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Espantalhos
e posições de trincheira
Relatório Booz-Allen &Hamilton levou a uma
polarização no debate sobre as IFPFs
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Otaviano
Canuto
Até o momento, o Relatório da Booz-Allen & Hamilton sobre as Instituições
Financeiras Públicas Federais IFPFs) mais despertou manifestações
contra ou a favor da privatização destas, e/ou fechamento de suas operações
comerciais, do que propriamente debate acerca das nove alternativas de
reconfiguração lá mencionadas, apesar de ter sido este debate o
objetivo anunciado para a audiência pública. Não deixa de ser
frustrante a polarização em argumentos de cunho genérico e, a rigor,
sem grandes novidades, dado que as nove opções delineadas não se
resumem a deixar tudo como está ou varrer do mapa atividades bancárias
das IFPFs.
A oportunidade do debate é óbvia. Por um lado, para que cumpram
sua função, as novas regras de classificação e provisionamento quanto
aos riscos de crédito, estabelecidas na Resolução 2.682 do Banco
Central, não podem deixar de fora os ativos financiados pela parcela
substancial de depósitos bancários do Pais que é captada pelas IFPFs. O
monitoramento quanto às possibilidades de desajustes entre receitas e
despesas operacionais no sistema bancário, necessidade reconhecida por
todos, não pode prescindir de estimativas ajustadas conforme riscos
envolvidos, independentemente de estarem nos lados público ou privado.
Por outro, o enquadramento das operações das IFPFs tende a
implicar elevada pressão de custos, não simplesmente em decorrência de
esqueletos herdados do passado, mas pelo fato de que a natureza de suas
funções Ihes impõe uma carga ausente no caso dos bancos privados. O
distanciamento dos bancos privados no tocante a créditos agrícolas,
habitacionais de baixa renda, desenvolvimento regional, social e setorial,
comércio exterior, infra-estrutura, universalização do acesso bancário
e créditos de longo prazo ou subscrição de ações reflete sua avaliação
de que os retornos operacionais ajustados pelos riscos, em tais áreas, não
são suficientemente atraentes. Logo, sobram para as IFPFs, a quem cumpre
preencher as lacunas.
Tomando como inquestionável a necessidade de cobertura daquelas
lacunas, o debate proposto no relatório propõe-se a focalizar formas
possíveis pelas quais obter maior transparência e melhor relação
custo-eficácia no uso de recursos para tanto. Em princípio, a não ser
nas posições extremas em favor de manter-se o sistema como está ou de
eliminar-se o crédito para aquelas áreas fora do interesse privado a preços
de mercado, há uma convergência em torno da idéia de construir-se
algumas referências - algum "benchmark" - pelas quais discernir
quais são os custos a ser aceitos como contrapartida do preenchimento das
falhas de mercado, separando-os daqueles decorrentes de má gestão dos
recursos. A partir daí, porém, abre-se um leque de opções quanto à
reconfiguração do atual modelo organizacional e institucional de
apropriação de recursos e de execução daquelas políticas de
financiamento, conforme observado no relatório.
Há desde o modelo de financiamento exclusivo por meio de fundos
fiscais ou parafiscais, com seu repasse a destinatários por meio de
bancos privados ou agências públicas de fomento, até a preservação do
atual financiamento parcial mediante operação bancária, mantendo-se
bancos públicos comerciais, de acesso e de desenvolvimento. Na hipótese
de preservação de bancos públicos, com ou sem consolidação entre
eles, destacam-se vários pontos a observar, tais como evitar duplicação
de esforços, aumentar a coordenação entre agentes públicos envolvidos,
buscar alavancar recursos privados em direções convergentes,
compartilhar em maior grau os riscos com os beneficiários, etc.
A guerra de trincheiras desde o inicio da audiência pública tem
ignorado essa diversidade. O relatório ajudou para tanto, à medida que
preferiu construir um "espantalho" das IFPFs, no estabelecimento
de um `'benchmark" para sua avaliação. O tratamento agregado das
instituições, com seu cotejo simples e direto com as atividades
operacionais de bancos privados, negligenciou dois aspectos relevantes.
O primeiro é o fato de que o baixo retorno de mercado de algumas
atividades típicas das IFPFs decorre justamente dos maiores custos
operacionais envolvidos. O relatório, por exemplo, caracteriza como
"pró-ativa" a atuação de fomento do Banco do Nordeste,
"organizando a demanda e indo além da função financeira (Farol de
Desenvolvimento, Agentes de Desenvolvimento e Agências
Itinerantes)", enquanto banco de desenvolvimento regional. A rigor, não
são diretamente comparáveis custos e receitas operacionais dos bancos
privados e das IFPFs, por se reportarem a atividades de natureza distinta,
algo que não pode ser esquecido no estabelecimento de referências para
as últimas.
Por razões similares, outro aspecto problemático foi a abordagem
agregada de custos e retornos das IFPFs, a despeito de o próprio relatório
diferenciar em detalhe sua atuação individual no apoio a diversas funções
de Estado. Além de ressaltar, entre elas, a presença de modelos
distintos de atuação, "em forma e resultado". Não há menção,
por exemplo, quanto às diferenças nas atuais condições de seus
passivos previdenciários. Neste contexto, a ausência de informações
sobre o modelo de previsão usado para a projeção de resultados
operacionais correntes líquidos do conjunto das IFPFs deixou o ponto
ainda mais obscuro.
O relatório apresenta vantagens e desvantagens associadas a cada
uma das nove configurações. No caso do modelo em que subsistiriam apenas
fundos e agências de regulação, aponta como desvantagem o fato de
exigir ambiente socioeconômico avançado, com mercados de capitais e de
riscos bastantes desenvolvidos, pequenas demandas sociais e econômicas e
condições institucionais desenvolvidas. Para resultados factíveis da
audiência pública, portanto, far-se-á necessário o abandono das atuais
trincheiras, rumo às demais alternativas.
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Otaviano Canuto é professor do Instituto de Economia da Unicamp
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