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Aqueles que proclamam que a feijoada é o grande prato brasileiro não gostarão de ouvir que a feijoada está desmoralizada. Restaurantes estrangeiros passaram a servi-la em estranhas versões locais. Em Nova Iorque, come-se feijoada em espanhol sem a expectativa do sábado e a reunião de amigos. Qualquer dia vão amexicaná-la de vez, fazendo um PF de feijão e arroz com linguiça, cercado de nachos por todos os lados e pior que tudo, cobri-lo com chilli con queso.
Além disso, permanecem as discussões regionais sobre o que é a verdadeira feijoada. A feijoada dos mineiros é com feijão marrom e eles fazem fofoca dizendo que feijão preto é coisa de carioca e paulista. No nordeste colocam abóbora que lá atende pelo nome de girimum para digerir melhor. E na Bahia, berço da negritude os peixes e dendê reinam soberanos. Os baianos não dão bola para feijão a não ser em acarajé.
Assim é que resolvi instituir para todo o sempre o prato que é só dos brasileiros de norte a sul. Aquele que qualquer um de nós já babou quando a fome aperta e a saudade de mãe vem. Aquele do dia gripado passado em casa. O prato que a empregada na cozinha se regala depois de preparar o strogonof da patroa, que ela nunca vai provar, a não ser ao fazê-lo. O verdadeiro prato democrático de pobres e ricos.
O arroz deve ser fresquinho, cheiroso e acabado de fazer. O ovo estrelado, estalado, fritado, não importa. Deve estar meio escurecido e queimado pela falta de cuidado ao fritá-lo. Deve ser colocado de banda em cima do arroz. E quando tocado soltar um pouco da gema amarela, pois que das duas uma—ou o cozinheiro não é bom ou está cansado. Não importa. O que importa é que nada deve corromper a pureza deste prato. Se quiser, podem adicionar um chuchu fresco e macio, cortadinho fino, bem cozidinho e passado na manteiga. Só chuchu, sem molhos ou condimentos. Chuchu a la Hilda. Cozinheira íntegra e fiel às raízes. Em tempos de Taliban, defendamos o chuchu dos infiéis. Os mexicanos já esmigalharam o abacate e o chamam de quacamole. E eu me pergunto, o que isso significa? Abacate é guaca amolecido? Eles também se meteram com o chuchu e o misturam com tanto tomate e pimenta que o tornaram irreconhecível.
Pior ainda, o chamam de chayote, nome adequado a um animal, mas nunca ao legume de verde tão doce como o chuchu.
Os americanos não sabem o que fazer com chuchu e, mais que isso, têm verdadeiro pavor do que desconhecem. Assim o classificaram na família da abobrinha
e o vendem nos elegantes supermercados. Mas, ai de quem o compra! Tem que se submeter a uma discussão infinita ao pagar na caixa a respeito do nome, procedência e preço do produto . E ainda ser olhado de banda e com desconfiança. O olhar que diz—uma pessoa séria não come chuchu.
Nesta nação americana de corruptos alimentares, lanço meu protesto ao terrorismo do consumo. Abaixo a pizza americana, as bananas chiquitas enfileiradas para a guerra, a galinha cheia de hormônios e a pipoca agigantada do cinema. Se você está lendo esta história e ainda não faz parte da Confraria do Arroz Com Ovo tudo o que tem a fazer para se tornar membro é jurar fidelidade à causa de preservação de nossos costumes mais genuínos.
Infelizmente para sobremesa, já não há o que fazer. Estão todas corrompidas e misturadas. Como alternativa, sugiro uma fruta da estirpe do caqui, a lima da Pérsia ou uma banana, se for para uma criança, cortada em rodelinhas, porque inteira não tem muita graça. Laranja lima também cai bem.
Depois desse almoço ou jantar de pura brasilidade considerem-se brasileiros/as, membros beneméritos desta confraria exclusiva, patriótica, pura, radical e simples. O momento histórico- político grave requer uma volta às raízes. Antecipemo-nos.