Características gerais de edificações coloniais e imperiais com relação ao ataque por cupins ©



    Celso Lago Paiva

      Pesquisador de História da Técnica construtiva colonial e imperial

      Membro do Grupo de Estudos de História da Técnica - GEHT/UNICAMP



        Extraído das páginas 137-142 do artigo:

        PAIVA, Celso Lago, 1998. Cupins e o patrimônio histórico edificado [Termites and the historic buildings]. P. 133-162 in:

        FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo, Editores. Cupins - o desafio do conhecimento [Termites: the challenge of learning of them]. Piracicaba, FEALQ, 512 p., il.



        Palavras-chave
        Cupins. Madeira. Materiais de construção. Patrimônio histórico. Taipa-de-mão. Gaiola. Paus-a-pique. Taipa-de-pilão. Alvenaria de adobes. Adobos. Alvenaria de pedras. História da Técnica.



        Abstract of the whole article:

        PAIVA, Celso Lago, 1998. [Termites and the historic buildings] Cupins e o patrimônio histórico edificado. P. 133-162 in: FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo, Editores. Cupins - o desafio do conhecimento. Piracicaba, FEALQ, 512 p., il.

        Old buildings erected until the XIX century in Brazil are frequently attacked and damaged by termites (Isoptera) belonging to several species. The building systems more likely to be involved include plastered lath-trellis (“taipa-de-mão”), rammed earth [taipa-de-pilão], and adobes. Among the several factors that favours the attack are: high environmental humidity, high temperatures, low light diffusion, destructibility of alien species of termites today occurring in Brazil, and, mainly, lack of periodic maintenance of the old buildings.




        Características gerais de edificações coloniais e imperiais com relação ao ataque por cupins


            Além da crendice, outro inimigo terrivel dos edificios historicos assola S. Paulo. É o cupim, o implacavel termita, nas suas dezenas de especies, que corróe as paredes, pulveriza caibros e esteios, esvurma as talhas e só abandona o campo quando já não resta uma molecula aproveitavel de celulose
            Paulo Duarte, Contra o vandalismo e o exterminio (Duarte, 1938:18).


            Les oeuvres de talha sont en butte à un autre fléau, les cupims, insectes qui dévorent les bois par le dedans, de telle sort qu’un beau jour un retable qui paraît encore solide s’écroule d’un seul coup (comme je j’ai vu moi-même à São Francisco de Olinda). Tous les retables de la région de Pernambouc, dont plusieurs comptent parmi les chefs-d’oeuvre de la sculpture brésilienne, sont actuellement menacés par le fléau
            Germain Bazin, L’architecture religieuse baroque au Brésil. (Bazin, 1956/1958, Tome I:42)


        Algumas características de edificações antigas devem ser mencionadas por sua importância na interação com os Isoptera.

        Quanto ao sistema construtivo, dos quatro sistemas adotados no Brasil (taipa-de-mão, taipa-de-pilão, alvenaria de adobes e alvenaria de pedras) as duas modalidades de taipa são os mais suscetíveis aos cupins.


        Taipa-de-mão

        A taipa-de-mão apresenta hoje, na grande maioria das edificações estudadas, severo ataque nos seus paus-a-pique, que muitas vezes perdem praticamente toda sua massa, fornecendo volume abrigado para seções de ninhos de cupins arbóreos (Figura 5; ver Caso 3). O ataque é favorecido pelo gretamento da taipa que recobre a grade de paus-a-pique e ripas (Figura 2). Ripas e embiras são também atacados (ver Caso 1). Devido à grande solidez da estrutura da gaiola, a estabilidade geral da edificação não é ameaçada.


        Devido à degradação da estrutura das paredes-de-mão estas foram substituídas em muitas edificações por tabiques de adobes ou, mais recentemente, de tijolos. Outros elementos da gaiola (da taipa-de-mão e da alvenaria de adobes) podem eventualmente ser objeto de ataques termíticos limitados: cunhais, frechais, traves, peças de contraventamento e, especialmente, nabos de colunas e burros. No sul de Minas a madeira empregada preferencialmente para essas estruturas é a aroeira (Astronium urundeuva, Anacardiaceae), imune aos cupins, mesmo “no tempo” (exposta à chuva).


