Harry Potter e a Filha do Auror
by Talita Teixeira

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Capítulo 16 ~ Desconfianças e mais revelações

Os dias que se seguiram aquele encontro no terraço transcorreram, para Harry, de uma forma completamente inusitada. Em primeiro lugar, ele sentiu gradativamente que deixava de desejar a professora daquele modo estranho e doentio; em segundo lugar, porque se sentira culpado de ouvir todas aquelas coisas. Achou prudente não revelar a Rony e Hermione a parte em que os dois professores se beijaram, até porque era um segredo deles que Harry violara, e se sentia muito mal com isso.

_ Que história! - Hermione não conseguia acreditar no que Harry contara a ela e a Rony na sala comunal da Grifinória - Ele era o fiel do segredo de onde ela estava escondida....também...ser obrigada a participar de uma Missa Negra....um sabá de bruxos das trevas!

_ Como é isso ? - Rony, que sempre evitava os assuntos ligados às Artes das Trevas, não se atrevia nem mesmo a citar a palavra sabá.

Hermione, que já havia pesquisado sobre os sabás para uma redação do professor Binns, explicou para os dois garotos como era uma Missa Negra:

_ Bem...- começou, com um ar de superioridade - ...acho que primeiro preciso explicar a você, Rony, como funciona o Cristianismo, a religião que grande parte do mundo dos trouxas segue....

E então explicou rapidamente quem fora Jesus Cristo e como as idéias lançadas por ele se disseminaram pelo mundo.

_ Mas, no entanto, haviam na época de Jesus muitos bruxos ou iniciados em Magia.... - continuou, enquanto Rony e Harry não desgrudavam os olhos dela -....não agiam como os bruxos de hoje, não voavam em vassouras, e tentaram conviver pacificamente com os trouxas...

_ E não deu, não é ? - perguntou Harry.

_ Não. Os essênios e outros grupos iniciados em Magia foram segregados....e lentamente perceberam que deveriam viver afastados dos trouxas, como ocorre até hoje....

_ E o que aconteceu depois? - Rony perguntou, ansioso.

_ Bem...a Igreja organizou-se, com sacerdotes e tudo mais...só que não estava mais tão interessada assim no que Jesus havia pregado tanto tempo antes...eles desejavam ouro e poder, e não tardou que vissem nas pessoas do nosso povo uma ameaça...e começou então a queima das Bruxas, ou a Inquisição...

_ Mas eu me lembro de que muitas bruxas e bruxos escaparam sem problema algum.- argumentou Harry. Lembrava-se de ter feito também a mesma redação que Hermione fizera, no terceiro ano deles em Hogwarts e cujo tema era A queima de bruxas no século XIV foi completamente desnecessária, mas, naturalmente, a amiga pesquisara mais a fundo - como sempre - o assunto.

_ Sim, Harry, escaparam, pois é fácil para um bruxo controlar o fogo, ou desaparatar durante uma sessão de torturas....só que os inquisidores fizeram pior: começaram a torturar trouxas, achando que se tratassem de bruxos....foi realmente uma coisa horrível....

_ E onde entram as...Missas Negras? - Rony perguntou, cauteloso.

_ As Missas Negras são uma paródia, Rony, das missas católicas...é difícil explicar para você, porque você nunca esteve em uma, não é?

Harry lembrava-se de freqüentar a igreja anglicana com os Dursley quando era pequeno, mas como tiveram problemas sérios envolvendo Duda e alguns garotos da escola dominical, os Dursley acharam melhor se retirarem. Desde então Harry não pisara mais em uma igreja, mas sabia perfeitamente do que se tratava.
_ Como assim, uma paródia? - perguntou Rony, dando de ombros.

_ Uma paródia... - Hermione procurava palavras - ...porque alguns bruxos das trevas acharam muito divertido brincar com os simbolismos cristãos...a hóstia...que é uma espécie de pão...transformou-se em...em...
_ Em... - Harry e Rony perguntaram, quase ao mesmo tempo.

_ Em uma coisa nojenta feita com...com...coisas....com....excrementos humanos...- disse, por fim, respirando fundo.

Rony fez uma careta de esgar, enquanto Harry tapou a boca com as mãos:

_ Que horror, como podem ter feito isso? - Harry agora entendia porque a professora fugira. Ele também fugiria, se fosse obrigado a participar da Missa Negra.

