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O Risco - Circo X Teatro 02/JUL/03
Educação e Reconhecimento 05/AGO/03
AP - DP - Antes e depois dos Parlapatões 21/SET/03
EXTRA! Festival Mundial de Circo - Boletim 01 19/OUT/03
EXTRA! Festival Mundial de Circo - Boletim 02 20/OUT/03

Teatro, Circo, Circo-Teatro, Teatro Circense...
Ora, chame como quiser!

Antes de mais nada, se você clicou no link Circo ou no link Teatro, você veio parar no mesmo lugar. Pode ser que mais tarde eu resolva separá-los, mas por enquanto, eu não consigo fazê-lo muito bem na minha cabeça: na minha carreira então, poucas vezes um existiu sem o outro.
O que agrava esse quadro é o Teatro de Rua, que foi onde essa união se concretizou, mais precisamente em 1991, quando se deu início a pesquisa que culminou na criação dos Parlapatões - pelo livro dos 10 anos dos Parlapatões, começou antes, mas cada um conta a sua história, não é verdade?

Circular em vários meios faz com que a gente comece a perceber algumas diferenças de procedimento. As diferenças mais gritantes hoje pra mim, existem entre as pessoas que trabalham justamente com Circo - em todas as suas vertentes - e as pessoas que só trabalham com Teatro. A seguir, eu vou divagar um pouco sobre este tema, a partir de analogias e conversas que tenho tido por aí.

 

O Risco

Este é o ponto de partida para estabelecer as diferenças que eu sinto.
Esse pensamento surgiu na verdade no dia em que eu fui assistir uma noite do 'Reflexos da Cena' sobre cenografia no Sesc Consolação. Não lembro com clareza quem disse o quê, mas em essência, senti uma dificuldade de comunicação entre as pessoas da área em questão e os realizadores teatrais. Muitas questões - aparentemente específicas - que preocupam as pessoas da área cenográfica, não têm tanto valor para quem está preocupado com a encenação como um todo. A medida que esse realizador teatral se deixa envolver por estas 'questões específicas' da ocupação do espaço, maior é integração de todas as áreas no processo desta montagem, mais visível a consistência do resultado.
A responsabilidade penal que recai sobre um cenógrafo que concebe um cenário o obriga a incluir o risco real como parte do processo de criação. Esse 'dado a mais' nos procedimentos de um cenógrafo, fazem-no aprofundar-se mais no estabelecimento dos conceitos que nortearão seu trabalho, afinal de contas, se se pretende correr riscos, que eles se justifiquem.
Nada disso era foco naquela noite no Sesc, mas eu fiz um paralelo com os cuidados que aprendemos a ter quando o assunto é Circo. Segurança, silêncio e respeito pelo espaço de ensaio entre outros quesitos, fazem parte do dia-a-dia de um circense.

Circo X Teatro

O risco no Circo é enorme. Se num teatro um telão mal fixado pode atingir um ator, num circo mal montado, a vítima além dos artistas e técnicos, pode ser o público. Isso torna todos e cada um dos envolvidos, responsáveis pelo que venha a acontecer antes, durante e depois de um espetáculo circense.
E na cena teatral? Uma coisa é certa: ninguém corre risco de vida se a encenação for uma merda ou se os atores assassinarem o texto. No máximo, o público vai pra casa meio chateado, às vezes até meio puto, enquanto a atitude da equipe do espetáculo varia: se for gente que pensa no que faz, pode ser que percebam que há algo errado. Caso sejam pessoas que pensam no que são, não só não vão notar, como vão sair felizes da vida com seus desempenhos: provavelmente se elogiem bastante, o que cria uma pirâmide de elogios: você faz dois elogios, recebe quatro, faz oito, recebe dezesseis, faz trinta e dois...

Eu devo continuar nesse assunto, mas por enquanto fica isso no ar, só para o link não cair num buraco negro.

