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Fevereiro de 2002 |
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O Caso Contra a Imortalidade Porém no estado atual da psicologia e fisiologia, crença em imortalidade não pode, em qualquer caso, reivindicar nenhum apoio da ciência, e tais argumentos tanto quanto é possível sobre o assunto apontam para a provável extinção da personalidade na morte. Definindo o Problema
Existe vida após a morte? Esta pergunta tem sido feita desde o início
da civilização. É demonstravelmente a pergunta mais pessoal e mais importante
que pode ser feita na luz da percepção da própria mortalidade de alguém. A imortalidade é
um assunto complexo dependente de diversas outras questões filosóficas que
precisam ser discutidas. O pré-requisito fundamental para discutir a
questão da imortalidade é estabelecer o problema dentro de seu contexto
apropriado. Corliss Lamont define a imortalidade como:
A sobrevivência literal da personalidade ou consciência humana individual
por
um período indefinido após a morte [física], com sua memória e percepção de auto-identidade essencialmente intactas (Lamont 22).
Uma distinção básica essencial é a diferença entre sobrevivência da morte
corporal e imortalidade. Sobrevivência implica somente a existência contínua da personalidade após a morte física do corpo sem especificar
se essa existência é eterna ou eventualmente leva a aniquilação (Edwards,
"Introduction" 2). Embora tenham sido propostos argumentos que tentam provar
a indestrutibilidade e por conseguinte a imortalidade da alma (por ex. Platão),
esses
não são a preocupação deste ensaio. Tampouco os problemas potenciais com a
noção de existência eterna endereçada.
Entretanto a preocupação deste ensaio é a possibilidade lógica e a evidência pró ou contra a
sobrevivência da morte corporal. Argumentos pró-sobrevivência não estabelecem nada
a favor da imortalidade, entretanto, argumentos contra a sobrevivência são
argumentos contra a imortalidade. Em outras palavras, a imortalidade pressupõem
a possibilidade da sobrevivência. Isto também significa que qualquer
evidência estimada pela parapsicologia serve somente como evidência pró-sobrevivência (2). Este ensaio não irá
discutir argumentos éticos que
tentam estabelecer a imortalidade como uma conseqüência necessária da
benevolência de um Deus onipotente. Essa linha de argumento nos desviaria do
tópico presente deste trabalho e traria a tona argumentos sobre a existência e
a natureza
de Deus que estão além do escopo deste ensaio. Ao invés, os argumentos
analisados aqui serão ou de uma natureza filosófica ou empírica. Há duas posições fundamentais
quanto a questão
da imortalidade. A
hipótese da sobrevivência assegura que a personalidade humana continuará a
existir de alguma forma após a morte do corpo físico. A hipótese da
extinção sustenta que a personalidade humana se extinguirá permanentemente
após a morte do corpo. Essa distinção pode parecer redundante e óbvia, mas a
necessidade dessa definição precisa se tornará clara quando analisarmos as
teorias da sobrevivência que invocam extinção temporária. Assumirei
que o ônus da prova recai sobre a hipótese da sobrevivência porque em nossas
vidas diárias sabemos da existência da personalidade somente em associação
com o organismo físico vivo; isto é, evidência conclusiva para a existência
contínua da personalidade após a morte do corpo físico não existe para quaisquer
dos pontos de vista que analisarei. Outra importante distinção é a diferença entre
formas pessoais e impessoais de sobrevivência. Sobrevivência pessoal significa
que as pessoas sobreviverão a morte corporal como indivíduos distintos. Um
exemplo de sobrevivência impessoal seria a crença budista no nirvana como um
tipo de Mente Absoluta em que mentes individuais se fundem ou são absorvidas
por ela quando a iluminação é plenamente percebida (Edwards, "Introduction" 2-3).
Este ensaio se dedicará exclusivamente a sobrevivência pessoal. Há três "veículos" para sobrevivência da
personalidade após a morte do corpo que serão considerados: a mente
desencarnada, o corpo astral e a ressurreição. Esses veículos podem ser
usados isolados ou em combinação. Uma mente desencarnada é uma substância
imaterial, não espacial que constitui o estado mental de uma pessoa -- uma
"alma". O corpo astral é uma forma de matéria exótica, que em seu
sentido mais fundamental se refere a uma entidade espacial que possui características
físicas tais como forma, tamanho e posição espacial. Esse critério deve ser estabelecido para distinguir o corpo astral da mente desencarnada. O
corpo astral é conseqüentemente detectável em princípio mas extremamente
difícil de se detectar na prática -- de outra forma seria notado deixando o corpo
na morte ou talvez durante experiências fora do corpo. O corpo astral
também pode ser especificamente imaginado como um reflexo das características do
corpo físico. A ressurreição
do corpo é um milagre patente de Deus na tradição Judaica-Cristã e Islâmica
e dessa forma pressupõe a verdade do monoteísmo tradicional. Assim, como Kai Nielsen
apontou, "se os motivos justificados para crer em Deus são escassos, os
motivos para crer em ressurreição corporal são duplamente escassos" (Nielsen 238).
Esse ponto é relevante porque argumentos contra a existência de Deus são
argumentos decisivos contra a ressurreição; mas argumentos desse tipo não
são minha preocupação no momento. Para isolar a ressurreição como um veículo
para a sobrevivência assumirei uma versão de ressurreição que postula a
extinção da personalidade na morte e sua recriação com uma ressurreição do
corpo. Ressurreição pode ser concebida em duas formas: a ressurreição
literal do corpo em decomposição ou a criação de um novo corpo ou
"réplica". Deve ser notado que pode não haver nenhuma evidência
empírica em apoio a ressurreição se ela for aceita como sendo um evento futuro
sobre a terra ou um evento que acontece em outro mundo. A imortalidade está relacionada com o problema
mente-corpo e o problema da identidade pessoal em filosofia. O problema
mente-corpo diz respeito em como a mente e o corpo estão relacionados entre si. Muitas teorias
têm sido propostas para resolver o problema mente-corpo. O
materialismo moderno sustenta que os estados mentais são redutíveis aos
estados cerebrais físicos. Assim, se o materialismo for verdadeiro, a sobrevivência na forma de mentes desencarnadas ou corpos astrais
é automaticamente excluída. O epifenomenalismo, que sustenta que a mente é um
produto separado embora dependente do cérebro, tem as mesmas implicações
para sobrevivência. A ressurreição é compatível com ambas teorias de
mente. Um dualismo que sustenta que a mente é uma entidade separada, independente
do cérebro é uma pressuposição necessária para a possibilidade de mentes desencarnadas
ou corpos astrais (Edwards, "Dependence" 292). A ressurreição é
consistente com o dualismo se ele está ligado com a noção de uma alma que constitui
a personalidade e desse modo não se extingui com o corpo na morte mas continua a existir
e mais tarde é reunida com um corpo ressurreito (Flew, "God" 108).
Identidade pessoal se refere com o que torna uma pessoa a mesma pessoa
com o passar do tempo. Problemas quanto a identidade pessoal surgirão no contexto de
argumentos específicos sobre a possibilidade lógica da imortalidade.
O Caso Filosófico Contra a Imortalidade
A imortalidade tem sido uma questão discutida principalmente entre filósofos.
Desse modo,
ao analisar o argumento para a extinção permanente da personalidade na morte, é
conveniente se voltar aos argumentos filosóficos antes de examinar a evidência
científica para a aniquilação. Argumentos lógicos, se bem sucedidos, são
decisivos, assim, nem mesmo um apelo a fé pode justificar uma crença que
é incoerente porque ninguém compreenderia o que é que alguém alega
acreditar. A hipótese da extinção é apoiada pelos problemas conceituais que
afligem as noções de mentes desencarnadas, corpos astrais e ressurreição. Crença
na
sobrevivência
na forma de mentes desencarnadas pressupõem que as pessoas possuem uma substância
imaterial, não espacial que constitui a personalidade. Uma objeção a esta
visão, de que seres humanos são essencialmente corpóreos, é anunciada por Corliss
Lamont:
Se examinarmos cuidadosamente seus relatos, descobrimos que... na verdade eles
suprem este espírito com um corpo ... [S]uas descrições dadas a atividades,
funções e meio ambientes normalmente pertencentes a existência
terrena e corpos naturais. A personalidade imortal... vivencia e sofre uma
grande parte de experiências que simplesmente seriam impossíveis sem a
cooperação do... corpo (Lamont 46).
Gardner Murphy ilustra este ponto quando nos pede "para tentar...
imaginar como sua existência pessoal seria se ela fosse privada de todos os meios
para fazer contato com seu ambiente" (Edwards, "Introduction" 47).
Antony Flew nos dá um exemplo excelente de nossa natureza corpórea:
Considere... como você ensinaria o significado de qualquer expressão pessoa para
uma criança. Isso é feito... por alguma forma de indicação direta ou
indireta a membros daquela mesma classe especial de objetos físicos vivos a
qual todos nós pertencemos (Flew, "God" 111).
Assim, para citar John Hospers: "Seu corpo parece estar envolvido com
toda atividade que tentamos descrever mesmo se tentarmos imaginar existir
sem ele" (Hospers 280). Isso levanta uma questão interessante. Mesmo se você
admitisse a possibilidade da existência desencarnada, você ainda teria que justificar a identificação
do espírito desencarnado com a pessoa "de carne e osso" anterior.