_ E o pior não é isso... - continuou Hermione, desolada - ...o pior é que o vinho da cerimônia cristã....o vinho...ele representa o sangue...e, na Missa Negra...eles usam sangue de verdade...sangue...inocente....

_ Sangue de bebê...- Harry completou, sombriamente.

_ Isso mesmo - Hermione assentiu com a cabeça.

Então fora isso. Pablo Palomba forçara a filha a participar de uma Missa Negra, e ela se recusara....e ele, mais tarde, se tornara um auror...como podia uma coisa dessas?

Depois do que presenciara no terraço, Harry descartou as possibilidades de que Snape ou Luna estivessem envolvidos com Voldemort. Além disso, nada denunciava o fato do pior bruxo de todos os tempos ter recuperado suas forças, e a vida continuava normalmente em Hogwarts. Snape ainda era um professor terrível, - que o digam todos os quintanistas da Grifinória, porque, naquela manhã, a prova escrita e prática que Snape aplicara estivera simplesmente horrível, com o professor torturando-os com observações azedas. Ainda assim, ele agora parecia um tanto menos desagradável. É claro que apenas Harry notara esta mudança, mas ela era bem significativa, e o menino não podia deixar de notar que um sorriso cúmplice contraia os lábios finos de Snape quando ele conversava com a professora Luna. O mesmo podia se dizer dela, que estava, a cada dia que se passava, mais radiosa.

Haviam se passado duas semanas desde que Snape e Luna se beijaram no terraço, e desde então Harry imaginava se os dois poderiam estar se encontrando secretamente em algum lugar de Hogwarts. Deitado em sua cama de baldaquino, Harry não conseguia dormir.

Embora não compreendesse como alguém tão agradável quanto Luna Cortazar pudesse gostar de Snape, Harry percebia que houveram muitos desentendimentos na vida de ambos. E eles haviam sido muito amigos...mas será que amigos poderiam se gostar daquela maneira? Pensou em Hermione, e no quanto ela mudara desde que se conheceram, há cinco anos atrás.

A Hermione que ele conhecera quando tinham onze anos era uma garota com dentes grandes e cabelos horríveis, e não lembrava em nada a Hermione que ele vira como par de Vítor Krum no Baile de Inverno. Ela estava diferente e com um...

_ Corpo bonito...- falou baixinho.

E então imaginou-se beijando Hermione...

Um sentimento estranho percorreu seu corpo e o fez estremecer, encolhendo as pernas.

Não, isso nunca poderia acontecer, porque afetaria seriamente a amizade deles. Tentou pensar em Cho, mas também não conseguiu. Era estranho, mas o beijo entre Snape e Luna mudara muitas coisas para ele também.
Percebia agora que eram dois adultos que estavam se relacionando depois de anos e anos de mal-entendidos. Tinham, ambos, histórias tristes na bagagem. Snape era um homem amargurado, e Luna, uma jovem mulher deprimida e sozinha.

Harry revirou-se na cama e decidiu que iria dar uma volta. Fechou o robe, apanhou a capa da invisibilidade e aprontou-se para sair. Precisava pegar um pouco de ar frio no rosto, até porque se culpava por ter pensado em Hermione daquela maneira.

Quando Harry saiu com a capa da invisibilidade, se viam nos corredores alguns enfeites de abóbora pendentes do teto, mas o garoto não ligava nem um pouco para eles. Naquele meio do mês de outubro, a escola toda já se aprontava para o Festa do Dia das Bruxas, e haviam rumores e conversinhas nos corredores sobre a festa destinada aos alunos do quarto ano para cima. Harry francamente não estava muito empolgado para festa nenhuma, embora, assim como Rony, tremesse nas bases a respeito de convidar alguma garota. Ele, naturalmente, lembrava-se do fiasco que havia sido ele e o amigo terem convidado as irmãs Patil para serem seus pares no Baile de Inverno. Agora, no entanto, estava se sentindo mal, sufocado, chateado consigo mesmo...não...odiava-se por imaginar-se beijando Hermione, odiava-se por não ter ido ao baile com Cho no ano anterior, odiava-se por ter tido pensamentos estranhos sobre a professora Luna, odiava-se quando aquelas sensações enchiam o seu corpo e mexiam com a sua cabeça, e odiava-se porque gostava delas....

