Privatização da Vale:

© Wolfgang Kurt Schrickel, 7/4/1997
http://www.oocities.org/WallStreet/Floor/2311

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Finalmente, após liminares e contra-liminares, ocorreu o leilão de privatização da Vale, a Cia.Vale do Rio Doce, uma das maiores empresas mineradoras do mundo (e brasileira!). As escaramuças legais ainda estão longe de acabar em definitivo, porém o Consórcio Brasil, liderado pela CSN-Cia.Siderúrgica Nacional acabou por adquirir 41,73% das ações com direito a voto, pelas quais pagará R$ 3,3 bilhões.

Além de se tratar de uma das maiores mineradoras do mundo, a Vale é, em verdade, um complexo empresarial bastante diversificado: atua no setor de transportes de carga por via férrea e marítima, operação de portos, produção de madeira, papel e celulose, siderurgia e pesquisa mineral, entre outros.

A privatização da Vale, como ocorre em qualquer processo de privatização, é simplesmente o processo através do qual as ações com direito a voto nas assembléias de acionistas, que estavam em poder do Estado, no caso o Governo Federal, passam para as mãos da iniciativa privada. A empresa, portanto, não deixa de ser brasileira na sua essência.

É bem verdade que grande parte das privatizações ocorridas até agora não passam de mera privatização cosmética, ou seja, o controle da empresa, pelo Estado, passa para a ser detido por um fundo de pensão que, por sua vez, representa os interesses de uma empresa estatal. E este é um risco potencial para qualquer plano de estabilização da economia, na medida que os eventuais desequilíbrios financeiros destes fundos acabam por ser cobertos, seja pelo Tesouro, seja por transferências patrimoniais das empresas para seus funcionários, como tem ocorrido com alguma freqüência, em detrimento dos demais acionistas, sobretudo minoritários.

Será que a privatização deveria ocorrer agora? São legítimas as conjecturas se a privatização era necessária neste momento e a esse preço, já que se trata de uma empresa altamente profissionalizada, cuja eficiência é reconhecida internacionalmente. Sob esse ângulo ela não precisaria ser privatizada agora, podendo, talvez, ter sido deixada mais para frente, digamos para o "final da fila" (para depois de já terem ocorrido outras privatizações de empresas menos eficientes do que a Vale). Contudo, inegavelmente, a privatização da Vale dá ares de irreversibilidade ao processo de privatização brasileiro para o mundo exterior, o que continuaria a estimular o fluxo de recursos internacionais para o país, que no momento são absolutamente críticos para equilibrar as contas nacionais, sobretudo os pesados déficits da balança comercial e do balanço de pagamentos.

O preço foi justo? Esta é uma questão bastante controversa. Os R$ 3,3 bilhões representam efetivamente o valor correspondente à maioria do capital votante de uma das maiores mineradoras do mundo? Não é pouco? Não obstante a notáveis esforços e avanços na coleta e processamento de dados, o Brasil não se notabiliza por sua excelência estatística. Estatística, é coisa mais para os Estados Unidos, do que para o Brasil. Num jogo de basquete da NBA, existe estatística para tudo, porque, simplesmente, o americano adora estatística: é possível saber quantos pontos o jogador fez na partida, na primeira metade do campeonato, no pico do inverno, qual foi a sua média na fase de classificação e nos "playoffs", no último campeonato, há 10 anos, quando era juvenil e universitário, e assim por diante. (Deve ser muito interessante o processo de coleta dos dados: um anotador para pontos, outro para "roubadas de bola", outro para rebotes, enfim, um monte de gente fazendo anotações).

Afinal, o preço da Vale é quanto? Quanto vale hoje, pelas jazidas, valor agregado, perfil econômico-financeiro atualmente comprováveis, ou o potencial da empresa (de dificílima estimação, é verdade). Não seria o caso de se ter procedido a uma espécie de "leveraged buy out", em que um conglomerado deste porte é dividido em partes menores e a negociação feita, identicamente, por partes? Nestas condições, o preço não poderia atingir níveis mais interessantes, além de permitir combinar a especialização dos potenciais compradores com sua vocação. Empresários do transporte, ficariam com a divisão de ferrovias da Vale; outros com a divisão de navegação. Empresários da mineração, com a divisão de jazidas. Empresários da área agrícola, com a divisão de reflorestamento, e assim por diante.

