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Fonte: Site da ANABB -
01.08.2000
A
REPRESENTAÇÃO DA ANABB (Associação
Nacional dos Funcionários do Banco do
Brasil)
Brasília (DF), 21 de julho de 2000
Ao
Excelentíssimo
Senhor
Dr.
Luis Francisco de Souza
D.D. Procurador da República
Nesta
REPRESENTAÇÃO
contra Amaury
Guilherme Bier, Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda
e Presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil
S. A.
O Governo da República, pelo Ministério da Fazenda,
contratou os serviços de uma empresa de consultoria para exame
da situação dos bancos federais e para proposta de novo modelo
para sua reestruturação.
A tarefa se mostrou de tal maneira grandiosa que, para
tanto, montou-se um consórcio com as empresas Booz-Allen &
Hamilton – FIPE.
Segundo explicam os
Srs. Consultores, na página I – 4 de seu trabalho, este se
desenvolveria em cinco etapas, a saber:
Etapa Um –
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Diagnóstico do Contexto Atual – objetivos do
Estado, Setor Nacional, casos internacionais.
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Etapa Dois –
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Desenvolvimento de alternativas para a
reorientação estratégica -abordagem para o
redesenho, princípios, alternativas. |
Etapa Três –
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Apresentação das alternativas – discussões e
refinamento da abordagem e alternativas; relatório.
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Etapa Quatro – |
Detalhamento da alternativa que vier a ser
escolhida e preparação dos instrumentos legais
necessários à implementação. |
Etapa Cinco - |
Desenvolvimento da estratégia de
implementação. |
Findas as três primeiras etapas, abrir-se-ia a
Audiência Pública para discussão do documento básico de
trabalho daquele Consórcio. Tal documento, dado a público ao
final de junho último, recebeu o seguinte título:
“INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PÚBLICAS FEDERAIS – ALTERNATIVAS
PARA REORIENTAÇÃO ESTRATÉGICA – AUDIÊNCIA PÚBLICA”, e é a ele
que nos iremos referir, por diversas vezes, no decorrer desta
Representação.
Seria de louvar-se, de já, a idéia governamental de
submeter a um estudo dos mais apurados a situação de sua rede
de agências financeiras. Entendemos a complexidade do trabalho
a ser realizado, tanto mais porque duas dessas instituições, o
Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, já são mais que
centenárias, de marcas muito fortes, fazendo parte, mesmo, do
imaginário popular.
Seria de louvar-se, ainda, a conceituação democrática
da proposta, pois que nela está incluída uma audiência pública
que nada mais é senão o debate, pelo social, da situação
dessas empresas e de sua necessária reorganização.
Sucede que da
análise mesma do trabalho dado a público podemos concluir, sem
sombra de dúvida, que tais e tantos objetivos se frustarão,
por inteiro, diante dos resultados obtidos, resultados que, a
partir de sua concepção básica, fragilizam e comprometem as
alternativas oferecidas e, o que nos parece mais grave,
permitem que as discussões em torno da questão se mostrem
enviesadas, diante, sobretudo, da carência de informações mais
sólidas, o que levaria os debatedores a conclusões
imperfeitas.
É o que pretendemos examinar.
A) INSTITUIÇÕES
FINANCEIRAS FEDERAIS – ANÁLISE CONJUNTA
O trabalho, dizem os consultores, tem por objetivo
“desenvolver alternativas para a reorientação estratégica do
conjunto de instituições financeiras públicas federais (pág.
I-2). Esta a razão que os levou a “avaliar o desempenho das
IFPF como conjunto e não de forma individual” (pág.
II-4).
E é aqui que reside aquilo que poderíamos chamar de
fragilidade básica do trabalho: a análise em
conjunto.
Ora, são cinco
as entidades financeiras federais: o Banco do Brasil S. A. , a
Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste S. A. , o Banco
da Amazônia S. A. e o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico e Social. E aqui já se iniciam as grandes
diferenças: são três sociedades de economia mista e duas
empresas públicas.