Harry dobrou um corredor e caminhou a esmo na escuridão. Nem reparou que os archotes que pendiam das paredes estavam apagados. Não sabia nem mesmo onde estava indo, mas imaginava que fosse o terraço...subiu as escadas contrafeito, odiando-se porque, mais uma vez, sua curiosidade o vencera....
O terraço estava fracamente iluminado por dois lampiões, e nem precisaria, pois a lua cheia brilhava intensamente. Duas pessoas estavam ali. Snape e Luna.

O professor sentara-se num banco alto que usavam para as aulas de Astronomia, enquanto a professora escorava-se de costas no parapeito do terraço, bem próxima a ele:

_ ...e você lembra...- disse ela, entre risos alegres - ...você lembra aquela vez em que eu errei a quantidade de plânctons na poção de envelhecer e os meus cabelos ficaram completamente cinza, e o professor Cardogan não conseguiu fazer eles voltarem ao normal?

Harry deduziu que o "professor Cardogan" deveria ser o professor de poções do tempo deles:

_ Claro...então foram buscar um aluno do segundo ano para fazer o antídoto....você estava tão engraçada, eu deveria ter deixado você daquele jeito... - Snape ria, e era um riso autêntico, não entortava seu rosto e nem o deixava feio - ...porque você não parava de tremer!

Luna se dobrou de tanto rir, segurando a barriga com as mãos:

_ Eu fiquei...fiquei muito brava com você....porque achei que ficaria com os cabelos cinza para sempre...

O professor então segurou a mão de Luna e falou, muito sério:

_ Ainda bem que eu sou bom em poções.

Luna enxugou as lágrimas que vertiam dos seus olhos com a outra mão e aproximou-se de Snape, ficando em frente a ele:

_ Você sempre foi bom em muitas coisas, Severo...você foi um bom amigo...eu é que nunca soube compreendê-lo...

Houve um silêncio momentâneo e Harry tapou os olhos porque achava que os dois fossem se beijar de novo, mas então:

_ Acho que é melhor entrarmos - disse Snape, meio sem jeito, desviando o olhar para as estrelas - amanhã é sábado e a Sonserina vai treinar...me convidaram...a mim e ao diretor... para assistir o treino...
Luna então sorriu de novo:

_ Você está mentindo...Dumbledore está viajando novamente e eu sei que você nem se importa muito com quadribol...Minerva McGonagall sim, é que se importa....

Snape voltou a ficar com as feições duras e Harry achou que aquele assunto não agradava muito ao professor:

_ Sim, ela se importa muito com o time da sua Casa....eu, realmente, não dou a mínima...mas, é claro, quando a Sonserina vence, eu gosto de ficar lembrando a todos, especialmente a Flitwick, Sprout e a ela...- completou, com um sorriso irônico no rosto.

Luna virou o queixo de Snape, forçando-o a olhar para ela:

_ Mas você sabe perfeitamente que Sonserina sempre vence aplicando golpes baixos...

Snape engoliu em seco, respirou fundo e falou, um tanto abatido:

_ Minha querida...Sonserina tem que manter sua fama de "Casa da qual mais saíram bruxos das trevas", esqueceu?

É uma tradição...e tradições são difíceis de serem quebradas.... - e desviou novamente o olhar.
Luna sorriu e fez Snape olhar novamente para ela:

_ E Draco Malfoy? Porque você protege esse menino?

O professor parecia considerar se iria responder ou não, mas por fim decidiu-se:

_ Draco tem uma vertiginosa queda para as Artes das Trevas...você entende, para ele é uma questão de orgulho familiar...que tolice...eu só pensei que, se ficasse atento, poderia evitar que o menino sofresse...como eu....devo isso ao Lúcio também...embora ele não perceba...

O professor calou-se e desceu do banco, encostando-se no parapeito. Luna virou-se também.

_ ...Lúcio...e você....vocês eram tão amigos...eram como Tiago, Sirius e Remo...

Snape olhou para ela e Harry temeu que alguma coisa acontecesse:

_ Por favor, não fale o nome deles - disse, em sua voz mais letal.

