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Fonte:   O Estado de S.Paulo, (Economia-B2) -  25.07.2000 

Espantalhos e posições de trincheira

Relatório Booz-Allen &Hamilton levou a uma polarização no debate sobre as IFPFs

 * Otaviano Canuto

             Até o momento, o Relatório da Booz-Allen & Hamilton sobre as Instituições Financeiras Públicas Federais IFPFs) mais despertou manifestações contra ou a favor da privatização destas, e/ou fechamento de suas operações comerciais, do que propriamente debate acerca das nove alternativas de reconfiguração lá mencionadas, apesar de ter sido este debate o objetivo anunciado para a audiência pública. Não deixa de ser frustrante a polarização em argumentos de cunho genérico e, a rigor, sem grandes novidades, dado que as nove opções delineadas não se resumem a deixar tudo como está ou varrer do mapa atividades bancárias das IFPFs.

            A oportunidade do debate é óbvia. Por um lado, para que cumpram sua função, as novas regras de classificação e provisionamento quanto aos riscos de crédito, estabelecidas na Resolução 2.682 do Banco Central, não podem deixar de fora os ativos financiados pela parcela substancial de depósitos bancários do Pais que é captada pelas IFPFs. O monitoramento quanto às possibilidades de desajustes entre receitas e despesas operacionais no sistema bancário, necessidade reconhecida por todos, não pode prescindir de estimativas ajustadas conforme riscos envolvidos, independentemente de estarem nos lados público ou privado.

            Por outro, o enquadramento das operações das IFPFs tende a implicar elevada pressão de custos, não simplesmente em decorrência de esqueletos herdados do passado, mas pelo fato de que a natureza de suas funções Ihes impõe uma carga ausente no caso dos bancos privados. O distanciamento dos bancos privados no tocante a créditos agrícolas, habitacionais de baixa renda, desenvolvimento regional, social e setorial, comércio exterior, infra-estrutura, universalização do acesso bancário e créditos de longo prazo ou subscrição de ações reflete sua avaliação de que os retornos operacionais ajustados pelos riscos, em tais áreas, não são suficientemente atraentes. Logo, sobram para as IFPFs, a quem cumpre preencher as lacunas.

            Tomando como inquestionável a necessidade de cobertura daquelas lacunas, o debate proposto no relatório propõe-se a focalizar formas possíveis pelas quais obter maior transparência e melhor relação custo-eficácia no uso de recursos para tanto. Em princípio, a não ser nas posições extremas em favor de manter-se o sistema como está ou de eliminar-se o crédito para aquelas áreas fora do interesse privado a preços de mercado, há uma convergência em torno da idéia de construir-se algumas referências - algum "benchmark" - pelas quais discernir quais são os custos a ser aceitos como contrapartida do preenchimento das falhas de mercado, separando-os daqueles decorrentes de má gestão dos recursos. A partir daí, porém, abre-se um leque de opções quanto à reconfiguração do atual modelo organizacional e institucional de apropriação de recursos e de execução daquelas políticas de financiamento, conforme observado no relatório.

            Há desde o modelo de financiamento exclusivo por meio de fundos fiscais ou parafiscais, com seu repasse a destinatários por meio de bancos privados ou agências públicas de fomento, até a preservação do atual financiamento parcial mediante operação bancária, mantendo-se bancos públicos comerciais, de acesso e de desenvolvimento. Na hipótese de preservação de bancos públicos, com ou sem consolidação entre eles, destacam-se vários pontos a observar, tais como evitar duplicação de esforços, aumentar a coordenação entre agentes públicos envolvidos, buscar alavancar recursos privados em direções convergentes, compartilhar em maior grau os riscos com os beneficiários, etc.

            A guerra de trincheiras desde o inicio da audiência pública tem ignorado essa diversidade. O relatório ajudou para tanto, à medida que preferiu construir um "espantalho" das IFPFs, no estabelecimento de um `'benchmark" para sua avaliação. O tratamento agregado das instituições, com seu cotejo simples e direto com as atividades operacionais de bancos privados, negligenciou dois aspectos relevantes.

            O primeiro é o fato de que o baixo retorno de mercado de algumas atividades típicas das IFPFs decorre justamente dos maiores custos operacionais envolvidos. O relatório, por exemplo, caracteriza como "pró-ativa" a atuação de fomento do Banco do Nordeste, "organizando a demanda e indo além da função financeira (Farol de Desenvolvimento, Agentes de Desenvolvimento e Agências Itinerantes)", enquanto banco de desenvolvimento regional. A rigor, não são diretamente comparáveis custos e receitas operacionais dos bancos privados e das IFPFs, por se reportarem a atividades de natureza distinta, algo que não pode ser esquecido no estabelecimento de referências para as últimas.

            Por razões similares, outro aspecto problemático foi a abordagem agregada de custos e retornos das IFPFs, a despeito de o próprio relatório diferenciar em detalhe sua atuação individual no apoio a diversas funções de Estado. Além de ressaltar, entre elas, a presença de modelos distintos de atuação, "em forma e resultado". Não há menção, por exemplo, quanto às diferenças nas atuais condições de seus passivos previdenciários. Neste contexto, a ausência de informações sobre o modelo de previsão usado para a projeção de resultados operacionais correntes líquidos do conjunto das IFPFs deixou o ponto ainda mais obscuro.

            O relatório apresenta vantagens e desvantagens associadas a cada uma das nove configurações. No caso do modelo em que subsistiriam apenas fundos e agências de regulação, aponta como desvantagem o fato de exigir ambiente socioeconômico avançado, com mercados de capitais e de riscos bastantes desenvolvidos, pequenas demandas sociais e econômicas e condições institucionais desenvolvidas. Para resultados factíveis da audiência pública, portanto, far-se-á necessário o abandono das atuais trincheiras, rumo às demais alternativas.

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 * Otaviano Canuto é professor do Instituto de Economia da Unicamp

 

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