C.D. Broad argumenta:
Se eu não consigo conceber claramente como seria ser uma pessoa desencarnada, acho
que é quase inacreditável que as experiências de tal pessoa... pudessem ser
suficientemente contínuas com aquelas que tivera em sua existência junto a qualquer ser humano falecido como
para constituir juntos as experiências daquela mesma
pessoa (Broad 278).
Muitos filósofos têm argumentado que a continuidade corpórea é mais
essencial a identidade pessoal do que a memória porque as alegações de
memória
podem ser verdadeiras ou falsas; portanto a memória em si não é suficiente para
fazer você a mesma pessoa com o passar do tempo -- continuidade corpórea, eles
argumentam, é necessária (Edwards, "Introduction" 48-9). Outro problema para mentes desencarnadas é
chamado de o
problema da individuação. Basicamente, o problema diz: Como distinguimos a
mente A da mente B? A resposta é a localização espacial de seus corpos (Edwards,
"Introduction" 49). É inconcebível como duas mentes poderiam ser distinguidas de
outro modo, especialmente se adicionarmos a condição posterior de que estas mentes
sejam idênticas em conteúdo de pensamento, o que é logicamente possível. Isso nos traz a noção de corpos astrais. O que as teorias de corpo astral
tentam fazer é "retratar uma imortalidade em termos de uma imagem visual
do corpo que é inteiramente dissociada da imagem táctil, para preservar a
forma do corpo terreno sem sua solidez" (Lamont 48 ). Esse é o tipo de
imortalidade que a maioria das pessoas imaginam. Essa visão tende a reforçar o
argumento de que os humanos são essencialmente corpóreos ao definir corpos astrais
em relação aos corpos físicos:
Essa visão não... evita o dilema que temos descrito? Sim, mas
somente para confirmar bastante claramente nosso argumento central. Tão
logo nossa morte triunfe o espírito se torna uma coisa material, e aí mesmo
ele recebe um corpo... Desse modo a unidade essencial da personalidade-corpo é
novamente demonstrada (Lamont 49).
Flew anuncia o problema da seguinte maneira: "Obviamente, é para encontrar
alguma caracterização positiva para um corpo astral" (Flew, "God" 117). Ou
seja, se vamos começar a considerar a noção de corpos astrais seriamente,
vamos precisar de alguns critérios positivos para o que é ser um corpo astral
ao invés de um contraste entre corpo astral e mentes desencarnadas ou corpos físicos
normais. Um
absurdo das teorias de corpo astral é de que corpos astrais exigem roupas
astrais, sem mencionar um completo plano astral que de maneira bastante
conveniente se parece e funciona quase exatamente como o mundo físico [1]. Outro
problema para as teorias de corpos astrais é o problema da sincronização.
Supõe-se que o
corpo astral seja uma duplicata exata do corpo físico (Edwards, "Introduction" 21). Assim, para cada ação física há uma ação astral
correspondente (22). Como Paul Edwards apontou, "todos os
eventos na vida de uma pessoa [envolvem] contato físico... [mas] o corpo
astral não pode tocar ou ser tocado por outro corpo" (22). Edwards sepulta
de vez uma versão das teorias de corpos astrais quando ele observa que:
Se o corpo astral é uma duplicata exata do corpo regular deve morrer junto
com o corpo regular... Se o corpo secular morreu como o resultado de um
tumor cerebral ou como o resultado de ter recebido um tiro no coração, o cérebro
astral e o coração astral devem ter sidos similarmente lesados (22).
Entretanto, não há nenhuma dificuldade conceitual com uma teoria modificada de corpos
astrais. Não é necessário que corpos astrais espelhem corpos físicos de
maneira exata; a caracterização mínima exigida para corpos astrais é a de que eles
tenham algumas características físicas como forma, tamanho e posição
espacial. Uma caracterização mínima, entretanto, dificilmente proporciona uma
descrição plausível. Uma caracterização positiva específica é necessária
para uma
teoria crível. De que forma de matéria exótica o corpo astral é
constituído? Por que o corpo astral permanece indetectável? Como o corpo
astral funciona? Finalmente
chegamos a ressurreição. Ressurreição literal de corpos em decomposição
enfrenta
uma dificuldade particular insuperável: Como as partes constituintes de um corpo
em decomposição há um longo período que foram absorvidas por outros seres humanos
virão a ser reconstituídas em companhia de outras pessoas que compartilham a mesma matéria?
O canibalismo enfrenta o mesmo problema. A outra forma de ressurreição
invoca a criação de um novo corpo que não é materialmente contínuo com o
antigo. Flew imediatamente contesta: "Desse modo produzir mesmo o objeto mais
indistinguivelmente similar após o primeiro ter sido totalmente destruído e
desaparecido não é produzir o mesmo objeto novamente, mas uma réplica" (Flew, "God" 107). Peter Van Inwagen
argumenta que esta objeção também é válida em relação a ressurreição
literal. Ele nos instiga a imaginar um manuscrito que foi escrito por Santo Agostinho,
queimado pelos arianos em 457, e miraculosamente recriado por Deus em 458 (Van Inwagen 242). Van Inwagen
desafia:
O manuscrito que Deus criou... não é o manuscrito que foi destruído,
uma vez que os vários átomos que compõem os traços de tinta em sua
superfície ocupam suas posições atuais não como um resultado da
atividade de Agostinho mas da de Deus (Van Inwagen 243).
Ele também usa a analogia de uma casa de blocos construída por uma
criança. Se a mãe acidentalmente quebra a casa e a reconstrói na mesma
configuração que os blocos originalmente estavam, a casa resultante não seria a
casa de blocos construída pela criança, mas pela mãe (Van Inwagen 243). Conforme John Hick argumenta, se a réplica pode
ou não ser identificada com a pessoa original é
uma questão de decisão. A "objeção réplica" assume que ser o eu de
alguém é um fato que é independente da existência de qualquer outra pessoa.
Em outras palavras, uma vez que a réplica não seria eu se eu existisse e não
tivesse morrido, não há nenhuma razão para chamar a réplica de eu após a
dissolução de meu corpo original. Essa suposição, entretanto, é inválida. Van Inwagen
parece estar fazendo jogo de palavras quando ele argumenta que reconstituir a
pessoa com a mesma matéria seria uma réplica. O manuscrito que Deus criou tem a
mesma história causal que o manuscrito de Santo Agostinho uma vez que eles são
materialmente contínuos entre si, portanto eles são o mesmo manuscrito. Uma réplica
que é materialmente contínua com a pessoa original indica identidade, mas continuidade
corpórea não é necessária para identidade pessoal. Se eu
tenho meu carro reparado e cada uma das partes é gradualmente substituída, o
carro resultante é o mesmo carro? De fato é. Se cada uma das partes fosse desmontada e
em alguma data posterior o carro fosse remontado completamente com partes
diferentes, mas com exatamente o mesmo material e qualidade e na mesma exata
configuração que o original, o carro resultante seria o mesmo carro. É o
mesmo carro porque é o contínuo mais próximo do original [2]. Se o original existe e uma réplica exata é criada, então
o original seria o contínuo mais próximo e a réplica não seria o mesmo carro.
Se o original é
destruído realmente importa. Se meu corpo morre e uma réplica é
criada, há razão para chamá-la de eu; se meu corpo vive e uma réplica é criada,
não há razão para chamá-la de mim. Portanto a objeção réplica falha em
excluir a
possibilidade de ressurreição. Admitir que a
ressurreição corpórea é logicamente possível, entretanto, não é dizer
muito. Em terrenos científicos a crença de que uma pessoa cujos restos tenham
virado pó ou sido absorvidos por outros organismos e que na verdade será regenerada como uma réplica completamente funcional é
inacreditável. Para usar um dos exemplos de Kai
Nielsen, tal evento é tão improvável quanto um homem crescer com
exoesqueleto de alumínio enquanto seus ossos se transformam em bastões de ferro (Nielsen 240).
Embora possamos imaginar como seria para que esses tipos de eventos acontecessem ao
formar uma imagem geral deles, não temos nenhuma idéia de como tais eventos
poderiam realmente ocorrer quando chegamos aos seus detalhes (Nielsen 240-41).
Proporcionar uma explicação detalhada de como uma réplica ressureita pode
vir a existir é tão promissor quanto explicar como astronautas poderiam
construir uma estação espacial no centro do Sol. Tais eventos são
possibilidades lógicas somente porque eles não são auto-contraditórios do
mesmo jeito que a noção de um quadrado redondo. Mas eles não são
possibilidades científicas reais. Aqueles que acreditam em
ressurreição do corpo provavelmente reconheceriam que tudo isso é muito
improvável na ausência de um milagre de Deus. Mas eles argumentariam que a
ressurreição não é improvável se fosse permitida a possibilidade de intervenção divina.
A ressurreição exigiria um ato de Deus, é claro, mas não
temos nenhuma razão para acreditar que um Criador inteligente ressuscitaria seres
humanos mortos mais do que temos para acreditar que ele ressuscitaria os dinossauros.
