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Como Escrever Histórias em Quadrinhos - Parte I

Por Alan Moore

A transição nem sempre tem que ser suave. Se você for habilidoso o suficiente, algumas vezes você pode usar uma transição muito abrupta, com tal elegância que ninguém irá perceber qualquer quebra no fluxo até que o momento tenha passado e o leitor já esteja devidamente absorvido pela próxima cena da história. Um exemplo que vem do cinema seria o estonteante artifício que Hitchcock usou em OS PÁSSAROS: ao encontrar um corpo destroçado pelas aves, com os olhos vazados, a heroína abre sua boca e inspira, obviamente prestes a soltar um grito ensurdecedor. Ao invés de mostrar o grito, Hitchcock corta, de repente, para a próxima cena, num close-up de um motor guinchando, o barulho amplificado e dissonante com o que se formou na cabeça de quem assiste, com o grito que se estava esperando ouvir. A mudança brusca na cena é surpreendente, mas Hitchcock consegue usar o senso de surpresa com fins positivos, acentuando o prazer da história muito mais que dispersando a atenção. Isto não funcionaria num meio quadrinhístico, mesmo usando efeitos com onomatopéias, mas não há razão pela qual uma mente com iniciativa não possa encontrar uma forma de adaptar as bases deste artifício numa seqüência de palavras e imagens fixas.

Transições, embora importantes em si mesmas, podem também ser consideradas como parte de um tópico geral sobre espaçamento ou compasso. O compasso, apesar de, quando feito corretamente, nem é percebido pelo leitor, é uma parte integrante da história, determinando a história e o timing dos eventos dentro da história para uma melhor impressão. A maneira mais simples de entender o timing nos quadrinhos é aprender quanto tempo um leitor gasta num quadrinho antes de passar para o próximo. A princípio, ele leva um certo tempo lendo as legendas e os balões de diálogo. Um quadrinho contendo um padrão de 35 palavras levará talvez cerca de sete a oito segundos para ser lido, dependendo da complexidade da imagem que o acompanha. Uma simples imagem sem nenhum balão nem legenda talvez tome três segundos. Se você ler algumas histórias tendo o timing em mente, em breve você terá uma intuição útil sobre quanto o leitor demora em cada quadro. Ainda que isto não lhe dê um rígido controle, tal qual a montagem do tempo desfrutada pela indústria cinematográfica (o qual tem suas próprias desvantagens), sem dúvida ele confere a você algum princípio de controle sobre quanto demora para os olhos dos leitores serem guiados ao longo da página, ou através da história como um todo.

O compasso deve engrenar tendo uma cena na mão. Uma cena pensativa que exija atenção provavelmente funcionaria melhor com ritmo completamente lento. Uma cena de ação rápida, talvez uma cena de luta, provavelmente funcionaria melhor ao mover-se tão rápido quanto possível. Compare algumas das cenas de luta silenciosas de Frank Miller - as quais se movem muito rápido, fluindo de imagem para imagem com a velocidade de um conflito em tempo real, não interrompendo o leitor com pausas para ler montes de texto de acompanhamento - e as cenas de luta de escritores menores com algum senso de movimento de cena é entrecortada pelos antagonistas despejando montes e montes de diálogo um ao outro. O que foi dito acima não são regras rígidas ou de fácil assimilação: tenho certeza que é possível escrever uma cena de ação com ritmo rápido e usar muitos diálogos, bem como sei que é possível aumentar a quantidade de detalhes nas próximas cenas para fazer uma longa seqüência muda que seja lida bem devagar. Ou seja, alguma intuição sobre como compassar as palavras é essencial para a construção de uma história, tanto para construir o suspense numa situação dramática, ou sincronizando uma gag para circunstâncias mais cômicas. Jogue com cenas silenciosas e veja como podem ser usadas para estender o momento de suspense até reforçar o impacto, se necessário.

Experimente a noção de sincronia e veja o que acontece. No episódio 100 Rooms da série LOCAS TAMBIEN, Jaime Hernandez faz algumas coisas incrivelmente fortes com a estrutura do tempo e as executa com genuíno èlan. Um exemplo seria quando o amargurado suposto-nobre que tinha "seqüestrado" Maggie finalmente retira a mão de sua boca, confiante que ela não vai gritar. Abruptamente, no quadrinho seguinte, cortamos para um momento futuro indefinido, no mesmo quarto; Maggie e seu raptor obviamente fizeram amor e o homem está sentado ao lado da cama, desculpando-se pelo seu comportamento. Esta repentina, desconexa e deliberada quebra do compasso da história é desorientante, mas, de uma certa maneira, satisfatória. Não é nada que eu tenha me atrevido a tentar pessoalmente, mas demonstra apenas o que é possível se você tiver talento, nervos e imaginação suficiente. Você pode acrescentar elementos que realmente perturbem o fluir da sua história e ainda conseguir que eles atuem no contexto dela como um todo.

Basicamente, não há limites aos diferentes efeitos de narrativa e abordagem que sejam possíveis além dos limites impostos pela nossa própria imaginação. Tudo o que se pede é que se pense sobre as técnicas que se está usando, entendendo o que elas são e sabendo onde elas são aplicáveis. Mais importante ainda, deve-se ter em mente que os vários artifícios narrativos só estão ali para dar a melhor expressão de sua história, ou de parte dela. Se você tiver uma brilhante idéia para um artifício desses e ele não for apropriado para a história que você está escrevendo, abandone-o. Quando os macetes narrativos oprimem a idéia que você está tentando conduzir a princípio, então você trabalhando em detrimento da história muito mais que em benefício dela, eles devem ser riscados sem dó nem piedade.

Como muitas das intrincadas tramas descritas acima, a confiança no que está deixando para trás e o que incluir em qualquer história determinada são coisas que vêm apenas com prática e experiência, mas, uma vez que se saiba pelo menos o que está procurando, provavelmente verá que essas coisas acabam vindo mais rápido que se imagina.

 

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