ENTREVISTAS

O SUPREMO ESCRITOR ALAN MOORE

por George Khoury

TJKC: Um das coisas mais surpreendentes sobre Kirby é que quanto mais você vê o trabalho dele, mais você começa a notar a grande versatilidade que ele tinha de passar de um gênero para outro.

ALAN: Realmente, era impressionante. Você olha para os westerns dele, os seus trabalhos de romance; aquilo era o tipo de coisa que sempre tentei imitar. Sempre gostei de pensar que eu poderia ter o mesmo alcance e versatilidade em meu trabalho que Kirby teve no dele - obviamente, de um modo diferente porque sou escritor e ele foi um desenhista/escritor. Sim, sempre admirei isso nele. Acho que mais pessoas também deveriam. Se você vai tentar entender algo de Kirby, não considere somente seu estilo; considere o seu senso de aventura, a sua vontade em explorar outras formas e possibilidades.


TJKC: A sociedade em geral ainda tende a banalizar os quadrinhos, porém aceita seus conceitos em outras mídias. Você acha que isso ainda irá mudar?

ALAN: De certa maneira, isso já mudou. É que muda gradualmente. Não acho que vai ser uma mudança da noite para o dia, como nós uma vez achamos que poderia ser possível, mas acho que conseguimos uma pequena e segura posição, ou pelo menos alguma parte do trabalho conseguiu. Só espero que os quadrinhos eventualmente consigam rastejar para alguma aceitação social, embora eu não esteja completamente certo de quais quadrinhos necessitem de tal aceitação social.


TJKC: Como se deu o aparecimento do demônio Etrigan na revista do Monstro do Pântano?

ALAN: Foi Steve Bissette que quis usar o personagem, porque ele era um grande fã de Kirby; ele e John Totleben gostaram do material feito por Kirby com o personagem. Eu vi alguns dos materiais do Etrigan e assim decidimos trabalhar a partir dele. Eu peguei a versão atual do Etrigan naquele momento e tentei adaptá-lo para servir aos meus próprios desígnios. Na verdade, nós conseguimos fazer uma história de três partes muito boa (N. do T.: essa história de três partes foi publicada aqui no Brasil na revista Superamigos, números 22, 23 e 24. Mas recentemente, ela foi impressa em Mostro do Pântano, volume 1, da Brainstore).


A capa de Demon #16, por Kirby...


... E a sua versão rimante feita por Moore em Swamp Thing #26.
Arte de Steve Bissette e John Totleben.
(Demon ®DC Comics)


TJKC: Eu li que para você escrever Etrigan, você teve que entrar na pele dele.

ALAN: Oh, sim, mas isto é o mesmo com a maioria dos personagens. Com Etrigan e seu singular diálogo em rimas foi um pouco mais difícil. Usei uma aproximação do método teatral na maioria das caracterizações, mas com Etrigan eu ficava tentando imaginar como ele poderia se mover, pensar e falar.


TJKC: Eu tentei entrevistar Garth Ennis sobre como Kirby influenciou seu trabalho com Etrigan, e ele disse que seu Etrigan foi influenciado por Kirby.

ALAN: Bem, aquilo foi ótimo. Garth é um grande escritor. Eu sempre tive uma boa impressão de Garth e seu modo de escrever.


TJKC: Mas é um pouco estranho, não acha?

ALAN: Eu acho que sim, entretanto há pessoas que amam o Quarteto Fantástico e nunca viram as histórias que Kirby fez com eles. É um pouco estranho, mas há pessoas que gostam das histórias que fiz em o Monstro do Pântano mas não sabem que Len Wein e Bernie Wrightson o criaram. É apenas a maneira de como os quadrinhos são, eu acho. Personagens passam de um criador a outro e só depende qual fase acontece para se estar familiarizado com eles.

TJKC: Um de minhas coisas favoritas em Kirby é o seu uso de alegoria nas histórias. Isto é algo que se destaca para você?