Esse é o caso porque não temos nenhuma maneira confiável de determinar quão provável ou
improvável qualquer evento é uma vez que é permitida a intervenção
sobrenatural. Como uma conseqüência disso, a ressurreição dos
mortos é apenas tão provável dado a intervenção sobrenatural quanto é crescer
um exoesqueleto de alumínio enquanto os ossos de alguém se transformam em
bastões de ferro.
Outro problema para sobrevivência em qualquer forma é o problema
da regressão de idade, que é declarada por W. T. Stace:
Quando um homem velho morre, qual tipo de consciência se supõe sobreviver? É a consciência
de pouco antes de sua morte, que pode
talvez ter se tornado imbecil? Ou é a consciência de sua meia idade? Ou é
a mente infantil que ele tinha quando era um bebê? A questão não é que
não tenhamos respostas para essas perguntas... A questão é que todas as respostas
possíveis são igualmente sem sentido... [O] homem velho que morreu
repentinamente reverterá para sua meia idade após a morte? E a criança que
morre repentinamente se tornará madura? (Edwards, "Introduction" 60).
Os problemas conceituais com os três veículos comuns para sobrevivência
torna a sobrevivência uma possibilidade altamente implausível. Existência
desencarnada é inconcebível, corpos astrais são muito mal definidos ou
indefinidos para garantir sua aceitação, e a ressurreição literal entra em
conflito com o fato de que muitas pessoas que compartilham a mesma matéria não
podem todas ser ressuscitadas dessa mesma matéria. Não há nenhum problema lógico para
a probabilidade de uma réplica ressuscitada, mas dada nossa existência passada, a
ressurreição é uma possibilidade altamente improvável para o futuro. Agora me voltarei
para a evidência científica.
O Caso Científico Contra a Imortalidade
A ciência moderna demonstra a dependência que a consciência tem do cérebro,
confirmando que a mente deve morrer com o corpo. Essa conclusão é emocionalmente
difícil de aceitar. Dylan Thomas vigorosamente expressa a animosidade que
muitos de nós sentimos com respeito a perspectiva de nossa inevitável extinção:
"Não seja gentil naquela boa noite. Enfureça-se, enfureça-se contra a
agonia
da luz" (Lamont
211). Miguel de Unamuno expressa sentimentos similares: "Se é o nada que nos
espera, vamos cometer uma injustiça contra ele; vamos lutar contra o destino,
ainda que sem esperança de vitória" (Lamont 211). Bertrand Russell
chega a uma
conclusão diferente: "Devo desdenhar os calafrios de terror ao pensar na aniquilação.
A felicidade não é, absolutamente, menor e menos verdadeira apenas porque
deve, necessariamente, chegar a um fim, e tampouco o pensamento e o amor perdem
seu valor por não serem eternos" (Edwards, "Immortality" vi).
Eu devo admitir que, quando confrontado pela morte de alguém próximo a mim, ou
contemplando minha própria morte inevitável, não sou confortado por tais
palavras de sabedoria. Contudo, não podemos basear nossas crenças naquilo que
queremos que seja verdade; a verdade apenas pode ser encontrada ao analisar a
evidência para uma dada idéia. No caso da imortalidade, a hipótese da
extinção é apoiada por evidência forte e incontroversa
proveniente de dados
experimentais sólidos da psicologia fisiológica, ao passo que a hipótese
da
sobrevivência é apoiada no máximo por evidência anedótica fraca e questionável
proveniente da parapsicologia. O grito unificador de muitos
parapsicólogos é que eles descobriram evidência indiscutível do fenômeno paranormal ou "psi" inexplicável pela ciência
moderna que tem sido ou ignorada ou negada pela comunidade científica em grande
parte por razões puramente dogmáticas que o psi não se encaixa em noções
preconcebidas e preconceitos dos cientistas modernos. Esses parapsicólogos freqüentemente
falam de uma revolução científica que está por vir comparável com a descoberta de Copérnico
de que o sol é o centro do sistema solar. Antony Flew argumenta que as
acusações de um dogmatismo a priori são injustificadas:
É simplesmente grotesco se queixar, na ausência de qualquer evidência
falsificável decisiva, que esses apelos as... leis nomeadas da física
estabelecida são exercícios de um dogmatismo a priori. Para o que "a
priori" significa: antes de e independente de experimentações. Mas em ...
esses tipos de casos temos uma enorme quantidade de experimentação apoiando
nossas crenças atuais e nossas incredulidades atuais (Flew, "Parapsychology" 138-9).
Não há nenhuma base para a conclusão de que a parapsicologia vai liderar algum tipo de revolução científica. As teorias
revolucionárias de Copérnico e Darwin exigiram apoio de vários tipos
diferentes de evidência sólida antes de ganhar aceitação na comunidade
científica, as previsões de Einstein a partir da relatividade foram baseadas
em uma teoria científica e subseqüentemente verificada por experimentação.
Embora, quando analisamos a parapsicologia não encontramos nenhuma pista de
uma revolução por vir. Primeiro, para citar Flew, "a longa busca de
demonstração repetível de qualquer fenômeno psi parece estar tão longe como
sempre esteve"
(Flew, "Parapsychology" 140). Um estudo do National Research Council em 1988,
publicado como Enhancing Human Performance [Acentuando o Desempenho
Humano], examinou muitas áreas de
pesquisa para determinar como melhorar o desempenho individual e de grupo (Frazier
150). A seção do trabalho do NRC sobre o "Fenômeno Paranormal"
concluiu: "O comitê não encontrou nenhuma justificativa científica
proveniente de pesquisas conduzidas por um período de 130 anos para a existência do fenômeno
parapsicológico" (Frazier
151). Segundo, "ninguém foi capaz de imaginar qualquer teoria parcialmente
plausível a favor da ocorrência de qualquer fenômeno psi" (Flew, "Parapsychology"
140). Finalmente, os parapsicólogos não oferecem nenhum critério positivo para
qual tipo de evento que seria categorizado como um exemplo de fenômeno paranormal.
Como Flex coloca, "todos os termos psi se referem em maior extensão à ausência de
quaisquer meios ou mecanismos, ou em qualquer medida para a ausência de quaisquer
meios normais e compreensíveis" (140). Claramente
a evidência parapsicológica em geral está em falta. Entretanto,
devemos avaliar a evidência parapsicológica diretamente citada como sendo a
mais consistente com a sobrevivência. Relatos de aparições podem ser explicados em
termos de fraudes ou alucinações. Evidência fotográfica de aparições é
dúbia[3] porque os fantasmas tendem a se parecer memoravelmente como
exposições duplas ("Ghost" 293). Além disso, as aparições podem ser
explicadas em termos de alucinações porque:
Há uma tendência em 'ver' faces e formas humanas mesmo em formas
bastantes aleatórias... É possível que criações perceptuais desse tipo
sejam ocasionalmente evocadas em estados de medo, e parece haver fatores sociais
determinando em algum grau as formas que fantasmas adotam[4]
[itálicos meus]... [A] falta de evidência consistente impede a aceitação
geral de fantasmas (293-4).
A teoria de que aparições são alucinações ao invés de manifestações
externas de falecidos ganha apoio adicional de muitas ocasiões especiais aonde
outras pessoas que estão em posição de ver a aparição relatada não a vêem
(Cook 128). Finalmente, o fato de que as aparições "raramente comunicam alguma informação importante" sugere que
as experiências de aparição são alucinações (Beloff, "Anything" 261). Experiências fora do corpo
(EFC) são também citadas como
evidência parapsicológica para sobrevivência. A ex-parapsicóloga Susan Blackmore
sumariza os resultados de investigações em EFC: "Não há nenhuma
evidência real de psi em EFC, não há nenhuma evidência de qualquer coisa deixando
o corpo, e não há nenhuma evidência de efeitos causados por pessoas fora do
corpo" (Blackmore, "Elusive" 132). Experimentos desenvolvidos para detectar um
fantasma de uma pessoa viva [double] durante EFC alcançaram resultados negativos:
A magnitude de qualquer efeito detectado tem diminuído com o aumento da
sofisticação experimental. Os estudos mais recentes têm usado magnetômetros,
termistores [thermistors], detectores de ultravioleta e infra-vermelho, e etc... mas
ainda nenhum
detector confiável foi encontrado (Blackmore, "Oxford" 572).
Os parapsicólogos "têm até mesmo usado 'detectores' animais e humanos,
porém nenhum ainda teve sucesso em detectar qualquer coisa confiável" (Blackmore, "Near-Death"
38). Outro tipo de experimento foi desenvolvido para determinar se pessoas em EFC
podem obter informações de um local remoto. Blackmore concluiu que:
A evidência experimental é fraca. Foi pedido para as pessoas que vissem cartas, números ou
figuras alvo, colocadas em salas distantes... [e] outros
estudos tentaram descobrir se as pessoas pareciam estar olhando de um local
específico durante a EFC; entretanto, os resultados foram
inconclusivos. Geralmente esses estudos proporcionaram resultados bastante
confusos e não está claro se algum processo paranormal está envolvido (Blackmore, "Oxford"
572).