02/JUL/03
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Educação e Reconhecimento

Eu citei no trecho acima dois tipos de artistas: os que pensam no que fazem e os que pensam no que são. Essas identidades se formam pelo caráter dos seres humanos em questão, mas a educação é parte pesada no fortalecimento desse caráter. A depender do estímulo, damos vazão ao pior ou ao melhor de nós mesmos.
Quando você entra numa escola de teatro o ambiente sugere que você tenha que provar sua capacidade o tempo todo, de maneira que muitas vezes o processo artístico, de realização teatral, fica em segundo plano. A interpretação é o foco de avaliação, e espetáculos são criados apenas para que você possa mostrar suas habilidades. Como não se deixar envolver por isso? Como não acreditar que tudo que é feito ali, é feito para você brilhar? O reflexo disso está aí: quanta gente você conhece que se orienta com clareza em relação a luz da cena ou entende porque o som é assim ou assado. Você aprende a in-ter-pre-tar... fazer teatro mesmo, deixa para quem gosta de pensar nessas coisas!
Vamos ver o paralelo circense disso - atenção: tanto a experiência acima como a próxima são pessoais. Escrevo a partir do que vivi no Circo Escola Picadeiro e na EAD - Escola de Arte Dramática.
As pessoas que tiveram oportunidade de estudar numa Escola de Circo com apresentações regulares de seus alunos, foram muito felizes na sua educação. O foco aqui não é o artista, é o espetáculo. Os alunos se esforçam para conquistar um espaço na trupe que se apresenta regularmente. Enquanto esse dia não chega, você tem orgulho em poder ajudar, da maneira que for: varrer o picadeiro, esticar espias, verificar as estacas, montar a rede do vôos, são atividades aparentemente menores, mas que promovem o reconhecimento no aluno da importância de toda e cada uma das funções existentes para que se realize um bom espetáculo. Num belo dia, você conclui seu ciclo dentro desta escola: de bilheteiro a ocupante do picadeiro central, você fez de tudo, mas é chegada a hora de procurar novos desafios, dar andamento aos planos pessoais, então você se desliga da trupe.
Mas o espetáculo continuará apesar de você, por que aqui, ele ainda é mais importante.

05/AGO/03
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AP - DP
(Antes e depois dos Parlapatões)

Mais de um ano e meio depois da minha saída do grupo que integrei por onze anos, desde as primeiras incursões à Praça da República e ao Parque do Ibirapuera, meu maior medo não se concretizou: ficar sem trabalho. Nem sei muito bem porque resolvi escrever sobre isso, mas já que eu comecei, vamos lá.
Uma coisa é certa: no Teatro, só o trabalho de grupo salva.
Não acredito que outra forma de organização alcance resultados tão consistentes quanto os conseguidos por um grupo organizado em torno de metas, linguagem e conceitos que senão forem os mesmos para todos os integrantes do grupo, pelo menos se complementem.
Sem a ilusão de que tudo sejam flores, algumas coisas não podem faltar: respeito, honestidade e confiança. Eis a santíssima trindade que faz as pessoas se aguentarem por anos a fio. Mas depois das experiências que tive com outros grupos, refleti um pouco mais sobre o assunto.

Respeito demais...
... vira demagogia. Principalmente se estiver rolando um tédio e um certo acomodamento: fechar os olhos para certas coisas para não correr o risco de desrespeitar seu colega é bem burro. Além de admitir algo em que você não acredita, ao evitar o confronto, você perde a chance de descobrir se não é você quem avalia as coisas de maneira equivocada... porque é duro admitir, mas você não vai estar sempre certo.

Honestidade demais...
... faz você falar coisas às vezes certas mas quase sempre nas horas erradas, porque por mais que a gente queira, com nossa 'ilimitada sabedoria', não conseguimos ouvir algumas coisas sem querer partir para a ignorância. Tem hora certa para tudo, até para ser honesto!

Confiança demais...
... dá o que pensar. Para resumir, eu vou citar um ditado árabe que aprendi com a minha sogra:
"Eu acredito em Alá, mas amarro o meu camelo."
(para bom entendedor, meia pala... - essa é do comentarista de futebol Cacá Rosset)
.

