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Fonte: Correio
Braziliense
- Economia - 18/08/2000
Privatização de bancos
Resultados opostos
Relatório
encomendado pelo governo mostra que venda de instituições federais dará
bons resultados. Mas
especialista condena o estudo
Lauro Rutkowski
Da equipe do Correio
A direção da Associação Nacional
dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb) apresentou ontem estudo que
considera relatório encomendado pelo governo federal sobre a situação
das instituições financeiras públicas federais ‘‘cientificamente
inválido’’. O relatório contestado, que custou R$ 9 milhões e foi
elaborado pelo consórcio Booz-Allen & Hamilton e Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas (Fipe), considera crítica a situação da Caixa
Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste
Brasileiro e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Segundo o consultor e professor Alberto Jorge Matias, o trabalho do
consórcio não apresenta requisitos mínimos para ser considerado sério,
pois é repleto de conceitos equivocados ou misteriosos. ‘‘Como cidadão
que paga imposto, fico chateado com desperdício. Há erros primários e
banais no relatório’’, criticou ele, que dá aulas na Universidade de
São Paulo e é um dos fundadores da consultoria Austin Asis no Brasil.
Matias e sua equipe de seis pessoas receberam R$ 52 mil da Anabb para
analisar o estudo do consórcio.
Na avaliação de Matias, não há motivos para sustentar a tese de que os
bancos oficiais federais estão à beira de um colapso ou são
ineficientes. Ele disse que o relatório do consórcio errou em dois
fundamentos, o que acabou contaminando toda a conclusão do trabalho. Em
primeiro lugar, a fórmula para análise de despesas em relação à
receita usada para comparar bancos públicos e privados privilegiou
instituições que praticam juros altos. ‘‘Usando essa fórmula, um
agiota seria considerado eficiente, porque certamente ganha mais do que
gasta devido aos juros que pratica’’, disse o professor.
Juros
diferentes
Ele explicou que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal
saem perdendo na diferença entre a taxa de juros na captação e no empréstimo
concedido, chamada de spread, porque lidam com públicos especiais:
produtores rurais e mutuários do sistema financeiro habitacional. Nesses
programas, os juros cobrados dos clientes são mais baixos. Ao usar parâmetros
consolidados em pesquisas semelhantes, Matias descobriu que, na verdade,
os bancos oficiais são mais equilibrados que as instituições usadas
como referência pelo consórcio: Bradesco, Itaú, Unibanco e Real.
O segundo grande erro apontado por Matias foi justamente a utilização
dos quatro maiores bancos como grupo de comparação. Na sua avaliação,
é preciso levar em conta uma amostragem maior. Ele usou dados referentes
a 35 bancos e calculou a média de seus indicadores. A partir dessa
comparação, concluiu que a análise das despesas com pessoal e
administração em relação a receitas de operação é favorável às
instituições federais. Há diferença positiva de 5% entre despesas e
gastos, indicador semelhante ao dos 35 maiores bancos.
O Correio fez contato com as empresas do consórcio, que repassaram ao
Ministério da Fazenda a tarefa de responder as críticas de Matias.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério da
Fazenda informou que não havia diretores disponíveis para analisar as críticas.
O consórcio foi contratado após licitação promovida pelo BNDES a
pedido do Comitê de Coordenação Gerencial das Instituições
Financeiras Públicas Federais (Comif) do Ministério da Fazenda.
No relatório, o consórcio afirmou que os bancos públicos federais
possuem estrutura pesada, superposição de funções e que a partir de
2003 darão prejuízos de até R$ 1,3 bilhão até 2005. Como solução,
foram propostas a privatização e a fusão. Segundo o professor Matias as
sugestões não podem ser consideradas sérias em termos científicos,
porque nasceram de dados viciados.
O
que cada um diz
Conheça as divergências sobre a
situação e o futuro dos bancos estatais federais
Booz-allen &
Hamilton - Fipe contratada pelo governo por R$ 9 milhões
A situação
financeira das instituições financeiras públicas federais é crítica.
O Tesouro Nacional vai levar um prejuízo de R$ 1,3 bilhão entre 2003 e
2005 se não houver mudanças na Caixa, BB, Basa, BNB e BNDES. Há
superposição de pontos de atendimento das instituições financeiras públicas
federais. Para cortar gastos, aumentar eficiência e elevar produtividade,
é recomendável eliminar agências de um banco se outro estiver presente
na mesma cidade ou fundir instituições. As instituições oficiais
apresentam desempenho inferior ao dos quatro maiores bancos privados
brasileiros e não têm relação satisfatória entre o que gastam e o que
arrecadam. Possuem estrutura muito pesada em relação aos bancos privados
analisados e dificuldades para elevar suas receitas para acompanhar as
despesas. Os recursos guardados para eventuais calotes são inferiores aos
dos quatro bancos analisados. Segundo o relatório, as instituições
oficiais têm apenas 3,8% de provisão para perdas em relação aos créditos
de pagamento certo.
Equipe
de alberto matias
Contratado pela Anabb por R$ 52 mil
Não existe base científica
para projetar tamanho prejuízo só com base nos balanços das instituições
federais. É preciso levar em consideração, também, fatores mutáveis,
como alterações no mercado e inovações tecnológicas. Existe
possibilidade de ganhos com essa medida, mas os bancos oficiais não
executam os mesmos serviços. A Caixa é especializada em financiamento
habitacional, enquanto o BB atua com força na área agrícola.
Enxugamento, portanto, não garantirá eficiência. As instituições
federais apresentam melhor desempenho e equilíbrio de gastos com pessoal
que os quatro bancos analisados e semelhante à média dos 35 maiores
bancos brasileiros. A Booz-Allen errou ao incluir ganhos com juros na sua
fórmula de cálculo, pois isso baixou a relação despesa-receita dos
bancos oficiais, que têm taxas menores. Os quatro grandes bancos
aumentaram o provisionamento de forma fictícia para esconder ganhos com
juros. Em relação aos 35 maiores bancos, o provisionamento das instituições
oficiais pode ser considerado normal: 3,6% a 3,8%.
Risco
de perda social
Os estudos de Matias mostram que
eventual fusão entre bancos oficiais federais não é, por si só,
suficiente para reduzir gastos ou gerar maior produtividade. Quanto à
privatização, ele alertou que há riscos de perda social. ‘‘Cada
banco atua em uma área específica. O Banco do Brasil não poderia atuar
como a Caixa na área de habitação, e a Caixa não teria facilidade com
o crédito agrícola’’. De acordo com Matias, o maior desafio dos
bancos é conquistar mercados no exterior, com o objetivo de trazer
recursos de fora para o financiar programas sociais no Brasil. A melhor
forma de gerar riqueza social a partir dos bancos é elevar o número de
clientes e abandonar a política de cobrar altas taxas para garantir
lucros. A análise será encaminhada ao Banco do Brasil e ao Ministério
da Fazenda.
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