ALAN: Sim, demais; isso começou a ficar mais notável nos materiais do Quarto Mundo. Está lá, obviamente. Era algo pelo qual ele tinha paixão em fazer. Quero dizer, ele gostava de filosofar com seu trabalho; isso é algo que o coloca muito a frente de seus contemporâneos. Isto foi algo que se sobressaiu quando o conheci. Ele foi um lutador. O trabalho dele foi parte de uma luta para comunicar suas idéias. Havia o mesmo tipo de espírito na sua arte, da mesma maneira que estou certo de que ele deve ter tido nas ruas onde cresceu. Elas eram alegorias muito amplas. As alegorias de Kirby eram excelentes, magníficas e estavam apropriadamente à altura da arte de Kirby. Desfrutei de suas alegorias, mas tenho que dizer que as desfrutei somente o pedaço de muitas das suas fantasias elementares. As alegorias de Kirby eram ótimas, mas era principalmente só a narração dele, a arte dele e o seu tipo de visão - o tipo de moral que poderia ser tirada dos trabalhos de Kirby quando se fala sobre o Bem e o Mal, esses tipo de coisa. Estas são grandes coisas que foram exploradas por muitos artistas diferentes e escritores em muitos meios diferentes, considerando que a coisa da qual falo na maioria dos trabalho de Kirby era individual e exclusivamente dele, qualquer que seja o modo que ele for apresentado. Seja uma fantasia elementar como em o Fantástico Quarteto ou em outros materiais mais alegóricos, como a saga do Quarto Mundo ou até mesmo materiais bem alucinantes, como Devil Dinosaur. Assim, a coisa que provavelmente me atraia na arte de Kirby não era a sua profundidade ideológica, mas simplesmente a pura energia de ser Jack Kirby.


TJKC: Você poderia me falar um pouco sobre a história New Jack City em Supremo?

ALAN: A história básica era que algum tipo de fortaleza misteriosa parece ter surgido da noite para o dia em algum lugar alto e inacessível nas montanhas do Tibet. Então Supremo vai investigar e o que ele encontra é esta paisagem desnorteante, que na realidade é um grande número de paisagens diferentes fundidas numa só. Há partes dela que parecem como um bairro decadente durante a Depressão de 1930, onde ele conhece uma gangue de crianças e um herói fantasiado, e as crianças são obviamente seus cúmplices. Eles têm uma batalha com um adequado tipo de super-vilão. Acredito que temos um monstruoso e gigantesco Atlas que se levanta das profundezas. Supremo vaga por um túnel e sai em uma trincheira de um campo de batalha onde há muitos soldados multi-étnicos grisalhos: Um irlandês, um judeu, um negro, tudo muito parecido com o Sargento. Fury e toda uma enorme linha de heróis patrióticos. Isto continua até Supremo conhecer o criador supremo deste mundo, que se mostra ser Jack Kirby. Isto é muito difícil de explicar porque leva uma história inteira para ser contada, mas é basicamente uma gigantesca cabeça flutuante, que se altera sob uma fotomontagem da cabeça de Kirby em transmutação; ela sempre é apresentada no estilo dos desenhos de Jack Kirby. Esta entidade gigantesca explica a Supremo que ele foi um artista de carne e osso e sangue, mas agora ele está completamente no reino das idéias, que é muito melhor porque a carne e os ossos e o sangue tem suas limitações, já que ele podia fazer somente quatro ou cinco páginas em um dia de trabalho; mas agora ele existe puramente no mundo das idéias. As idéias só podem fluir sem interrupções. Ele fala sobre todo um conceito de um espaço onde idéias são reais, que é o tipo de lugar onde, de algum modo, todos os criadores de quadrinhos trabalham durante toda a sua vida, talvez Jack Kirby mais do que a maioria. É como se uma idéia se tornasse livre do corpo físico, e este artista pode então explorar os mundos infinitos da imaginação e das idéias.


Arte de Rick Veitch (com figuras inacabadas de Supremo )
da história New Jack City em Supremo. (©Awesome Entertainment)


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