Desafio de um Órfão

Lorraine Sutton
PhD Department of Psychology University of Central Florida

Tenho aproximadamente 150.000 irmãos e irmãs, a maioria dos quais nunca encontrei. Somos órfãos ligados por algo em comum - um diagnóstico de ataxia.
Se você nunca ouviu falar de ataxia, você não está sozinho. Na realidade, muitos dos médicos incumbidos de cuidar de nós pouco sabem desse conjunto de doenças neurológicas. A ataxia se enquadra em uma classificação padrão como uma "doença órfã". O departamento de doenças raras (Office of Rare Diseases - ORD), do instituto nacional de saúde norte-americano (National Institutes of Health - NIH), define uma desordem rara ou órfã como uma doença ou condição com uma prevalência de não mais do que 200.000 indivíduos afetados nos Estados Unidos.
Uma visita ao site do ORD/NIH [www.rarediseases.org] revela uma surpreendente lista de doenças raras, algumas com nomes exóticos e assustadores. A organização nacional de doenças raras (National Organization for Rare Disorders - NORD) estima existirem mais de 6.000 enfermidades raras que, em conjunto, afetam aproximadamente 25 milhões de norte-americanos. Para se ter uma idéia do significado deste elevado número, uma em cada 10 pessoas no país possui uma doença rara. Fiquei admirada em saber que tinha essa imensa e ampliada família, órfãos como eu, atáxicos que certamente compartilham alguns medos, isolamento, frustrações e um intenso desejo por informações, recursos para pesquisas e conscientização de médicos e da comunidade em geral.
Os pacientes de ataxia não têm ainda um Michael Fox ou um Cristopher Reeve. É comovente ver estes astros famosos induzindo uma conscientização desprovida de sentimentos de piedade para condições como a doença de Parkinson e o traumatismo da medula espinhal. De algum modo, essas figuras adotaram dezenas de milhares de indivíduos afetados que se sentiam como órfãos, apesar de suas condições não serem tão raras. A celebridade de Fox e de Reeve ganhou a atenção do Congresso, dos meios de comunicação e do público. O resultado tem sido uma crescente divulgação e um surpreendente incremento de financiamentos públicos e privados em pesquisa aplicada. Estes males têm agora faces reconhecíveis, indelevelmente gravadas na consciência de qualquer um que possua um aparelho de televisão.
Mas quem irá adotar 150.000 de atáxicos, ou mais de 25 milhões de norte-americanos considerados órfãos ou pacientes de doenças raras? Até que a celebridade nos visite, devemos assumir o imenso desafio de aumentar recursos para pesquisas e divulgação – uma pessoa, um médico, uma comunidade, cada qual a seu tempo. Esta é uma enorme tarefa. Sabemos que muitos desejariam que fossemos embora, retirando-nos para o anonimato de nossas casas, desistindo dos espaços privilegiados em estacionamentos e calássemos nossas reivindicações por acesso aos confortos que os não-deficientes têm como garantidos.
Mas nós não devemos recuar e não recuaremos. Cento e cinqüenta mil norte-americanos (e muitos outros dos meus irmãos e irmãs no exterior) querem que você saiba sobre ataxia. A fundação nacional de ataxia (National Ataxia Foundation - NAF, www.ataxia.org) proclamou o dia 25 de setembro como o Dia Internacional de Divulgação da Ataxia. Grupos locais de apoio estão desenvolvendo um heróico esforço para atrair a atenção de governantes e comunidades para a divulgação de eventos de conscientização e de arrecadação de fundos. Sabemos que estamos introduzindo nosso dia em uma população saturada (e provavelmente farta) de proclamações que vão desde o National Pumpkin Day (dia das bruxas) até o National Secretaries Week (dia das secretárias) - minhas antecipadas desculpas aos "pumpkins" e às secretárias. Em uma nação aonde ainda não se chegou a um consenso quanto ao dia de Martin Luther King Jr, e cuja população em geral não avalia o sentido de um evento como o Memorial Day, será que o Dia Internacional de Divulgação da Ataxia merecerá uma prece? Será que esta enfermidade terá que afetar uma estrela de Hollywood antes de ganhar mais do que um fastidioso bocejo?
A despeito dos obstáculos que enfrentamos, os pacientes de ataxia gostariam que você soubesse que ataxia é um conjunto de desordens neurológicas, degenerativas e progressivas. Estas doenças afetam a coordenação, o equilíbrio e a fala. Quando a ataxia progride, ela pode afetar a visão, a audição e o coração. Normalmente a doença é hereditária, causada por um gene recessivo ou dominante. A ataxia é freqüentemente, mas nem sempre, fatal. Geralmente ataca crianças e adultos jovens. No momento, não existe tratamento ou cura para ataxia. Os indivíduos com ataxia são com freqüência tomados como bêbados, pois os sintomas se parecem com aqueles causados pela intoxicação alcoólica.
É provável que o dia 25 de setembro passe com a maioria das pessoas ainda desconhecendo a ataxia. A NAF e os grupos regionais de apoio devem ser louvados pelo brilhante esforço para melhorar essa conscientização. Mas você provavelmente não ficará sabendo sobre ataxia através desses eventos. Você saberia sobre ataxia se alguém em sua vida viesse a ser afetado pela doença. Mas você pode também vir a saber sobre a ataxia quando sorrir ou cumprimentar uma pessoa com ataxia que esteja usando uma bengala, um andador ou uma cadeira de rodas. Gostaríamos de ensinar a você. Passe alguns momentos conversando conosco. Temos muito a oferecer como amigos e membros ativos de nossas comunidades. Eu desafio você a ter a coragem de adotar um órfão, pelo simples e generoso ato de ouvir. Com a incrível estatística de 25 milhões de norte-americanos afetados por doenças raras, é provável que você não tenha que olhar muito longe para encontrar uma oportunidade de ter a sua vida enriquecida por um órfão de natureza médica.


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