Luna afastou-se e agora tinha o rosto contraído. Agarrou com força o braço do professor e fez novamente com que ele a olhasse nos olhos:

_ Porquê? Porquê não posso dizer o nome deles? Porquê você fica assim? Cresça, Severo! Você ainda os inveja? Você inveja Tiago, que morreu sem poder ver o filho crescer? Ou quem sabe você inveja Remo, que vive

miseravelmente por aí, sem trabalho porque não tem culpa de ser um lobisomem? Ah...vai ver você ainda inveja Sirius, que foi mandado injustamente para Azkaban e anda por aí foragido! - falou, transtornada.

Snape ouviu tudo passivamente, e então a professora soltou-lhe o braço com violência e afastou-se.
Harry achou que era o momento para ir embora, mas virou-se e ficou ouvindo mais um pouco.

Snape engolira o orgulho e caminhava agora em direção a professora. Ela estava encostada em uma parede.

_ Olhe... - começou - ...eu tive minhas razões para odiar Potter, Black e Lupin...você sabe muito bem disso...você sabe as incontáveis vezes em que eles me pregaram peças....

_...porque você estava sempre pedindo por isso! - falou a professora, descontrolando-se - Você! Você!
Snape calou-se por um minuto, então disse com brandura:

_ Você tem razão...eu fui um tolo por muito tempo...um tolo orgulhoso, que invejava Potter no campo de quadribol...assim como Draco Malfoy inveja o talento de Harry Potter como apanhador...e eu invejava também Sirius Black, porque ele era...popular...

Harry estava um tanto constrangido de estar novamente no terraço ouvindo as confissões de Snape, mas algo não o deixava partir. Aproximou-se de onde os dois estavam para poder ouvir melhor:

_ ...e você sabe, Luna, o quanto Sirius Black era popular com as garotas.... - terminou Snape, com um sorriso tímido no rosto.

Ao ouvir o nome do seu padrinho, Harry ficou atento; Luna olhava para o lado, e o menino achou que a bela professora estivesse recordando alguma coisa, porque de repente ficou um tanto vermelha. O professor continuou, sentando-se agora no chão e escorando as costas na parede. Luna sentou-se também e escorou a cabeça no ombro de Snape:

_ Posso lhe contar uma coisa? - perguntou, sonhadoramente.

_ Sim...é sobre Sirius Black, não é? - falou o professor, com uma nota de amargura na voz.

Luna desviou o olhar e falou baixinho:

_ Éramos crianças, Severo....eu tinha apenas doze anos e ele, treze...ele esperou que eu saísse da aula de Herbologia, e então me convidou para irmos ver a lula gigante.... - nesse ponto, a professora abafou algumas risadas, das quais Snape não compartilhou - ...e então andamos um pouco, conversamos sobre o tempo e ele perguntou se podia me dar um...um beijo...na boca....

Snape olhou para baixo, muito calado. Luna prosseguiu:

_ ...foi muito estranho...era o meu primeiro beijo, você sabe...da parte dele eu acho que não era...eu estava feliz...ele era um dos garotos mais cobiçados da escola, eu...eu estava gostando muito dele...nos encontrávamos sempre depois das aulas, ninguém soube que estávamos juntos...mas houve aquele incidente sério entre vocês dois...

Snape interrompeu a professora, e falou num tom raivoso:

_ Não precisa me lembrar disso, porque eu fiquei na ala hospitalar por dois dias para esquecer assim tão facilmente.

Luna olhou para ele, muito séria:

_ Não fale assim comigo...eu e Sirius...bem...eu estava realmente gostando dele...mas logo em seguida vocês resolveram brigar daquele jeito, por causa de Remo Lupin... - falou a professora, um tanto exaltada.

_ Bem....não brigamos por causa de Lupin...isto é, eu já desconfiava que havia alguma coisa errada com ele - e o professor parecia hesitar um pouco em continuar - ...brigamos por causa de você...

Luna não parecia surpresa:

_ Eu sempre desconfiei que fosse por isso...porque você me evitou por algum tempo, e fingiu que estava dormindo quando eu fui lhe visitar na enfermaria...- falou, como se isso a fizesse lembrar coisas desagradáveis. - E, depois, eu e Sirius também nos afastamos por um tempo...mas preciso lhe dizer uma coisa, Severo...