Mais, ainda: todas, à exceção do BNDES, têm um ponto em
comum, que é o operar no varejo, na área comercial. Mas daí em
diante suas atuações e até mesmo áreas de atuação são
diversas. O BNB, o BASA e o BB, por definição da Carta de
Outubro, cuidam da questão de desenvolvimento regional,
gerenciando o Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), o
Fundo de Investimentos na Amazônia (FINAM) e o Fundo
Constitucional do Centro Oeste (FCO), respectivamente. Com
isto estão obrigados a manter equipes técnicas que conheçam,
com profundidade, a situação sócio-econômica dessas que são as
regiões mais pobres do país, valendo-se dos recursos
disponibilizados para atacar, de frente, essas terríveis
desigualdades regionais.
Com isto, impossível negar, têm de valer-se, ainda, do
trabalho no varejo, da prestação de serviços à clientela,
forma mais atual e compensadora de captar recursos para que,
juntamente com as verbas constitucionais, possam levar a
contento suas tarefas nitidamente regionalizadas.
E, ainda nessa
área de varejo, se quisermos mostrar quão diferentes são as
atuações dessas agências oficiais de crédito, poderíamos
exemplificar com as imensas diferenças que ocorrem no empenho
de uma jóia, na Caixa Econômica, e a comercialização da safra
agrícola, no Banco do Brasil. E nem precisaríamos de tal
detalhamento: os investimentos geridos pelo BNB, no Nordeste,
pelo BASA, na Amazônia e pelo Banco do Brasil, no
Centro-Oeste, têm - têm de ter – grande diferenciamento, pois
extremamente diferenciadas são as condições sócio-econômicas
de cada uma dessas parcelas geográficas do país.
Desconhecer o que, para o brasileiro comum, é mais que
evidente, é encaminhar todo um extenso e expensivo trabalho a
conclusões que não teriam sequer sustentação
fática.
B) A
UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS
Não parecendo exibir quaisquer preocupações com o que
determina nossa Constituição e, mesmo, a legislação específica
para o sistema financeiro – aí considerado em seu conjunto – a
empresa de consultoria considera que a proximidade do Estado é
um “risco moral” para as empresas financeiras oficiais. E
seria exatamente essa proximidade a razão maior dos altos
índices de inadimplência apresentado pelos bancos
oficiais.
Para qualquer um de nós fica difícil entender como o
acionista majoritário poderia ficar “distante” de suas
empresas. E o Tesouro Nacional é acionista majoritário no
Banco do Brasil, no BNB e no BASA, sendo, no mais, senhor
absoluto de todo o capital do BNDES e da Caixa
Econômica.
Demais disso, a
“proximidade” não decorre desta ou daquela benesse do Tesouro,
mas do cumprimento puro e simples das disposições
constitucionais por parte do Tesouro, mas sim, de exato
cumprimento de nossa Carta. No caso específico do Banco do
Brasil poderemos ir mais adiante. A Lei nº 4.595, de 31 de
dezembro de 1964, promoveu uma profunda reforma em nosso
sistema financeiro. Foi quando se criaram o Conselho Monetário
Nacional e o Banco Central. Pois nesse diploma legal, em seu
Capítulo IV – DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, a Seção III cuida das
Instituições Financeiras Públicas e a IV das Instituições
Financeiras Privadas, mas, antes delas, a Seção II – Do BANCO
DO BRASIL S. A. é toda dedicada àquele estabelecimento federal
de crédito, definindo suas atribuições em cerca de duas
dezenas de dispositivos (Lei nº 4.595, de 1964, arts 19 e
ss.).
Ainda quanto ao relacionamento entre o BB e o Tesouro
Nacional, ou, melhor dizendo, seu acionista majoritário, e, em
especial, quanto a recursos públicos, podemos mostrar que as
formas de capitalização utilizadas pelo controlador são de
todo atípicas.
Assim, por
decisão do então Presidente Geisel, em 1977, ficou a empresa
proibida de fazer lançamento de novas ações com o objetivo –
rotineiro, em nosso mercado, vale dizer – de levantar
capitais. Pois exatos vinte anos depois foi aquele banco
liberado para lançamento de ações, o que somente ocorreu,
necessário destacar, com decisão adotada por seu Conselho de
Administração, presidido, aliás, pelo representante do
Tesouro, isto é, do acionista controlador.
A operação, como um todo, foi um autêntico desastre. O
estão Presidente do Banco do Brasil, Sr. Paulo Ximenez, deu
entrevista coletiva anunciando forte prejuízo da empresa
naquele semestre mesmo em que se lançaram as ações. Daí que
esses papéis passaram a ser cotados pelo mercado por valor
muito abaixo daquele escolhido para seu lançamento. Com isto –
são as leis do mercado – os investidores se retraíram de todo
e as ações não foram vendidas. No caso, então, como de praxe,
coube ao acionista majoritário adquiri-las com um achego de
recursos que beirou os 6 bilhões de reais.