        Ripados

        A juçara (jiçara, palmito ou palmito-branco; Euterpe edulis, Arecaceae) sempre foi, nos períodos colonial e imperial, o material eleito no Sudeste para ripamento das paredes-de-mão e de telhados e para paus-a-pique, pela facilidade de desdobramento e abundância nas florestas (Paiva, 1996: 9 e 1997). É material virtualmente imune a cupins e fungos, desde que resguardado de umidade pluvial direta. Já no Império o palmiteiro passa a escassear, sendo empregado para o ripamento o bambu (Bambusa vulgaris, Gramineae), cultivado e abundante, de qualidades mecânicas inferiores e menos resistente a brocas e cupins.

        Em Minas Gerais a abundância nos pastos da macaúba (Acrocomia sclerocarpa, Arecaceae) ensejou sua utilização rotineira como material para ripamento de telhados e taipa-de-mão, sendo imune aos insetos minadores, se protegida da umidade pluvial. No nordeste do Brasil o vegetal fornecedor de material para ripamentos e para caibros em edificações coloniais é a carnaúba (Copernicia cerifera, Palmae; Barreto, 1975), substituída em certas regiões do Brasil Central pelo carandá (Copernicia australis), ambas de elevada resistência a fungos e insetos minadores.


        Taipa-de-pilão

        A taipa-de-pilão aparentemente não apresenta interesse aos cupins xilófagos, mas eventualmente algumas peças de madeira usadas horizontalmente para travamento no interior das paredes podem fornecer-lhes alimento. Paredes nessa técnica podem ser perfuradas quando os cupins esgotam a madeira nas paredes-de-mão que servem de tabiques internos, e também para permitir contato entre o solo e o madeiramento do telhado. Surge então intrincada rede de galerias que acaba muitas vezes por ameaçar a estabilidade estrutural das paredes, nesse caso auto-portantes.

        “É o cupim, o implacavel termita... que corróe as paredes...” afirmou Paulo Duarte em 1938, com relação aos monumentos históricos erigidos em taipa-de-pilão. Schmidt (1946:133, Figs. 6-7) documentou destruição parcial de muros de taipa-de-pilão em Taubaté, SP: “Mais do que o tempo, parece, o cupim é perigoso inimigo das paredes de terra socada, pois estas à sua ação não resistem, são broqueadas de lado a lado, e em pouco tempo apresentam buracos de vários palmos de diâmetro que as atravessam de uma face para outra”. Observei a mesma destruição em diversos muros de fazendas da região ituana, nesse Estado, cujos danos podem ser atribuídos com segurança a cupins-de-montículo (nos muros atacados havia construções termíticas idênticas aos ninhos epígeos, tão comuns na área).

        Verifiquei maior incidência de perfurações termíticas em edificações do último quartel do século XIX, quando a taipa-de-pilão era de fatura mais displicente, utilizando terra mal escolhida, resultando material construtivo (taipa) de menor densidade e dureza (ver Caso 8).

        Luiz R. Fontes (comunicação pessoal) informa que a taipa-de-pilão também pode sediar pesada infestação por cupim subterrâneo e cita caso de edificação em Jacareí, SP onde, em 1997, um ninho cartonado de Coptotermes havilandi foi extraído, aos pedaços, da espessura da parede de taipa, ao nível do solo. O oco remanescente mediu 0,45x0,50x0,65 (altura) m e apresentava contornos arredondados; a terra que originalmente preenchia o espaço então ocupado pelo ninho foi removida pelo cupim e acumulada no vão sob o piso de tábuas adjacente à parede, sob a forma de massa compacta, apenas ocasionalmente vazada por uns poucos túneis termíticos, nos quais transitavam poucos operários e soldados.


        Alvenaria de adobes

        A alvenaria de adobes (adobos, em Minas Gerais) representa campo limitado para o desenvolvimento de cupins. Nunca os danos constatados foram severos, apesar da abundância de esterco ou de palha na massa desses tijolos crus e no reboco, com exceção de muros. (ver Caso 7).


        Alvenaria de pedras

        A alvenaria de pedras pode fornecer espaço, ainda que limitado, para os ninhos dos cupins arbóreos. Sua importância reside no fato de socos e fundações em aparelhos de pedra-seca permitirem fácil locomoção dos cupins entre o solo e as paredes acima.