_ O que é? - perguntou, sem emoção.

_ Sirius me esperou do lado de fora da enfermaria...é claro que eu estava muito chateada com tudo o que aconteceu...e então ele disse "me desculpe por ter batido tão forte no seu amigo...será que ainda podemos conversar?"...e então eu disse algumas coisas bem feias para ele e sai correndo...ele me magoou tanto quando bateu em você...ele foi muito estúpido fazendo isso... - terminou, com a voz triste. Snape passou um braço em torno dos ombros da professora e ela voltou a escorar a cabeça nele, ambos mergulhados em pensamentos e recordações. Harry achou que já ouvira demais. Seu estômago roncava e ele esperava poder descer até a cozinha para conseguir alguma coisa com Dobby.

Desceu as escadas apressado, porque tinha a impressão que a conversa no terraço entre Snape e Luna não iria muito longe, até porque estava começando a esfriar bastante. Quando chegou perto do quadro que dava acesso à cozinha, Harry estacou. Madame Nor-r-ra patrulhava o corredor onde ele estava, enquanto a voz de Filch vinha, abafada, de outra parte:

_ Isso, minha querida....se você avistar alguém, me avise.

Com muita cautela, Harry passou ao lado da gata, que começou a miar alto. Passos apressados e o ruído de uma porta se fechando levaram o menino a perceber que Filch estava onde não devia.

O zelador saía, agora, da sala de Snape. Olhava, assustado, para os lados, mas não via ninguém:

_ Porque estou fazendo isso...porque estou fazendo isso.... - balbuciava, seu queixo tremendo, enquanto um fio de saliva escorria da boca entreaberta.

O que ele teria feito? Imediatamente, Harry lembrou-se que Filch não poderia ter entrado na sala de Snape, até porque o professor de Poções lacrava a porta com feitiços que somente um bruxo experiente poderia saber. E havia outra coisa: Filch era um aborto.

Só que não fora Filch quem abrira e agora lacrara a porta.

Das sombras, saia um homem baixo e atarracado, que, imediatamente, transformou-se num rato cinzento.
Pedro Pettigrew, por algum motivo que Harry desconhecia, havia voltado a Hogwarts e invadido a sala de Snape.
Filch, com Rabicho no bolso do casaco puído, caminhava agora apressado, em direção a sua sala. Harry precisava fazer alguma coisa, e apalpou as vestes a procura da sua varinha.

Só então percebeu, horrorizado, que deixara a varinha no dormitório. Certamente, na ânsia de sair, nem lembrara-se que podia precisar dela. Voltou a toda pelos corredores, sem se importar que fizesse barulho, ou que a capa da invisibilidade revelasse seus calcanhares. Chegou em frente ao quadro da Mulher Gorda, disse a senha afobadamente e entrou na sala comunal. Correu até o dormitório masculino e, tropeçando nas coisas, tateando no escuro, encontrou sua varinha. Por um segundo, pensou em acordar Rony, mas não valeria a pena, até porque teria que explicar toda a situação para o amigo e isso levaria tempo. Teria que enfrentar o que quer que fosse sozinho. Voltou correndo pela escada em espiral e deu de cara com Hermione. O susto foi tão grande que desequilibrou-se e caiu:

_ Mione! - disse, esbaforido.

A garota abotoava um casaco por cima da camisola e apanhara sua varinha. Naturalmente, estivera lendo ou estudando na sala comunal e Harry, na pressa em que passara por ali, nem a vira.

_ Onde você pensa que vai? - falou, decidida.

_ Não há tempo para explicar! Filch...Filch e Rabicho! Rabicho...está no castelo, vão aprontar alguma! Preciso impedir, vi os dois entrando na sala de Snape!

Hermione fez uma cara com que dissesse "é-melhor-chamar-Dumbledore-ou-a-professora-McGonagall", mas não teve tempo, porque Harry já a puxava pelo braço e saíam pelo quadro da Mulher Gorda. A capa da invisibilidade ficara para trás.

_ Harry! Harry! Pare! - tentava falar Hermione, enquanto corriam em direção a sala do zelador.

Mas Harry não a ouvia. Só pensava em acertar as contas com Pettigrew.

