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TEXTOS SELECIONADOS
Como Escrever Histórias em Quadrinhos
- Parte I
Por Alan Moore
Muito bem, agora então nós temos nossa idéia básica
e, ao menos, alguma noção do tipo de coisa que provavelmente
é o que melhor afeta uma ampla faixa de nosso leitores. Neste ponto,
podemos começar a considerar a forma real que a comunicação
de nossas idéias deva ter. Antes de descermos até detalhes
mais refinados dos mecanismos internos das histórias, a primeira
coisa se considerada é a sua forma básica e a sua estrutura.
Para maximizar os efeitos da idéia que você está tentando
comunicar é preferível dar à história algum
tipo de forma definida, que tenha um certo tipo de unidade e senso de
integridade que produzam uma impressão coerente e organizada na
mente humana. Há tantas formas de história como existem
formas na natureza. Algumas delas são irregulares, outras, regulares,
todas elas com suas vantagens e desvantagens e possibilidades. Presumivelmente,
você escolherá uma estrutura que pareça acomodar,
da melhor maneira possível, o efeito que você deseja para
a história, mas, além disso, não importa realmente
qual será a estrutura escolhida. O importante é que você
entenda a estrutura do trabalho que está criando, seja qual for
a estrutura que possa vir. Se você escolheu desviar-se do assunto,
então tudo bem, apenas enquanto você estiver atento ao que
está fazendo e atento às conseqüências no efeito
global da história.
Algumas estruturas são óbvias e evidentes por si só.
Uma que eu uso muito, provavelmente muito além da conta, é
a estrutura básica elíptica, onde elementos do começo
da história refletem eventos que estão para acontecer no
fim, ou onde uma frase ou imagem particular será usada no início
e no fim, agindo como extremidades para situar a história, num
senso de esmero e unidade. Outra estrutura é iniciar a partir do
meio da história e preencher o passado ao mesmo tempo que avança
com a trama no futuro, movendo desse modo ambas as situações
com a narrativa ao mesmo tempo. Um exemplo disso seria Dia de Fuga.
A ação começa no meio, com o Monstro do Pântano
e Abby correndo através do pântano, sendo
então preenchida com os eventos que os levaram àquela situação
ao mesmo tempo em que mostramos a história prosseguir, desdobrando-se
no presente. Uma estrutura mais complexa seria uma que tomei emprestada
de Gabriel Garcia Marques, na segunda parte de Nukeface Paper
em SWAMP THING n.º 36. Aqui, temos uma história
inteira contada por cada personagem, dependendo do quanto da ação
central aconteceu com eles, individualmente. Desse modo, nenhum dos personagens
tinha a história toda, mas com cada novo relato dos eventos nós
conseguíamos um pouco mais sobre a situação até
finalmente percebermos que a montanha-russa está completa e que
o quadro todo está finalmente diante de nós, se bem que
desdobrado numa forma insólita e - espero eu - interessante. Uma
estrutura mais simples seria a de SWAMP THING n.º 34 onde
a peça central era um poema erótico-abstrato de oito páginas,
e, o resto da história, simplesmente a moldura daquela peça
central.
Ainda assim, todas essas são estruturas formais e não há
razão pela qual escritores de quadrinhos aspirantes devam recolher
suas noções de estrutura a partir de parâmetros tão
limitados quanto os meus. Retornando novamente a Eddie Campbell,
ou, sem dúvida, a Phil Elliot ou Ed Pinsent ou um
sem-número de outros instigantes talentos que tem emergido nestes
últimos anos, alheios ao mercado corrente de quadrinhos, nós
encontramos formas de histórias que são radicalmente diferentes
de qualquer das formas mais convencionais descritas acima. Eddie Campbell
tende a dar às suas histórias um tipo de estrutura anedótica
informal que espelha precisamente o modo no qual as histórias são
usualmente recontadas de pessoa a pessoa, intercaladas por pequenas lembranças
e desviando-se do assunto deixado intacto. As histórias sugerem
ter uma estrutura precisamente controlada, mas parecem, de alguma maneira,
muito mais naturais e orgânicas que uma porção de
estruturas mais cientes de si mesmas que eu tenho usado ocasionalmente.
Phil Elliot descreve suas histórias como tendo um A e um
B para definir o começo e o fim com um tipo de narrativa exploratória
e não-linear, que toma lugar entre esses dois pontos. Essas são
todas elas abordagens válidas e, olhando para elas com olhos analíticos,
certamente se mostram utilizáveis para chegar à idéia
do que a estrutura realmente é e o que sua abordagem própria
do assunto poderia ser.
Neste ponto, talvez eu deva sublinhar que, muito embora esteja apresentando
estas várias facetas e elementos das histórias afim de que
pareçam fazer sentido para mim, não há razão
pela qual você deva realizar a sua história seguindo esses
passos exatamente ao pé-da-letra. Ao invés de começar
com uma idéia-base você decide que teve uma ótima
idéia para uma estrutura de história e então sai
atrás de uma idéia que melhor convenha à essa estrutura.