Qual a destinação destes recursos arrecadados? No que serão utilizados os tais R$ 3,3 bilhões? Se a destinação dos recursos for a redução da dívida pública, que gira em torno dos R$ 180 bilhões, a estratégia será absolutamente inócua e irrelevante (é uma gota no oceano...). De que adianta o Estado alienar seu patrimônio, se as despesas não são reduzidas? O que importa é equilibrar o orçamento público, reduzir custos, gastar menos e melhor, fazer mais com menos, eliminar o crônico déficit fiscal. Não cortando gastos, na melhor das hipóteses, continuar-se-á gastanto, mas não se terá mais o patrimônio... É o pior dos mundos.

O processo de privatização assemelha-se à utilização do cartão de crédito. Se o orçamento familiar "estourou" em razão do exagero na utilização do cartão para compras com pagamento diferido (mera antecipação de liquidez), só há duas forma de resolver o problema: aumentando a renda familiar ou cortando gastos. E isto está fortemente relacionado ao conceito de auto-disciplina. É preciso saber usar o cartão de crédito. É preciso um mínimo de inteligência e um máximo de disciplina. Disciplina, infelizmente, não é um dos nossos pontos fortes. Por tudo isso é que as reformas constitucionais são tão importantes para o país. Importantes não, são críticas, para a manutenção das notáveis conquistas já experimentadas com o Plano Real. Mas esse é outro assunto...

O processo de privatização é algo irreversível. E o processo da Vale pode ter sido o definitivo estopim para as privatizações que ainda necessitam ocorrer. O Brasil é um dos maiores países do mundo: em extensão territorial, em população, em PIB, por renda per capita, mercado, enfim, sob qualquer prisma que se queira considerar. Ainda que o volume de comércio exterior do país não represente nem 0,5% de todo o volume do comércio mundial (US$ 110 bilhões, entre importações e exportações), o Brasil é um país inserido na comunidade mundial. E a sua importância cresce a cada dia neste contexto. Não é a toa que o mundo tem despejado "montanhas de dinheiro" em novos investimentos por aqui. Como conseqüência, a globalização não pode ficar à margem em nosso país, com todas as dificuldades e dissabores que este processo possa causar, sobretudo em algumas áreas críticas (competitividade e emprego).

Em tempos de economia globalizada, em que se acirra a competição para a manutenção de mercados cativos e a ampliação dos horizontes comerciais das empresas em geral, e sobretudo das transnacionais, os investimentos em modernização de equipamentos e técnicas produtivas, de distribuição, etc., são impostergáveis. E o Governo Federal, na qualidade de acionista majoritário da Vale, simplesmente não tem esses recursos. Os tempos mudaram: o Estado-empresário cede lugar ao Estado-social, ou seja, a preocupação deixa de ser a produção de bens e serviços de valor econômico (alienáveis, com o objetivo de obter lucro), para voltar-se à prestação de serviços ao cidadão, nas suas necessidades mais elementares de bem-estar: educação, moradia, saúde, saneamento e segurança. Não faz mais muito sentido, nos tempos atuais, a manutenção do Estado-empresário, como nos anos 60 e 70. A iniciativa privada tem respondido bem aos novos desafios da economia globalizada.

Privatizada, a Vale ganhará em flexibilidade operacional, competitividade e eficiência (como aconteceu com a própria CSN, privatizada há alguns anos). Com isso, ela, por certo, gerará maiores Vendas, maiores lucros e, por via de conseqüência, maiores impostos, o que será benéfico para o Estado, que ora aliena as ações. Poderá, até, gerar mais empregos, no devido tempo.

No frigir de tudo, o país tem outros problemas, até mais importantes do que o processo de privatização de empresas estatais: escolas e hospitais sucateados, estradas esburacadas, insegurança metropolitana, estabelecimento de políticas de geração de empregos, sem contar as reformas institucionais, que tem evoluído em velocidade menor que a desejável.

Virada a página da Vale, que o Brasil vá em direção ao seu grande e irreversível destino. Sucesso e longa vida para a Vale.

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