        Reboco

        O reboco colonial e imperial classicamente contém esterco curtido, pelo que deve ser responsável por certas infestações encontradas em Minas Gerais e São Paulo, mais danosas quando atingem pinturas murais.


        Madeiramento dos telhados

        O meio mais favorável para o desenvolvimento de cupins em edificações históricas (incluindo as do final do Império e início da República, erigidas em tijolões) é o madeiramento dos telhados. Em telhados originais bem conservados o ataque é limitado pela excelência das madeiras empregadas, rigorosamente selecionadas pelos construtores nas então abundantes florestas brasileiras. Nesse caso, somente aparecem problemas na eventualidade de infiltração de água pluvial (com conseqüente proliferação de fungos xilófilos) e em alterações ulteriores que serão comentadas adiante. Constatei severos ataques em cachorros dos séculos XIX e XX em certas regiões do sul de Minas Gerais (entre Carrancas e Congonhas), em que foi utilizada madeira de qualidade inferior, mais facilmente encontrada nessa região de campos, cerrados e capoeiras, na qual a maioria das florestas há muito desapareceu.

        Característica importante dos telhados coloniais é o fato das telhas em posição de canais prescindirem de sulcos ou ressaltos transversais que as travem nas ripas, facilitando seu escorregamento, o que provoca freqüentes infiltrações pluviais.


        Envazaduras

        Outro meio favorável a cupins é o das envazaduras. Nelas a qualidade da madeira limita os danos, que parecem ser mais restritos a fungos que, destruindo a celulose, atraem os cupins e facilitam seu ataque. Constata-se com freqüência que a peça mais danificada é o peitoril de janelas e o terço basal das ombreiras de portas, mais expostos à umidade pluvial e de infiltração do solo. Ocasionalmente são atacados por cupins as treliças (gelosias, rótulas e bandeiras), os escuros (Figura 1), as tábuas de fechamento do sobrearco e das engras e os respectivos alizares.


        [inserção da Foto 1]


        Forros de madeira

        Poucas edificações antigas dispõem de forros de madeira. Mas o ataque eventual nestes é altamente pernicioso quando apresentam pinturas a têmpera, como nas igrejas e capelas. Nesse caso a aplicação de inseticidas em base aquosa pode danificar a pintura.


        Elementos construtivos de madeira

        Finalmente, certas estruturas fixas de madeira podem fornecer abrigo e alimento para os cupins: escadas, balcões em balanço, balaustradas, colunas de alpendres, tabuados de sobrados e cabideiros embutidos em paredes, todos elementos construtivos freqüentes nas construções coloniais (Paiva, 1996).


        Escolha das madeiras

        Interessante apontar o fato de que em cada frente de colonização regional as madeiras escolhidas para construção serem altamente resistentes aos fungos e térmitas:
        angicos: Piptadenia spp., Leguminosae;
        aroeira: Astronium urundeuva, Anacardiaceae;
        cabreúva: Myroxylon balsamum, Leguminosae;
        candeia: Vanillosmopsis erythropappa, Compositae;
        guarantã: Esenbeckia leiocarpa, Rutaceae;
        ipês: Tabebuia spp., Bignoniaceae;
        jacarandás: Dalbergia spp., Machaerium spp., Leguminosae;
        macaúba: Acrocomia sclerocarpa, Palmae;
        juçara: Euterpe edulis, Palmae,
        possibilitando sobrevivência de edificações muito antigas.

        Com o esgotamento dos recursos euxilóforos, passaram a ser empregadas madeiras menos resistentes (peroba e jatobá), o que explica o fato de muitas edificações relativamente recentes já terem desaparecido.



        © Celso Lago Paiva

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        Referência bibliográfica desta página:

        PAIVA, Celso Lago, 1999. Características gerais de edificações coloniais e imperiais com relação ao ataque por cupins. Disponível na rede mundial: http://www.oocities.org/lagopaiva/cuppatri.htm. 4 abr. 1999. Publicado originalmente em: PAIVA, Celso Lago, 1998. Cupins e o patrimônio histórico edificado. P. 133-162 in: FONTES, Luiz R. e BERTI FILHO, Evôneo, Editores. Cupins - o desafio do conhecimento. Piracicaba, FEALQ, 512 p., il.


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