O episódio de V de Vingança intitulado Vídeo,
por exemplo, era uma história onde a estrutura foi concebida primeiro:
seria possível contar uma história usando apenas diálogos
absolutamente incidentais acontecendo num televisor? A estrutura encabeçou
a idéia básica da história, e quando surgiu um lugar
conveniente no contínuo dos episódios da série onde
essa estrutura podia ser aproveitada, eu a empreguei. Uma simples imagem,
uma simples linha de diálogo, qualquer uma delas pode ser o início
de uma história. Minha tese é que, em algum lugar ao longo
da linha, em qualquer lugar que você comece, todos os vários
elementos individuais que discutimos aqui serão examinados caso
o trabalho esteja ficando tão bom quanto você possa fazê-lo.
Agora que temos alguma idéia sobre estruturas, o próximo
passo é considerar o próprio ato de contar histórias,
que, para efeito de discussão, será definido aqui como a
forma pela qual as histórias se movem e se comportam dentro dos
limites da estrutura. Uma vez que agora atingimos uma área melhor
definida da composição de histórias, é muito
mais fácil ver os elementos que vão caracterizar as dificuldades
do processo de contar histórias. Sem nenhuma ordem em particular,
áreas proeminentes dentro de um conjunto de instrumentos narrativos,
incluindo cenas de transição, velocidade da narrativa,
ritmo, suavidade do fluxo e todos os outros aspectos que dizem respeito
mais à história em si que ao desenrolar dos eventos dentro
da mesma.
Transição, o movimento de uma cena para outra, é
um dos mais intrincados e intrigantes elementos de todo processo de escrita.
O problema é mover de um lugar ou de um tempo a outro sem forçar
algo drástico ou desajeitado que poderia comprometer o delicado
envolvimento do leitor com a história. Se a transição
for tratada da maneira errada, isto fará o leitor "despertar"
depressa demais para o fato de estar apenas lendo uma história:
se você gastou toda a primeira cena construindo o envolvimento do
leitor com a trama e os personagens, certamente não vai querer
que nada o devolva à realidade. Uma vez que até mudanças
de cenário requerem com freqüência um tipo de quebra,
seguindo uma pausa entre o final de uma cena e o começo de outra,
o intervalo de transição é um dos lugares
onde muito provavelmente você se arrisca a perder o interesse do
leitor se não for trabalhado adequadamente.
Como eu vejo, uma história bem sucedida de qualquer tipo deve
ser quase como uma hipnose; você fascina o leitor com sua primeira
frase, o conduz mais adiante com a segunda, e o tem em transe suave por
volta da terceira. Então, tendo cuidado em não acordá-lo,
você o leva adiante por entre os estreitos caminhos de sua narrativa
e, quando ele estiver completamente perdido para a história, tendo
se entregado a ela, você o acerta com uma terrível violência,
como uma tacada de um bastão de softball, e assim, o deixa implorar
pela saída na última página. Creia-me, ele vai agradecer
por isso.
Uma coisa importante é que o leitor não acorde até
que você assim o queira, e a transição entre
as cenas é o ponto fraco do encanto que você está
tendo um trabalhão para lançar sobre ele. De uma forma ou
de outra como escritor você tem que vir com seu próprio repertório
de macetes e truques com os quais você constrói o seu intervalo
de credibilidade que a mudança de cena representa, tomando emprestado
alguns conselhos de outros escritores e, se Deus quiser, quem sabe, trazendo
um pouco dos seus próprios.
Um que tenho usado em excesso, a julgar pelos comentários que
colhi em revisões ou em cartas dos leitores, é o uso da
sobreposição ou coincidência de diálogos. Ou
seja, é algo muito melhor do que recair no velho e estropeado Enquanto
isso, na Sala da Justiça... ou algum cacoete parecido, e é
mais largamente aplicável que algumas das mais arrojadas idéias
experimentais sobre mudança de cena, muitas das quais só
possuem, na maioria das vezes, um uso limitado.
Uma coisa que acabo fazendo, e que facilita a transição
e é, algumas vezes, tudo o que se precisa para realizá-la,
é escrever tendo como unidade básica a página, de
modo que a ação do leitor de virar a página se torne
o compasso no qual eu mudo de cena sem perturbar o ritmo da história.
Outra abordagem é variar a técnica de sobreposição
de diálogos e usar a sincronicidade da imagem mais que
palavras ou até mesmo uma articulação coincidente
de idéias vagas e abstratas. É até mesmo possível
usar a cor para mudar de cena: o fim de uma cena que tenha uma porção
de troca de tiros e derramamento de sangue poderia terminar com um close
no brilhante sangue vermelho todo espalhado sobre o piso branco. O quadro
seguinte poderia, de repente, cortar para uma praça comercial na
Itália, num close de uma barraca de um florista com uma
vasta profusão de flores vermelhas tomando a maior parte da cena.
Neste exemplo, a simples manutenção da cor vermelha provavelmente
é suficiente para conduzir com sucesso o leitor à transição.
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