Parece que a evidência é mais consistente com um modelo psicológico de EFC:
Se o input sensorial é reduzido ou interrompido, o modelo baseado
no input normal do mundo pode começar a se tornar instável e cair. Nesse caso o
sistema cognitivo tentará voltar ao normal criando um novo modelo do mundo a
partir da imaginação... [a partir] da visão de um olho de pássaro, como
se fosse uma vista aérea (Blackmore, "Oxford" 573).
De acordo com esse modelo, "se a EFC ocorre quando o modelo normal da
realidade é substituído por uma vista aérea construída a
partir da memória, então pessoas que têm EFC deveriam ser mais capazes de
usar tais visões em memórias e imaginação" (Blackmore, "Elusive" 133). Blackmore
conduziu alguns experimentos e descobriu que "pessoas que passaram por EFC foram melhores em
mudar pontos de vista, foram especialmente boas em imaginar cenas a partir de uma
posição acima de suas cabeças, e lembraram-se com uma freqüência maior de sonhos em
uma perspectiva de vista aérea" (133). Peter Geach argumenta que a
evidência para um "fantasma de pessoa viva [double]" é
fraca porque:
Supõem-se haver uma porção de "corpos tênues" ao redor, e os físicos
têm uma porção de aparelhos delicados; embora físicos não comprometidos em
pesquisa física nunca foram incomodados pela interferência de "corpos
tênues"...
As descobertas do raio X e elétrons não empolgaram o público leigo, mas os físicos,
a estudar a evidência; e desde que como físicos... se recusam a admitir "corpos
tênues" seriamente, um estudo de evidência para eles
por um leigo como eu seria uma perda de tempo (Geach 226).
Outro fenômeno freqüentemente citado como evidência da sobrevivência são
as experiências de quase morte (EQM). Os proponentes da sobrevivência argumentam
que por causa dos traços centrais das EQM serem quase invariavelmente relatados
pelos que passaram pela experiência, as EQM constituem evidência para uma realidade pós-morte objetiva. Entretanto,
esses traços centrais podem ser explicados por modelos fisiológicos porque os mesmos processos
cerebrais ocorrem no início da morte (por ex., privação de oxigênio,
liberação de endorfina e descarga neural aleatória) e naqueles que passam
pela EQM, assim suas
experiências subjetivas deveriam seriam similares (Blackmore, "Dying" 261).
Outro argumento é que as EQM são reais porque elas parecem reais, mas
isso
não constitui mais evidência de que EQM reflita uma realidade externa do que o
fato de que alucinações que parecem reais constituem evidência de que elas são
reais. Alguns pesquisadores alegam que foram obtidas informações de EQM por outros
meios além da percepção sensorial, mas não há nenhuma evidência
experimental para apoiar essas alegações. Madelaine Lawrence desenvolveu um
experimento de obtenção de informação onde uma tela eletrônica colocada na
ala de reabilitação
cardíaca do Hartford Hospital, Connecticut, mostrava uma sentença que era
mudada aleatoriamente e não podia ser vista a favor de um paciente ou da equipe
(Lawrence 158-9).
Quando alguém teve uma EQM, tudo o que eles tinha que fazer é repetir o que a sentença
dizia; então a equipe podia relatar o que o pessoa em EQM dizia e determinar se
houve um
acerto. Os resultados não produziram nenhuma evidência de que alguém pudesse
obter informação de um local remoto durante uma EQM [5].
A precisão das descrições do ambiente em EQM pode ser baseada em
percepções semiconscientes do ambiente anteriores ao colapso da percepção que
são incorporadas em imagens alucinatórias durante as EQM. Não há nenhuma
corroboração para alegações de percepção fora do ambiente imediato do
paciente[6] ou percepção acurada em EQM no escuro[7],
desse modo o argumento paranormal não constitui evidência para sobrevivência (125-133).
Finalmente, o fato de que pessoas passaram por transformações positivas
de personalidade após EQM não indica uma experiência mística de uma vida após
a morte. Um estudo conduzido por Kenneth Ring descobriu que transformações de
personalidade ocorreram em pessoas que chegaram medicamente próximas da morte
independentemente de ter ou não experimentado EQM, sugerindo que a
transformação resultou de se encarar a morte ao invés de uma EQM (248-9).
Alguns achados da pesquisa em EQM são mais consistentes com modelos
fisiológicos e psicológicos. Nenhum dos pacientes que relataram EQM tiveram
morte cerebral porque a morte cerebral é irreversível (Beyerstein 46).
Primeiro, EQM ocorrem somente em um terço de todos os casos onde há uma crise
próxima da morte (Ring 194). Segundo, os detalhes das EQM dependem do background
cultural e pessoal do indivíduo (Ring 195). Terceiro, fatores fisiológicos e
psicológicos afetam o conteúdo das EQM. Barulhos, túneis, luzes brilhantes e
outros seres são mais comuns em condições fisiológicas que afetam diretamente
o estado cerebral, como ataque cardíaco e anestesia, ao passo que euforia,
sentimentos místicos, revisão da vida e transformação positiva possam ocorrer
quando as pessoas simplesmente acreditam que vão morrer (Blackmore, "Dying" 44-45).
Quarto, os traços centrais das EQM são encontrados em alucinações de ocorrência natural ou
induzidas por drogas (Siegel 174). As EFC podem ser induzidas pelo anestésico cetamina
(Blackmore, "Dying" 170). Uma experiência de túnel é uma forma comum
de alucinação psicodélica (Siegel 175-6). Todos os estágios das EQM ocorrem
em seqüência sob a influência de haxixe (Blackmore, "Dying" 42-3).
Quinto, uma formação de dióxido de carbono no cérebro induzirá EQM (Blackmore, "Dying" 53-4).
Sexto, a revisão panorâmica da vida lembra em muito uma forma de epilepsia do
lobo temporal (206). Há até mesmo casos onde epilépticos tiveram EQM ou viram
aparições de amigos e parentes mortos durante seus ataques (206).
Sétimo, simulações computadorizadas de descargas neurais aleatórias baseadas em mapeamento
olho-cérebro do córtex visual produziram o túnel e a luz característicos das
EQM (84). Oitavo, o fato de que a naloxona -- um antagonista opióide que inibe
os efeitos das endorfinas no cérebro -- interrompe experiências de quase morte
proporciona alguma confirmação para a teoria endorfínica das EQM:
No prazo de um minuto [após ser injetado com naloxona] ele acordou
em um estado agitado, e mais tarde relatou uma experiência semelhante a EQM
que aparentemente foi interrompida pelo naloxona, sugerindo que a
experiência podia ter sido mediada por peptídeos opióides (Saavedra-Aguilar and Gomez-Jeria 210-211). Finalmente, as EQM podem ser induzidas por estimulação elétrica direta de
áreas cerebrais ao redor da fissura de Sylvian no lobo temporal direito (Morse 104).
Outros
achados são categoricamente inconsistentes com a sobrevivência. Os túneis descritos
em EQM
variam consideravelmente na forma. Se as EQM refletissem uma realidade externa,
seria esperado consistência na forma das experiências de túnel
relatadas (Blackmore, "Dying" 77). Além disso, foram relatados casos de EQM
onde o paciente tinha identificado os "seres de luz" como a equipe
médica fazendo tentativas de reanimação (227). Finalmente, o fato de que
"crianças vêem com mais freqüência amigos vivos do que aqueles que
morreram" em EQM sugere fortemente que EQM não são experiências de uma
realidade externa após a morte (Blackmore, "Near-Death" 36). Memórias de vidas passadas são também
consideradas evidência para sobrevivência, particularmente para a reencarnação.
Há evidência acumulada por parapsicólogos onde pessoas proporcionam detalhes
históricos acurados quando elas descrevem "memórias" de "vidas
passadas" enquanto sob hipnose. Essa evidência, entretanto, é mais
consistente com uma explicação alternativa -- a criptomnésia. Melvin Harris
descreve este fenômeno:
Para compreender a criptomnésia devemos pensar na mente subconsciente como
um vasto e confuso depósito de informação. Essa informação vem de livros,
jornais e revistas; de palestras, televisão e rádio; de observação direta e mesmo
fragmentos de conversa ouvidos por acaso. Sob circunstâncias normais a maior parte deste
conhecimento não é suscetível de recordação, mas algumas vezes essas memórias
profundamente enterradas são espontaneamente revividas. Elas podem ressurgir em uma forma
desconcertante, uma
vez que suas origens são completamente esquecidas (Harris 19).
Existem numerosos casos onde informações de regressões de vidas passadas
podem ser traçadas até certos casos mundanos mediante investigação posterior (Edwards,
"Introduction" 9). De fato,
Em todos os casos [de vida passada] que até agora foram evocados sob hipnose, ou
não havia nenhuma pessoa como a descrita ou o personagem em questão poderia
ter sido conhecido do informante que ... pode conscientemente não estar a par
completamente da
fonte deste conhecimento (Beloff, "Anything" 262).
Outra forma de memórias de vida passada não envolve regressão hipnótica.