E não é só. A cada Governo se decide pela liquidação de
uma ou de outra agência oficial. Assim ocorreu, por exemplo,
com a Portobrás, com o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e
outras muito mais. Neste instante, a legislação que manda
encerrar as atividades desses órgãos manda, do mesmo passo,
que o Banco do Brasil, em nome do Tesouro Nacional, assuma seu
passivo. Com isso, a meados da década de 90, já o Banco
respondia, junto ao Erário, por crédito superior a 8 bilhões
de reais, recursos que, enquanto não pagos, seguiam
esterilizados, impedindo, assim, que o banco seguisse operando
no mercado com essa tão elevada carência de
recursos.
Sucede que, no decurso do trabalho, os consultores
insistem numa tese de fácil aceitação que é a necessidade de
recursos públicos serem aplicados na área social e, não, na
“capitalização” de bancos oficiais. Ora, esses bancos
oficiais, com recursos constitucionais, cumprem os exatos
projetos que o Governo pretende implementar, Brasil afora, com
um objetivo maiúsculo que é o de combater as desigualdades
regionais. E se não atingem seus objetivos, no todo, é porque
há real carência de dinheiro no país, o que, aliás, é de amplo
conhecimento da cidadania.
C) OS BANCOS OFICIAIS NO
VAREJO
O trabalho de consultoria ora sob análise evidencia por
inteiro que seus autores têm larga experiência de mercado e de
prestação de consultoria a empresas privadas. Mas desconhecem,
ou não querem conhecer, uma realidade, a nossa, que não pode
ser examinada e resolvida exclusivamente pelas leis de
mercado, notadamente quando se trata de empresas que, dentro
desse mesmo mercado, têm comportamento inteiramente atípico. E
o têm porque assim o quer a legislação, assim o determina seu
acionista controlador, o Estado.
Já vimos que quatro dos cincos bancos federais atuam no
setor comercial e prestam todo tipo de serviço à clientela,
que é, aliás, o que ocorre com os bancos privados. E parece
que essa concorrência é que incomoda inclusive os consultores,
porque as alternativas apresentadas ao final da terceira etapa
de seu trabalho, de modo geral, conduzem a sugerir um modelo
em que os bancos oficiais deixem de lado o varejo e se ponham
a cumprir o que consideram típico de Estado: o crédito rural
(Banco do Brasil), a moradia popular (Caixa Econômica), o
desenvolvimento regional (Banco do Brasil, BNB e
BASA).
É, uma vez mais, a idéia de que recursos públicos não
sejam aplicados na capitalização de bancos oficiais, mas, sim,
no social.
Sucede que, nessa área, a do varejo, a concorrência
existe e tem demonstrado que os bancos oficiais a estão
ganhando, com competência e tenacidade. O Banco do Brasil –
sirva-nos mais uma vez de exemplo – em 31 de dezembro do ano
passado, mostrava, em seu balanço, deter mais de 70 bilhões de
reais de depósitos do público, E nessa área, é o que nos
mostram os consultores na página V-20 de seu trabalho, não
entra um centavo de dinheiro dos cofres Nação.
D) SISTEMA
FINANCEIRO
Assim que promulgada a Constituição, em outubro de
1988, as autoridades governamentais da área de finanças,
provocadas, entenderam não ser auto-aplicável o § 3º do art.
192 de nossa Carta, dispositivo que definia em 12%, no máximo,
os juros reais a serem cobrados ano a ano. E isto porque não
havia sido regulamentado, em seu todo, aquele dispositivo
constitucional, razão por que, aliás deveria, no respeitante
ao sistema financeiro, observar a legislação em vigor antes de
promulgada a Carta. Chegou por isso, ao Supremo, uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade, que provocou acórdão do
Tribunal Pleno do STF não considerando inconstitucional a
providência adotada pelo Governo, o que se pode ler no Acórdão
da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4-7/DF, tendo como
Relator o Ministro Sidney Sanches, e adotado pelo Pleno
daquela Corte em 7 de março de 1991, publicado no DJU de
25.06.93.