Dobraram corredores e mais corredores, passando até pelo meio de Nick Quase-sem-cabeça, e quando desciam uma escadaria próxima da sala de Filch, Hermione segurou Harry num canto particularmene escuro:
_ Vamos parar um pouco! - sussurrou no ouvido de Harry, e o garoto estremeceu.

Naquele momento, um turbilhão de pensamentos passou pela mente de Harry. O primeiro era de que Filch era um traidor; o segundo, de que Pettigrew tinha conseguido voltar ao castelo para apanhá-lo; o terceiro, de que estava sozinho com Hermione, e de que ela falara com um hálito muito quente no ouvido dele.

No entanto, as conversas na sala de Filch atraíram a atenção deles. Parece que haviam não duas, mas três pessoas envolvidas:

_ Vamos embora agora - Harry reconheceu a voz de Rabicho, um tanto trêmula - vamos agora antes que nos descubram!

Então Filch falou com sua voz de asmático, embora um tanto imperiosa:

_ Não seja estúpido, só irão nos apanhar se você fizer alguma besteira! Além disso, basta chegarmos fora da propriedade para desaparatarmos.

Hermione apertou a mão de Harry. Naturalmente, sabiam que Filch não poderia desaparatar, até porque não era bruxo. Agora, se falava nisso com tanta segurança, era porque havia ganho poderes de Voldemort ou sabe-se lá o quê.

_ Porque não desaparatamos daqui mesmo? - esganiçou-se Rabicho.

_ Como você é imbecil, Pettigrew! Não sei como o Lord das Trevas pode confiar em você! - e Harry e Hermione ouviram o som de uma pancada, que fora certamente dirigida a Pettigrew - não se pode aparatar ou desaparatar em Hogwarts!

_ E o que vamos fazer com ele? Vamos...matá-lo? - era a voz de Rabicho perguntando. Harry crispou os punhos com raiva, e Hermione o segurou pelo cotovelo. Não podiam agir precipitadamente.

Um momento de silêncio depois, a voz de Filch se fez ouvir, muito fria e carregada de desdém:

_ Não..vamos deixá-lo viver...ele pode ser útil de novo mais tarde.

Harry fez um movimento brusco e Hermione apertou fortemente sua mão, sussurrando novamente em seu ouvido:
_ Pare...vamos chamar alguém... - sua voz estava muito trêmula. Harry, no entanto, virou-se para ela no escuro e sussurrou, com raiva:

_ Você está louca? - explodiu, sem perceber que um pequeno rato cinzento saiu da sala de Filch e correu desabaladamente pelos corredores - temos que agir logo!

_ Tá bem...tá bem...vamos usar o...o...Expelliarmus? - falou, e todo seu corpo tremia. Foi então que Harry se deu conta, muito tardiamente, de que Hermione não tinha experiência alguma em confrontos diretos com bruxos das trevas. E se...se Filch usasse o Avadra Kedrava, e Hermione fosse atingida? Imediatamente, Harry lembrou-se do corpo de Cedrico Diggory desabando ao seu lado, seus grandes olhos cinzentos e sem vida que pareciam perguntar como fora morto. Não...ninguém morreria esta noite.

Então, sem que Hermione pudesse fazer coisa alguma, Harry saltou os lances de escada que faltavam até o chão e trombou com Filch, que arrastava-se para fora de sua sala e teve tempo apenas para balbuciar "Deten...ção" com uma voz muito enrolada antes de ser estuporado por Harry. Tudo aconteceu muito rápido, e só quando viu Filch desmaiado no chão foi que Harry se deu conta que Hermione também estava ao seu lado, segurando com uma mão a varinha e, com a outra, o brasão da Grifinória bordado no casaco:

_ Onde está...onde está Rabicho? - falou, apertando o ombro de Harry com uma mão muito trêmula.

Foi então que, da escada de onde eles vieram, uma voz muito conhecida deles se fez ouvir, irônica e perigosa:

_ Ora, ora, ora....Potter e Granger...que belo casal...é uma pena que o Sr. Filch não possa dizer o mesmo, não é?

Snape descia os degraus lentamente em direção a eles, empunhando a varinha e com um sorriso cruel deformando-lhe o rosto.


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