Uma coisa é certa
Tempo de trabalho junto estabelece um ritmo e uma cumplicidade sem igual. Não quero com isso, e nem posso, tirar a validade de outras formas de construção da cena, mas trabalho continuado é imbatível. Isso se transfere até para aqueles que se juntam ao grupo para participar de um trabalho específico. Taí o Cemitério de Automóveis - sucursal paulistana! - que não me deixa mentir.
Da minha parte, t
enho certeza que serão poucas as vezes que vou alcançar momentos tão sublimes como os que vivenciei durante os anos que dividi o palco com o Hugo Possolo. Se eu tiver sorte, vou estar bem errado nesse vaticínio. Se eu estiver certo, vai ficar por isso mesmo, porque vai ser bem difícil nós voltarmos a dividir o palco.
Mas outra coisa é certa: a hora que eu deixar de acreditar nos momentos sublimes vindouros, eu paro de trabalhar com Teatro e vou bater carimbo numa repartição.

O limiar da acomodação
Seja você, caro leitor destas singelas linhas, homem ou mulher, nunca se esqueça de comentar sobre o corte de cabelo, a roupa nova ou a emagrecidinha promovida pela pessoa amada. A distância entre isso e esquecer o bomdiaboatardeboanoite é de mais ou menos meia hora. Faça você mesmo as devidas analogias para o trabalho de grupo.

Dr. Jekill e Mr Hide
(para encerrar essa parte, porque esse assunto não se encerra)
O instinto de preservação nos torna nocivos e predadores, mas esse aprimoramento demora para ser alcançado. Se eu traçar mal e porcamente uma linha de evolução do que eu acho que foi a trajetória dos Parlapatões - porque foi minha única experiência mais profunda - o resultado é mais ou menos esse:

- seu telefone nunca toca, mas você liga bastante. Cada vez que você tem uma oportunidade de mostrar o seu trabalho, você aproveita, afinal, só assim as pessoas poderão saber quem você é, o que você faz, como você é legal - porque você ainda é legal. Aprender faz parte da ordem do dia. Você ainda acredita quando alguém fala para você: "A grana é pouca, mas vai ser ótimo pro seu currículo."
Espécie preferida de sapo: de qualquer cor, tamanho e cheiro.

- as ligações telefônicas começam a se equilibrar. As pessoas começam a gostar do que você faz, e por coincidência, você também começa a gostar do que você faz, tanto que além do tempo para aprender, você descola um tempinho para ensinar. Você já começa a traçar planos e estratégias ousadas, que invariavelmente não vão dar certo, mas pelo menos você traçou os planos e as estratégias. Quando você ouve o papo mole do 'a grana é pouca mas blá blá blá...' você fica na dúvida e avalia se pode ou não ser verdade.
Espécie preferida de sapo: ainda qualquer um, mas você estabelece cotas semanais. A partir de um certo ponto, você recusa, mas com dor no coração.

- você arruma outra linha de telefone, porque assim dá para ligar de uma e receber telefonemas pela outra. O problema é dividir as ligações com a internet - que obviamente é de conexão discada. Agora fica difícil aprender alguma coisa, porque esse tempo fica dedicado só a ensinar. Por outro lado, os planos e estratégias começam a dar certo, veja só! Bom... 20% deles começam a dar certo, mas é um belo progresso. E azar de quem vier com o papinho de '... vai ser bom pro seu currículo': para cada vez que a pessoa disser isso, o valor do cachê aumenta.
Espécie de sapo preferido: todos os que estiverem de acordo com os planos e estratégias traçados.

- duas linhas de telefone que não dão conta e uma conexão de banda larga. Nesse ponto você já não precisa mais fazer ligações, porque o telefone já toca o suficiente. Mas não faz diferença: você não atende mais o telefone mesmo - a não ser que seja seu patrocinador. Você agora arrumou tempo para aprender alguma coisa - você não tem mais saco para dar aula - mas é duro arrumar alguém para te ensinar, porque você já sabe tanta coisa. Planos e estratégias com 100% de aproveitamento, tanto que você até pode oferecer espaço para pessoas trabalharem com você, por que com certeza vai ser muito bom pro currículo delas, apesar da pouca grana.
Espécie de sapo preferido
: isso é um mistério, porque mesmo que você os engula, você não deixa ninguém perceber.

Conclusão

Conclusão? Cada um tire a sua! Eu pessoalmente só precisava exorcizar uns bichos.

21/SET/03
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