Seu nome é Cruz. Ou pelo menos parte do nome que eu pude ouvir. Talvez por ironia ou destino, além do nome ele também tem outra cruz: a cruz de ser um cidadão que não quer espalhar à sua volta nem sujeira, nem mal-humor . É verdade. Sem exageros. Venhamos e convenhamos, num país cheio de crises, onde até os governadores podem ser linchados pela turba insatisfeita, alguém que não queira descontar nos outros tudo de ruim que lhe acontece só pode ser um cidadão diferente. Não tem CPF, nem cartão de crédito, nem conta no banco. Possivelmente não tenha título de eleitor e nem encontremos seu nome em algum livro de registro civil, na parte dedicada às certidões de nascimento.

O Cruz vive na rua mesmo, sem lenço, sem documento e também sem uma perna, ele guia sua bem cuidada carroça acompanhado de um cão e um cavalo que têm para ele olhos de amor incondicional pelo tratamento humano e carinhoso que recebem. Todos os dias, com um bom-humor invencível, o cidadão Cruz sai para catar seus papéis e latas pela rua, junto com seus amigos. Com sua voz potente, seu sorriso limpo e com os olhos brilhantes de quem tem a alma em paz, ele sempre provoca risos. Diz que Deus não nos quer ver tristes e toca seu pandeiro, brincando de fazer música nas trovas tortas de uma voz potente.

Outro dia, parou a carroça no meio da rua, congestionando o trânsito mesmo. Sacou da garupa uma geringonça parecida com uma dessas redes de caçar borboletas e colocou-a sob a calda do seu cavalo para que ele - tomado da inestimável inocência de todo animal - não confundisse o asfalto com banheiro. Imagine a cena: atrapalhando os carros para não sujar a rua.

Não pude deixar de compará-lo com os dignos donos de CPF, conta em banco, cartão de crédito etc. que jogam toda a sorte de porcarias pelas janelas, sujando as ruas e emporcalhando a cidade. Eles podem ter tudo o que o Cruz não tem. Mas seguramente não podem ser chamados de cidadãos.

P.S.: o Cidadão Cruz existe e pode ser encontrado nas ruas da Asa Norte, em Brasília.