"Memórias" de vidas prévias ocorreram espontaneamente durante a vida
desperta em
casos investigados na Índia por Ian Stevenson. Stevenson coletou casos onde
crianças geralmente entre dois e quatro anos começaram a falar sobre suas
"vidas prévias" e mesmo suas "mortes prévias" (Edwards,
"Introduction" 11). Normalmente as memórias se perdem por volta dos
oito anos de idade. Em diversos casos as pessoas que as crianças alegam ser em uma vida
prévia de fato existiram e muitas das descrições dadas foram acuradas (11). Stevenson descartou a possibilidade de
fraude porque ele não viu nenhum motivo para isso. Ian Wilson apontou que
muitas crianças alegam ter pertencido a uma casta mais elevada, assim uma
motivação para melhorar as condições de vida é óbvia
(Edwards, "Introduction" 12). Em um caso um menino queria um terço das terras
de seu "pai da vida passada" (12). Stevenson contratou David Barker, que
estava pesquisando para uma dissertação de antropologia na Índia, para
ajudar a analisar alguns de seus casos e Barker descobriu que não havia um
único caso de evidência convincente de qualquer fator paranormal (12).
Stevenson também contratou o advogado
Champe Ransom para analisar alguns casos. Ransom concluiu:
Os casos de Stevenson nem mesmo contam como uma uma evidência parcialmente
decente.
Em somente 11 dos aproximadamente 1.111 casos de renascimento não havia
ocorrido nenhum contato entre as duas famílias antes de se iniciar uma investigação. Dos 11, sete
estavam seriamente comprometidos por falhas de algum modo. O que isso significa
é que na grande maioria dos casos, as duas famílias tinham se encontrado
anos antes de uma investigação científica começar, e que a probabilidade
de testemunho independente era bastante pequena. Os casos de renascimento são
evidências anedóticas do tipo mais fraco (Edwards, "Introduction" 14).
O fato de que a vasta maioria dos casos de Stevenson vem de países aonde uma
crença religiosa na reencarnação é forte, e raramente de outro lugar, parece
indicar que condicionamento cultural (ao invés de reencarnação) gera
alegações de memórias espontâneas de vida passada. Além disso, a
reencarnação parece incapaz de explicar casos espontâneos aonde a criança
alegar se lembrar da 'vida anterior' de uma pessoa que tinha morrido após
a criança nascer (Cook 129).
Embora a mediunidade seja freqüentemente citada como evidência para sobrevivência,
a maior parte do material deste tipo é duvidoso. A maioria das sessões com médiuns pode ser
explicada em função de adivinhação e sugestões óbvias ou subliminares
proporcionadas pela pessoa que o está consultando (Becker 9). Além disso, como Peter Geach apontou,
"Há casos, tão bem autenticados quanto qualquer um, em que o médium convincentemente
desempenhou o papel de X e disse coisas que 'somente X podia saber' quando X estava de
fato vivo e normalmente consciente" (Geach 231). Carl Becker concluiu que:
A teoria de que médiuns se comunicam com inteligências desencarnadas se
torna ainda mais suspeita sob a luz de experimentos em que o 'contato mediúnico'
foi feito com personagens vivos ou demonstravelmente ficcionais. O manifesto
potencial para fraude nesse negócio levantou tanta suspeita na profissão que
poucos parapsicólogos atualmente contam as sessões mediúnicas entre suas fontes de
evidência (Becker 9).
O falecido Robert Thouless, ex-presidente da Society for Psychical
Research, desenvolveu um teste para a sobrevivência onde uma mensagem é
encriptada de tal maneira que somente pode ser decodificada por palavras chave conhecidas somente por alguém que morreu (Stevenson 114).
Thouless desenvolveu três mensagens encriptadas para ele mesmo, na esperança de comunicar palavras
chave para seus colegas através de um médium após sua morte. Embora o
primeiro criptograma que ele propôs fora decifrado algumas semanas após ele tê-lo
publicado, nenhum dos outros dois criptogramas foram decifrados durante sua
vida, proporcionando uma rara oportunidade para parapsicólogos produzirem evidência
constrangedora de sobrevivência à morte do corpo. A chave para um dos
criptogramas remanescentes (uma reposição para a chave decifrada) era uma
chave simples de duas palavras; a chave para a outra era uma passagem literária
de aproximadamente 100 palavras. A chave da passagem literária, embora longa,
podia ser obtida simplesmente transmitindo-se o título do livro, a
localização da passagem naquele livro, e algumas das palavras do início da
passagem (Oram 118). Sob os conselhos de Ian Stevenson, Thouless também
transpôs as primeiras seis letras de sua chave de duas palavras em números
usando uma tabela publicada de modo a restaurar uma combinação da fechadura
para aqueles números ((Stevenson 114). Diferente dos testes de mensagens
encriptadas de Thouless, o teste da combinação da fechadura exigia que a chave
inteira fosse conhecida para decifrá-la e não dava nenhuma pista de que
alguém estivesse próximo de acertar a chave através de aproximações, desse
modo descartando a possibilidade de que alguém pudesse diminuir sua opções de
uma chave através de tentativas repetidas para abrir a combinação da
fechadura (115). Stevenson relatou que as chances de se acertar a chave certa
para um teste de combinação de fechadura puramente pelo acaso é de 1 em
125.000 (115). Quando Thouless morreu em 1984 aproximadamente uma centena
de candidatos para uma chave foram submetidos a Society for Psychical
Research,
alguns deles vieram de médiuns, mas nenhum foi capaz de decifrar quaisquer
das mensagens encriptadas de Thouless (Stevenson 114). Entretanto, em 1995 James Gillogy
decodificou com sucesso uma das mensagens de Thouless usando as duas palavras
chave "black beauty" geradas por um programa de computador que ele
desenvolveu[8] o qual produziu a mensagem: "Esta é uma cifra que não será lida
a menos que eu dê as palavras chave". A descoberta da chave de duas
palavras de Thouless foi confirmada posteriormente quando Stevenson usou sua
tabela para transpor "BLACKB" em números os quais abriram a combinada
da fechadura de Thouless (115) A falha no teste de Thouless
que o permitiu ser decifrado foi o uso de palavras comuns para uma chave que podiam
facilmente ser cruzadas por um programa de computador desenvolvido para formar
combinações de duas palavras a partir de todas as entradas em um dicionário típico (Oram 116).
Incrivelmente, o parapsicólogo Arthur Oram chegou a conclusão crédula de que
as repetidas falhas de médiuns de trazerem uma chave que decifrará com sucesso
as mensagens codificadas de Thouless apesar dos numerosos testes é devido a
incapacidade do falecido Thouless de lembrar-se das chaves simples 'no outro
lado'! (Embora o falecido Thouless pudesse aparentemente lembrar-se de quem era Oram
e outros fatos similares) (Oram 117). Uma explicação mais simples para esses
fracassos é que Thouless não conseguiu comunicar as palavras chave porque ele de fato
não 'sobreviveu' sua morte e assim não esteve em contato com Oram através de
médiuns. Para seu crédito, Oram concedeu esse ponto de vista:
Parece honesto assumir que se [os médiuns] estiveram de fato em contato com
Thouless ou eles teriam dado a chave ou uma explicação de que [e o por
quê]
ele não conseguiu se lembrar ou não conseguiu comunicar a chave...
[Um] número considerável de pessoas sentiu ter estado em
contato com Thouless e algumas delas sentiram que fora bastante intensamente,
incluindo pelo menos uma cuja chave enviada era de uma
forma errada [itálicos meus] (117). Em relação ao teste mais simples de Thouless, Oram relatou: "Não
há nenhum exemplo em nossos registros de alguém trazendo as duas palavras chave
mesmo que parcialmente correta" (118). Outros testes diretos similares da
hipótese da sobrevivência também obtiveram resultados negativos: tentativas
de obter pós-morte a passagem literária chave de Thouless para sua mensagem
restante, a chave mnemônica de Gaither Pratt para sua combinação de
fechadura, e a chave de T. E. Wood para sua mensagem cifrada foram todas sem
sucesso (Stevenson, et al, 329-334). Oram sucintamente caracteriza o estado
da evidência experimental para sobrevivência a partir da mediunidade: "Podemos
somente estar certos a respeito de dois fatos relacionados com essa pesquisa; um é
do trabalho que foi feito para tentar trazer as chaves através de médiuns e o outro
fato é que não obtivemos as chaves" (Oram 118). Cook 128Em todos esses casos é importante perceber que explicações alternativas
não têm que ser comprovadas. Ao invés, se certos fenômenos são para ser
considerados indicativos da sobrevivência, a sobrevivência deve ser a única
hipótese consistente capaz de explicar a evidência. De outra forma os
argumentos de sobrevivência não têm nenhuma força: "Se qualquer razão
explicável possa ser suposta, então a evidência desaparece, entretanto se o
evento é bizarro, o
ônus é sempre mostrar que o evento é paranormal" (Gregory 577). Enquanto
a evidência
parapsicológica para sobrevivência é insuficiente, a evidência fisiológica
para extinção é mais do que suficiente. Em meados do século 18 o filósofo
David Hume declarou as bases fundamentais do argumento empírico para a aniquilação:
A fraqueza do corpo e da mente na infância são exatamente proporcionais;
seu vigor na vida adulta, sua desordem consoladora na doença, sua queda
gradual comum na velhice. O próximo passo parece inevitável; sua
dissolução comum na morte (Hume 138).
