NÓS, SEMIDEUSES

Existem alguns aspectos da Internet que precisam ser mais estudados, avaliados e, na maioria dos casos, legislar-se sobre eles.
Já dissemos anteriormente que a Rede é um espaço aberto, um outro mundo, espelhado no que vivíamos anteriormente e ainda vivemos. Grosso modo podemos pensar que a Rede seria como é o mundo dos espíritos para os espiritualistas, um mundo intangível, por ser virtual, mas com força de interferência na vida tal como ela é, material.
Temos assim, as artes, as diversões, o trabalho, os negócios, os segredos, as coisas secretas na Internet. Lá também encontramos a religião, a virtude, a complacência e a solidariedade. E, tal como no nosso mundo, os malfeitores, os desonestos e os desequilibrados.
Portanto, trata-se de um espelho do nosso mundo com poderes sobrenaturais, "espirituais". Qualquer pessoa pode "incorporar" um determinado personagem e agir como ele. Pode vasculhar a vida dos outros sem se mostrar (e sem saber se quem ele espreita é aquilo que aparenta).
A analogia com o espiritual tem referências terrenas com nossos criadores, como Borges, Kafka e Homero.
O homem na face da terra levou alguns milhares de anos para chegar ao modelo (absolutamente distante do ideal – como hoje o compreendemos - ) atual. Sempre tratou a virtualidade como quem trata com divindades, seres poderosos a quem reverenciava por temor. Agora, num ínfimo espaço de tempo, esse homem torna-se por assim dizer, ele próprio divindade, ele próprio deus de um mundo que tem sob o comando de seus dedos. Cria ambientes, constrói casas e cidades, pessoas, personagens verdadeiros e falsos, manipula toda a ética, todo o dinheiro, todo o poder material de forma imaterial. O homem, na internet é um semideus.
Ocorre que nós, semideuses não estamos preparados para o Olimpo (não conseguimos ainda sequer o Olimpo material) e, repentinamente, temos o Poder total. Pior, um poder despótico na medida que emana de alguém "espiritual", alguém que acessa e é acessado sem os controles (pífios) do nosso mundo material.
Essa liberdade, permite paralelamente aos avanços que tal ferramenta viabiliza, os mesmos vícios, as mesmas irregularidades e anomalias do mundo real, muito mais. O "bandido" na Internet é muito mais poderoso. É um Super Herói, pois voa, destrói, contamina, está em todos os lugares ao mesmo tempo, tem um milhão de faces, etc.
Falei anteriormente de Borges por causa dos espelhos. De seu fascínio pelos espelhos, pelas cenas "espelhadas", por seus mistérios.
A Rede é absolutamente misteriosa. Por seus caminhos não físicos existem zonas luminosas, velozes, capazes. Há também zonas sombrias, como esgotos tais quais nos filmes, na ficção. Esgotos onde existe água podre, seres podres, onde se escondem animais desconhecidos, vírus, pessoas incapazes de conviver em sociedade. Um ambiente dão daninho como o vemos nas ficções existe (existe?) verdadeiramente na internet. Esses esgotos, porões, muito se assemelham ao nosso inconsciente, ao nosso consciente maligno reprimido. “Malignidade” talvez seja a palavra mais correta. Um vasto ambiente sórdido como dificilmente imaginaríamos procria e ataca, na medida do possível, recuando quando é conveniente. Exatamente como espíritos malignos ou a “malignidade” do homem em sua acepção mais profunda, diabólica. Existem mais demônios do que deuses no mundo virtual. Como na Terra material lutamos eternamente contra o mal (e nunca o exterminamos), creio que virtualmente esse mal é mais poderoso, mais escorregadio.
Até porque, devemos entender que (por enquanto) quem manipula o mundo virtual somos nós, homens. E lá, temos possibilidade de viabilizar tudo o que não conseguimos por aqui. Lá, como o pensamento, tornamo-nos alados e etéreos.
Esse poder (para o qual não estamos preparados) seduz, "indignifica", nos corrompe.
Voltamos a Borges, pois acontece aí uma espécie de "espelhamento" do que é verdadeiro do que não é. Do que é mito com o que é fato. Do que é história com realidade (e temos a realidade de cá e a de lá –esta multifacetada e refletida à exaustão).

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