Assim, está em vigor a Lei nº 4.595, de 31.12.64,
conhecida como Lei da Reforma Bancária, já mencionada nesta
Representação.
E) OS PREJUÍZOS
PROJETADOS
Está evidenciado que as alternativas definidas ao final
do trabalho de consultoria teriam que tomar por base, e com
especial relevo, os resultados positivos ou negativos que as
agências financeiras federais estariam a exibir hoje e no
futuro.
Mas a maneira aleatória como foram escolhidos dados e
datas nos parece fragilizar ainda mais os resultados desse
extenso trabalho. Ali vamos encontrar (pág. III-19) uma
projeção de resultados para o período 2.000 a 2.009, sem que
se justifique o porquê de prazo assim tão alongado. E isto
maiormente porque se têm por base os resultados obtidos pelos
bancos oficiais no período de 1995 a 1999 (apenas cinco anos!)
numa outra escolha também eivada de suspeição.
É que no período tido como básico, as agências federais
financeiras apresentaram resultados negativos nos dois
primeiros anos do lapso: 1995 e 1996, vindo, daí em diante,
num processo de rápida recuperação.
Não há, é fato, referência expressa a que banco
oficial, dentre os cinco examinados, vai ter prejuízo maior ou
menor. Mas os consultores apresentam o Banco do Brasil e a
Caixa Econômica como os dois maiores bancos da América Latina,
não sendo, portanto, errôneo concluir que essas duas agências
oficiais irão compartilhar, irão amargar a maior porção de
prejuízos projetados.
Ora, o ultimo balanço do Banco do Brasil, referente ao
exercício de 1999 e dado a público ao final do mês de março do
corrente ano, esse documento não contém a mais mínima
indicação de que a situação daquele Banco apresente sequer
indícios de crise, razão por que é no mínimo temerário dizer
que, pelos tempos afora, ou , melhor, até 2009, irá acusar
sucessivos prejuízos. Informações da espécie, colhidas num
trabalho de consultoria que busca redesenhar o sistema
financeiro federal são, além de visivelmente preconceituosas,
profundamente prejudiciais para as agências estatais de
crédito.
F) DO
CRIME
Já tivemos oportunidade de
louvar a iniciativa do Governo Federal de abrir audiência
pública para que se discutam as três primeiras fases do
trabalho de consultoria, a última das quais oferece diversas
alternativas à reorganização do sistema financeiro
oficial.
Pode-se, de início, lamentar, no entanto, que isto
tenha sido feito com o Congresso Nacional em recesso e com as
eleições municipais se aproximando e, com isto, levando
preocupações mais que justas a todas as forças políticas da
Nação.
Isto nos parece muito ruim, mas ainda não é tudo.
Pudemos, nos encerros desta Representação, trazer algumas
informações não constantes do trabalho de auditoria, com o que
aquele trabalho deixa de contar com elementos de convicção
bastantes a que melhor se conclua sobre a situação dos bancos
oficiais federais. Isto leva a que muitos dos que se irão
debruçar sobre a matéria esbarrem em todo tipo de
desentendimento, num leque que vai dos subentendidos aos mal
entendidos, gerando uma análise no mínimo distorcida da
realidade que essas agências enfrentam. Vemos então que a Lei
nº 7.492, de 16 de junho de 1986, considera em seu art. 3º,
que é crime “divulgar
informação falsa ou prejudicial e incompleta sobre instituição
financeira”.
Ora, o Sr. Amaury Guilherme Bier, como
Secretário-Executivo do Ministro da Fazenda e como Presidente
do Conselho de Administração do Banco do Brasil, é senhor
daquelas informações que o mercado chama de “privilegiadas” e
que, no caso, lhe permitem dizer que informações, que
conclusões, naquele trabalho de consultoria, são falsas ou
prejudicialmente incompletas, capazes, portanto, de
induzir a erro na apreciação da matéria e, mesmo, na escolha
de novo modelo para as instituições financeiras públicas
federais, ali examinadas.
E é com base nesta Lei, em pleno vigor, conforme
podemos verificar no já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal
Federal, que vimos solicitar desse Ministério Público que
examine a atuação do Sr. Bier, para que se possa enquadrá-lo
nas penas cominadas em lei.
Nestes
termos
Pede
Deferimento.
Valmir Marques
Camilo
Presidente
da Associação Nacional dos Funcionários
do
Banco do Brasil
(ANABB) |