios, para justificar um mecanismo burocrático dado. Tupi or not tupi – that is the question. É preciso tentar alguma saída ou saber-se reconhecer de tanga ao lado de um foguete. Eis o ponto de partida de uma trajetória de descobertas e apreensões, onde as músicas de Gilberto Gil e Capinam, a cenografia de Marcos Flacksman e eu nos juntamos num contínuo comentário crítico em planos diversos. A caricatura da nossa realidade ou o realismo brasileiro em estado puro, sob a forma do espetáculo cinematográfico. Eis o que resolvemos experimentar.
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