Barry Beyerstein aponta que a visão de "que a consciência é
inseparável do funcionamento de cérebros individuais permanece a base da
psicologia fisiológica" (Beyerstein 44). Isto é devido, ele diz, "a parcimônia
da teoria e produtividade da pesquisa, a gama de fenômenos contando a favor, e a falta de
contra-evidência crível" (45). Beyerstein lista cinco
tipos principais de evidência empírica que apóia a dependência que a consciência
tem do cérebro. Primeiro, a evidência filogenética se refere a
relação evolucionária entre a complexidade do cérebro e os traços
cognitivos de uma espécie (Beyerstein 45). Corliss Lamont sumariza essa
evidência: "Encontramos que quanto maior o tamanho do cérebro e seu
córtex cerebral em relação ao corpo do animal e quanto maior é a sua complexidade,
maior e mais versátil é a forma de vida" (Lamont 63). Segundo, a evidência
de desenvolvimento para a dependência mente-cérebro é que as habilidades
mentais emergem com o desenvolvimento do cérebro; falha no desenvolvimento
cerebral impede o desenvolvimento mental (Beyerstein 45). Terceiro, evidência
clínica consiste de casos de dano cerebral resultante de acidentes, toxinas,
doenças e desnutrição que freqüentemente resultam em perdas irreversíveis
de funcionamento mental (45). Se a mente pudesse existir independentemente do
cérebro, por que a mente não poderia compensar as faculdades perdidas quando
células cerebrais morrem após um dano cerebral? (46). Quarto, a evidência
empírica mais forte para a dependência mente-cérebro é derivada de
experimentos na neurociência. Estados mentais estão correlacionados com estados
cerebrais; estimulação elétrica ou química do cérebro humano invoca percepções,
memórias, desejos, e outros estados mentais (45). Finalmente, a evidência
experimental para a dependência mente-cérebro consiste dos efeitos de diversos
tipos diferentes de drogas que previsivelmente afetam os estados mentais (45). A
memória é essencial para a auto-identidade. Estimulação elétrica ou
química do cérebro pode impedir a formação de novas memórias e causar
perda de memória para eventos que ocorreram há mais de três anos antes de tal
intervenção (Stokes 71). Os neurocientistas acumularam uma quantidade
considerável de evidência de que os traços de memória a longo prazo "são
dependentes de, e talvez consistem de, mudanças na intensidade de conexões
sinápticas entre neurônios" (Stokes 73). Lamont argumenta que porque:
O funcionamento apropriado da memória... depende... de padrões de
associação estabelecidos como impressões estruturais duradouras por
intermédio de conexões interneurônios... é difícil além da medida compreender
como eles possam sobreviver após a destruição do cérebro vivo no qual tinham seu lócus original (Lamont 76).
Evidência experimental adicional para a dependência mente-cérebro é
derivada a partir de pacientes com "cérebro dividido" que foram
submetidos a uma operação que separa o corpo caloso para reduzir ataques epilépticos (Beyerstein 45). O corpo
caloso é uma faixa larga de fibras que conecta diretamente os hemisférios
esquerdo e direito do cérebro. Se uma informação é apresentada apenas a um
hemisfério de um paciente com "cérebro dividido", o outro hemisfério não
a percebe e
é incapaz de compreender as reações do hemisfério informado (45). O
resultado da cirurgia que "divide o cérebro" é a formação de dois sistemas mentais, cada um
com atributos mentais independentes (45). Uma variedade de testes psicológicos
corroboram a existência de duas correntes de consciência demonstravelmente
alheias dos conteúdos da outra (Parfit 248). Para citar um exemplo
engraçado, "um dos pacientes se queixa que às vezes, quando abraça sua
esposa, sua mão esquerda a empurra" (Parfit 249). Beyerstein questiona:
"Se existe uma mente 'flutuando livremente', por que ela não consegue manter
a unidade da consciência proporcionando uma ponte de informação entre os
hemisférios desconectados?" (Beyerstein 46). Um dos argumentos mais fortes da dependência
mente-cérebro vem dos efeitos de "marca-passos cerebrais" que
estimulam eletricamente o cerebelo nos cérebros de psicóticos (Hooper e Teresi 154).
O seguinte caso ilustra esses efeitos:
Outro paciente, um ex-físico severamente deprimido, era perturbado por
vozes que o mandavam sufocar sua esposa. Quando ele recebeu um dos
marca-passos do Dr. Heath em 1977, as vozes infernais desapareceram, junto com
seu desânimo perene...
Mas eventualmente seu aparelho quebrou, e uma vez mais sua esposa foi ameaçada por
estrangulamento. Quando o aparelho foi consertado, também foi a psique do homem (Hooper
e Teresi 155).
Há alguns exemplos provenientes da neurociência da dependência da consciência do
cérebro. Sabemos que alterar a química do cérebro pode levar a mudanças
drásticas na personalidade. Esquizofrenia e doença de Alzheimer são exemplos
dramáticos da dependência mente-cérebro. Se você está pensando em suicídio,
não vá a um psiquiatra, vá a um farmacologista. Uma combinação de um
antidepressivo e triptofano deve banir todos os pensamentos de por fim em sua vida
(Hooper e Teresi 171). Diversos proponentes que pensam que o cérebro
é um instrumento da alma usam argumentos como o seguinte na tentativa de reconciliar
a fisiologia e a alma:
Um vidro colorido... [tem] apenas uma função condutora em relação
a luz que brilha através [dele], uma vez que [ele mesmo não] cria os raios.
O mesmo pode ser dito de um órgão, que transforma o ar já existente em
música. Em um modo similar o corpo humano pode agir como um aparelho
transmissor para a alma sobrenatural (Lamont 98).
Corliss Lamont torna aparente que sua resposta não tem nenhuma força:
Uma lesão grave na cabeça, por exemplo, pode transformar um homem
geralmente cordial em um sujeito sombrio e mal-humorado para subitamente se encaixar
em mania homicida. Se o
cérebro e o corpo são simplesmente os instrumentos da alma, temos de dizer
em tal caso que esta personalidade ainda está realmente repleta com a alegria e
benevolência, mas que infelizmente esses sentimentos somente podem se
expressar em olhares sombrios, em queixas irritadas e em ataques violentos (Lamont 100).
Lamont continua:
Suponha... [ele] se torne definitivamente insano... [e] é convencido de que
é Napoleão... Vamos dizer que sua personalidade real ainda é normal, que
sua alma ainda está pensando clara e saudavelmente, e que tão logo ele se
livre de seu corpo quando morrer ele voltará a sua consciência normal? (100).
As ilustrações da "teoria do instrumento" revela uma falha fatal:
Se o corpo humano corresponde a um vidro colorido... então a personalidade
viva corresponde a uma luz colorida que é o resultado do vidro... Já que embora a luz em geral continuará a existir sem o vidro colorido... os raios
específicos vermelho ou azul ou amarelo que o vidro produz... certamente não
persistirão se o vidro [é] destruído (Lamont 104).
As conseqüências da teoria do instrumento são absurdas. Durante todo o
envelhecimento,
capacidades mentais específicas podem ser irrevogavelmente perdidas uma a uma,
Todavia se no lugar dos sentidos sendo destruídos separada e gradualmente
por doença ou acidente, eles são todos simultaneamente destruídos pela
morte, a imortalidade dualística nos pede para acreditar que eles
continuarão em
algum outro estado com capacidades, se não em grande parte melhoradas,
inalteradas! (Lamont
102).
Paul Edwards pergunta: "Como a destruição completa do cérebro realiza
uma cura que até agora tem frustrado totalmente a ciência médica?" (Edwards,
"Dependence" 296). Edwards argumenta que a teoria do instrumento é inconsistente
com a doença de Alzheimer:
O cérebro de um paciente com Alzheimer é severamente danificado e a maior
parte de sua mente desaparece. Após sua morte seu cérebro não está
meramente danificado mas completamente destruído. É certamente lógico
concluir que agora sua mente também se foi (296).
Se sob certas circunstâncias a mente não consegue sobreviver em vida, como
conseguiria sobreviver a morte? Edwards proporciona uma ilustração clara da
incompatibilidade da teoria do instrumento com os fatos da doença de Alzheimer.
Antes de sua aflição com Alzheimer, a "Sra. D" era uma pessoa
atenciosa, piedosa com uma mente normal funcionante. Todavia,
Na época em que ela não conseguia mais reconhecer sua filha, ela bateu em
[uma]
mulher paralisada em duas ou três ocasiões... [A teoria do instrumento]
implica que durante toda sua doença de Alzheimer a mente da Sra. D estava
intacta. Ela reconhecia sua filha mas tinha perdido sua capacidade de
expressar esse reconhecimento. Ela não desejava bater em uma senhora idosa paralisada
e inofensiva. Pelo contrário, 'internamente' ela era a mesma pessoa atenciosa
como antes do início da doença. Simplesmente sua doença cerebral a impedia de agir de acordo com sua emoções verdadeiras...
[E]ssas são as
implicações da teoria de que a mente sobrevive a morte do cérebro e que o
cérebro é apenas um instrumento para comunicação. Certamente essas conseqüências
são absurdas (299-300).
Outros proponentes da sobrevivência reconhecem a evidência para a
dependência mente-cérebro, mas tentam evitar a implicação da extinção
pessoal na morte. Douglas Stokes, por exemplo, escreve:
[A] dependência intima da personalidade de alguém do estado do cérebro faz parecer
improvável que a personalidade e memórias de alguém pudessem
permanecer grandemente intactas após a destruição do cérebro. Entretanto,
memórias, sentimentos, inclinações comportamentais e outros traços de
personalidade são provavelmente não os aspectos da mente que deveriam ser
identificados com um eu inalterável... Parece que o eu deve ser o que Hart
chamou de 'eu pensador', aquela entidade que pensa os pensamentos de alguém,
percebe as sensações de alguém, sente os sentimentos de alguém, e lembra
as memórias
de alguém ao invés de ser os próprios pensamentos, sensações, sentimentos e memórias (Stokes 76).
A tentativa de Stokes de deixar uma possibilidade para sobrevivência ao
mesmo tempo que concorda com a forte e consistente evidência para dependência mente-cérebro é
vil. Por aceitar as implicações dessa evidência, Stokes eliminou a
possibilidade de qualquer forma de sobrevivência pessoal (com exceção
da
ressurreição). Uma vez que um indivíduo tenha sido desprovido de suas memórias,
disposições, habilidades mentais e traços de personalidade, nada além de uma
tabula rasa permanece. Tal 'lousa em branco' não poderia ser um veículo para
sobrevivência pessoal; a mente de um indivíduo falecido seria reduzida a
algo como a mente de uma criança, apenas separada de quaisquer meios para
perceber ou interagir com seu ambiente. A maioria de nós consideraria a redução
da mente de um adulto produtivo à mente de uma criança enquanto vivo como uma
tragédia tão grande quanto a própria morte; assim a existência vazia que Stokes
permite para a mente após a morte dificilmente seria melhor que a extinção.
De fato, parece ininteligível alegar que um indivíduo particular tenha
'sobrevivido' sua morte uma vez que todas suas características mentais
distintas tenham sido apagadas (um problema particularmente áspero para a idéia de reencarnação).
A existência continuada de um 'eu indiferenciado' carecendo dos traços mentais
que singularmente caracterizam um indivíduo particular não constitui
sobrevivência pessoal mais do que a existência continuada dos ossos
de alguém. William Hasker adota uma abordagem diferente. Ele também
reconhece a evidência para a
dependência da consciência do cérebro:
Embora o dualismo tenha estado acima de tudo preocupado em assegurar a independência
da mente do corpo, tanto os achados científicos quanto as observações diárias
combinam para mostrar a dependência da mente em condições
corporais. Uma lista parcial de dados relevantes incluiria: a dependência de
estados de personalidade no equilíbrio hormonal, a determinação genética
através da estrutura do DNA dos atributos e defeitos mentais, os efeitos de drogas
sobre estados mentais, mudanças de personalidade em pessoas que se submeteram
as certas cirurgias como leucotomia frontal ou leucotomia temporal... [E]sses
achados... tomados em conjunto... demonstram uma dependência profunda e abrangente
dos aspectos mentais, emocionais e mesmo espirituais da personalidade humana
em sua base biológica no cérebro e sistema nervoso humano (Hasker 306).
Como Hasker tenta reconciliar a evidência para a dependência mente-cérebro
com a hipótese da sobrevivência? Sua alegação de que "embora
originalmente produzida pelo cérebro e dependente dele em muitos aspectos, a mente
todavia é capaz de continuar a existir e funcionar sem o
cérebro após a morte do corpo" parece ininteligível (307). Como ele
próprio perguntou, "Se... a mente ou a alma é gerada pelo cérebro e é
dependente dele em todas as maneiras já enfatizadas, como pode ela deixar de
perecer junto com o cérebro?" (307). Embora Hasker nunca responda satisfatoriamente
essa pergunta, ele providencia uma analogia para tentar explicar suas
conclusões:
Um buraco negro... é um campo gravitacional incrivelmente intenso que é
originalmente gerado por um objeto maciço mas que, uma vez formado,
literalmente comprime o objeto para fora da existência. Assim, de acordo com Roger
Penrose, 'Após o corpo ter se colapsado, é melhor pensar no buraco negro
como um campo gravitacional auto-sustentado. O corpo que originalmente o criou
não tem
mais nenhuma utilidade!' Então a mente humana poderia, como o
buraco negro, tornar-se um campo auto-sustentado de consciência?
(308).
O que vamos fazer com essa analogia? Temo que há diferenças demais entre a
mente e um buraco negro para chegar a qualquer conclusão confiável sobre a
relação mente-cérebro. Por exemplo, um buraco negro é criado quando a
estrela em colapso que o gerou é destruída. O cérebro, por outro lado, não
é destruído quando a mente passa a existir. O buraco negro e a estrela que o criou não
existem simultaneamente, diferente da mente e do cérebro. Mais
tocantemente, entretanto, quando a mente surge, nessa analogia, não deveria
mais precisar do cérebro uma vez que ela foi criada -- isto é,
mesmo antes do cérebro ser destruído. A analogia do buraco negro, como
a de uma criança que cresceu no útero mas não depende mais dele para sustento
após o nascimento, é um exemplo de geração sem dependência continuada. A
relação mente-cérebro, por outro lado, é um exemplo tanto de
geração como de dependência continuada da mente pelo cérebro. Essa relação é
captada de maneira mais precisa pela analogia da dependência de um campo magnético
por um imã; porém uma vez que o campo magnético deixa de existir quando o
imã é destruído, não surpreende que Hasker rejeite a analogia mais
precisa de modo a evitar suas conseqüências. Se a mente
depende do cérebro durante toda a vida então, com toda probabilidade, depende do
cérebro mesmo com a aproximação da morte. O simples fato de que o organismo
humano pode estar se aproximando da morte não irá repentinamente transformar a
mente em uma entidade independente que não precisa mais do cérebro para
funcionar. A dependência dos estados mentais pelo cérebro durante a vida implica
solidamente que quando o cérebro morre a mente morre com ele, assim como
um programa de computador não duplicado deixar de existir quando o computador
que o roda é completamente destruído. Desse modo a evidência para a dependência continuada
da consciência pelo cérebro proporciona forte suporte probatório para a
hipótese da extinção. Um último
argumento para fazer sobre a implausibilidade da sobrevivência dando nosso
conhecimento de nossa herança evolucionária é que
É patentemente absurdo esperar que toda a miríade de espécimes de toda a
miríade de espécies de vida desde o início da evolução irá
existir para sempre em outro mundo. Embora sejamos guiados justamente em
direção a tais
absurdos quando mais uma vez começamos a contar com a teoria dualística de que o
homem tem uma alma imortal... que pode existir independentemente do corpo (Lamont 117).
Os neurocientistas concordam que os fatos citados acima são realmente
fatos.
Além disso, cientistas fora da neurociência não se opõem que casos demonstrando
a dependência da consciência pelo cérebro sejam válidos. Por outro lado,
"a maioria dos cientistas fora da área da parapsicologia não aceita a
existência do fenômeno psíquico" ("Parapsychology"). Mesmo
dentro da parapsicologia encontramos poucos parapsicólogos que acreditam que o
psi é indicativo da sobrevivência da morte corporal [9]. John Beloff
declara que
Não deveria se pensar... que todos os parapsicólogos estão
necessariamente comprometidos com uma interpretação dualista da relação
mente-corpo. No momento atual especialmente, muitos expoentes preferem pensar
no psi como uma função essencialmente do cérebro, ou de algum mecanismo ou
processo cerebral especial (Beloff, "Parapsychology" 586).
Em outras palavras, mesmo a maioria dos parapsicólogos aceitam a
dependência da consciência pelo cérebro! Isso deixa a hipótese da
sobrevivência em uma posição enfraquecida uma vez que o fenômeno paranormal é a
melhor fonte de evidência que os proponentes da sobrevivência têm a oferecer.
Mesmo se alguém está inclinado a acreditar que o fenômeno paranormal é melhor
explicado em termos de sobrevivência, a existência de tais fenômenos é
duvidosa porque "um século após a fundação da Society
for Psychical Research, ainda há uma falta total de consenso em relação a
verdade de qualquer fenômeno parapsicológico" (Beloff, "Parapsychology 586).
Essa falta de consenso é devido a falta de evidência para o psi:
Com a exceção única da hipnose, nem mesmo a existência de um dos
fenômenos originalmente classificados como sobrenatural, ou mais tarde como
paranormal, conseguiu aceitação geral entre a comunidade científica; nenhum efeito paranormal
desmontável, ou repetível, foi descoberto; nenhuma característica ou lei foi encontrada que
aparecesse em todos aqueles
experimentos que alegam um resultado positivo (Scott 579).
Penso que apresentei uma representação honestamente acurada da evidência de
ambos os lados dessa questão, e em que pese a evidência as escalas estão
claramente inclinadas a favor da extinção. Dada essa conclusão, é
irracional tomar a posição de Unamuno e "lutar contra o destino, ainda que sem esperança de vitória" (Lamont 211). Não deveríamos permitir
que nossas emoções obscurecessem nosso julgamento. Conforme Corliss Lamont disse:
Não pedimos para nascer; e não pedimos para morrer. Porém nascemos e
devemos morrer. Passamos a existir e deixamos de existir. E em
nenhum dos casos o destino arbitrário aguarda nossa ratificação de seu
decreto (Lamont 278).
Notas:
[1]
Susan Blackmore apresenta diversas dificuldades conceptuais com as noções de
corpos astrais e mundos astrais no Capítulo 21 ("Reassessing the Theories")
de seu Beyond the Body (Academy Chicago Publishers, 1992). voltar
[2] Para uma
discussão mais detalhada da visão do contínuo mais próximo e as várias razões para acreditar que
é uma questão de decisão se uma réplica pode ou não ser identificada com
você, veja "The Closest Continuer View" de Robert Nozick em Self and Identity
editado por Daniel Kolak e Raymond
Martin (Macmillan, 1991). voltar [3] Eu especialmente recomendo o
artigo Arquivos Investigativos de Joe Nickell intitulado "Ghostly
Photos" na edição de julho/agosto de 1996 da Skeptical Inquirer.
voltar
[4] O livro Ghosts: Appearances of the Dead and Cultural
Transformation (Prometheus Books, 1996)
de
Ronald C. Finucane mostra que o modo como os fantasmas
aparecem tem variado em diferentes épocas de acordo com expectativas sociais,
implicando que os fantasmas são alucinações culturalmente dependentes ao invés
de manifestações de entidades espirituais. voltar [5]
Outros
experimentos para obter informação de EQM foram conduzidos por Peter
Fenwick e Charles Tart com resultados similares. Embora ausência de evidência
não seja evidência de ausência, a falta total de evidência experimental para
percepção paranormal em EFC e EQM em face de numerosas tentativas
experimentais desenvolvidas para acumular essa evidência sugere que não há nenhum
fator paranormal envolvido em EFC e EQM (o que é muito diferente de uma falta de
evidência devido ao fato de que ninguém tentou acumular tal evidência).
voltar [6]
Muitos pesquisadores de EQM atribuem o caso de uma paciente cardíaca de
Seattle conhecida apenas como "Maria" como uma das peças mais convincente
de evidência anedótica para percepção paranormal em EQM. Em "Maria's Near-Death Experience: Waiting for
the Other Shoe to Drop" (da edição de julho/agosto de 1996 da Skeptical Inquirer),
Hayden Ebbern, Sean Mulligan e Barry Beyerstein ilustram belamente a falta de
confiabilidade da evidência anedótica em geral e em casos de EQM ao demonstrar que
o conhecimento do ambiente alegadamente inacessível para esse paciente por
quaisquer meios normais era de fato facilmente discernível por percepção
sensorial e inferência comuns. Esta investigação proporciona um
exemplo claro do porquê a evidência anedótica isolada para capacidades paranormais é
inútil sem corroboração experimental. voltar [7] Veja as págs.128-133 de Dying to Live
(Prometheus Books,
1993) de Susan Blackmore. voltar [8]
James Gillogly proporciona um relato de como ele decifrou o criptograma de
Thouless e de suas tentativas em decifrar o teste da passagem literária de
Thouless em "Cryptograms
From the Crypt" in Vol. 20, No. 4 de Cryptologia (outubro de
1996). voltar [9] De fato, uma pesquisa da Parapsychological Association
conduzida em 1980 descobriu que somente 11% dos parapsicólogos dos
EUA e Canadá entrevistados acreditavam que a sobrevivência após a morte tinha sido
positivamente ou provavelmente demonstrada (veja "Profiles of the Parapsychologists: Their Beliefs
and Concerns" na edição de verão de 1981 da Skeptical Inquirer, pág. 2-6).
voltar Pós-escrito
sobre a Sobrevivência (1999)
Em uma revisão de Reincarnation: A Critical Examination de Paul
Edwards,
John Beloff
escreveu: "[N]ós podemos concordar com o autor em sua asserção de que tudo que
aprendemos com a psicologia de fato aponta para o envolvimento crítico do cérebro
em tudo que fazemos ou sentimos... Entretanto... há evidência empírica que
contradiz a ciência ortodoxa. Edwards nunca se deteve a tal evidência
[parapsicológica]" (citado da pág.347 da edição de janeiro de 1997 do Journal of the Society for Psychical Research). Beloff
está cometendo um erro lógico fundamental aqui: Como ele reconhece que há
forte evidência para a dependência da consciência pelo cérebro, ele está
implicitamente comprometido em negar a possibilidade de sobrevivência à morte
corporal (exceto a possibilidade extremamente improvável cientificamente de uma
ressurreição física do corpo). Estados mentais não podem "depender em
parte"
do cérebro, um estado mental ou é dependente do cérebro ou não. Dado os
achados bem sustentados da ciência convencional para dependência mente-cérebro e
a controversa e inclusiva
evidência parapsicológica para um um funcionamento
mental independente do cérebro, somos providos de evidência
contraditória e desse modo nos deparamos com uma escolha fundamental: Em qual fonte de
evidência vamos confiar? Colocado sobre essa ótica pode-se ver porque meu caso científico contra imortalidade concluiu que
"as escalas estão claramente inclinadas em favor da extinção" da mente na
morte após estudar o estado atual da evidência em relação a sobrevivência da
morte corporal. Para Beloff justificar a sobrevivência ele deve não apenas proporcionar boa evidência experimental do tipo que estamos procurando (que
até agora-- ele mesmo admite -- não existe), mas ele deve refutar a
evidência para a dependência dos estados mentais pelo cérebro. Há apenas uma
maneira pelo que eu possa ver de que ele possa fazer isso, e que é admitir que alguns
estados mentais dependem do cérebro mas não todos eles. A partir do fato
de que temos uma boa compreensão da dependência de todos os estados mentais
pelo cérebro podemos razoavelmente extrapolar (como os neurocientistas fazem) que todos
os estados mentais dependem do cérebro. Onde somos grandemente ignorantes
da maneira como o cérebro gera certos estados mentais devido a enorme
complexidade dos processos envolvidos, como fenômenos psicológicos de
alto nível de difícil compreensão para fisiologia como a auto-consciência, há sempre
espaço para uma espécie de argumento de "alma das lacunas" para o
efeito em que tais fenômenos possam existir independentemente do cérebro. Mas
a pesquisa fisiológica legítima está sem dúvida nenhuma indo na direção
oposta. Tal argumento a partir da
ignorância, além de não oferecer nenhum suporte positivo para a existência
dos estados mentais independentes do cérebro (permitindo apenas a mera possibilidade
de que eles sejam independentes), não se aplicaria aos estados mentais que sabemos
serem cérebro-dependente, como a memória e traços de personalidade,
ambos são essenciais para qualquer forma de sobrevivência pessoal após a
morte. Dado esse ponto, não consigo ver nenhuma maneira em que Beloff ou
qualquer outro possa refutar a evidência da dependência da consciência pelo
cérebro contra a sobrevivência, e novamente somos deixados com a escolha simples:
Em que devemos confiar, os achados bem estabelecidos da ciência ou aqueles
controversos e inconclusivos da parapsicologia? O que tentei mostrar em O
Caso Científico Contra a Imortalidade é que o estado da evidência --
evidência forte pró extinção e nenhuma evidência boa pró sobrevivência --
quando tomado como um todo não apenas retrata um quadro que é completamente
consistente com a extinção como também mostra que a melhor explicação para o
estado da evidência é que a mente deixa de existir na morte. [Uma versão editada deste ensaio foi originalmente publicada no Vol. 5
N°2 da Skeptic Magazine em 1997. Para informações sobre assinatura
escreva para: PO
Box 338, Altadena, CA 91001 - EUA;
skepticmag@aol.com ou www.skeptic.com.
Eu modifiquei o texto aqui apresentado desde sua publicação expandindo minha
discussão da impossibilidade da ressurreição corporal, adicionando uma
discussão dos testes experimentais de mediunidade,
respondendo as tentativas de abrir um espaço para a existência de uma
consciência desencarnada embora reconhecendo a força da evidência para a
dependência mente-cérebro, e incluindo um pós-escrito onde eu considero um
desafio potencial para meu caso científico e discuto precisamente o que meu caso
tenta estabelecer sobre a sobrevivência da morte corporal.] Referências BibliográficasBecker, Carl. Paranormal Experience and Survival of Death. Albany, NY: State University of New York Press, 1993. Beloff, John. "Parapsychology and the Mind-Body Problem." In The Oxford Companion to the Mind. Edited Richard L. Gregory. New York: Oxford University Press, 1987: 585-87. Beloff, John. "Is There Anything Beyond Death? A Parapsychologist's Summation." In Immortality. Edited Paul Edwards. New York: Macmillan, 1992: 259-268. Beyerstein, Barry L. "The Brain and Consciousness: Implications for Psi Phenomena." In The Hundredth Monkey. Edited Kendrick Frazier. Buffalo, NY: Prometheus Books, 1991: 43-53. Blackmore, Susan. Dying to Live: Near-Death Experiences. Buffalo, NY: Prometheus Books, 1993. Blackmore, Susan. "The Elusive Open Mind: Ten Years of Negative Research in Parapsychology." In The Hundredth Monkey. Edited Kendrick Frazier. Buffalo, NY: Prometheus Books, 1991: 131-136. 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