Caminhos

 

IV

 

          Os caminhos se separaram definitivamente. A estação nunca mais voltou. O tempo amarelou todas as recordações. As pessoas são outras, o mundo é outro. Só ele é o mesmo. Onde estará aquela estrela? Nunca mais a viu.

          Logo que acordou, ouviu um pássaro cantar próximo à janela. Há muito tempo atrás tinha ouvido esse mesmo canto e chorado. Havia prometido esperar pacientemente o seu retorno, mas ela nunca mais voltou. Pensaram que, um dia, poderiam se encontrar novamente, mas agora estavam mais distantes do que nunca. Prometera, numa carta, que voltaria, mas nunca a enviou. Talvez esse dia ainda não tivesse chegado, ou até já tivesse passado, que diferença faria isso agora?

          Observou demoradamente seu quarto. As paredes nuas refletiam seu coração; o quarto estava vazio, como ele próprio. Nunca se identificara tanto com o seu ambiente. Estava só, como sempre estivera, mas agora a solidão era mais difícil de suportar: primeiro conhecera a amizade, depois descobriu que poderia amar; e, agora, estava só.

          Diziam que existia um lugar onde não havia caminhos, um lugar onde todas as estrelas (quem sabe ela também não estivesse lá?) brilhavam de noite e onde o sol não tirava as pessoas de seus sonhos. Mas esse lugar não poderia existir. Se existisse, deveria ser muito longe daquelas quatro paredes nuas.

          Gostaria de ser como o poeta, que a vida inteira amou a musa que só viu uma vez na vida e que, após a morte dela, cruzou o inferno e o céu à sua procura. Mas ele não era poeta e ela o havia deixado há muito tempo. Estava distante. Havia-lhe mostrado a amizade, oferecera-lhe a sua, mas ele queria conhecer o amor. Ela tinha medo; era como ele, procurava alguém que lhe desse segurança, e isso ele não poderia fazer. Ela se foi e ele ficou só, criando mitos. Sonhou que a encontraria novamente e que então nada mais os separaria. Foi só um sonho.

          Foi então que decidiu esquecer a terra. Ela era dura, impiedosa. Passou a olhar o céu. Conheceu uma estrela e passou a estudá-la. Então compreendeu o que faz com que os dias sejam diferentes uns dos outros, que pode­ria haver alegria em ver sempre as mesmas coisas. Descobrira o amor. A musa não quis mostrar-lhe, mas uma estrela o fez.

          Com o fim da estação ela também se foi; era a primeira vez que ele chorava. Esperou em vão que a volta da estação a trouxesse de novo, mas ela já cumprira sua missão, não voltaria mais. Não importava, ele jamais a esqueceria, como jamais esquecera a musa.

          Não queria abrir a janela e descobrir que lá fora o mundo ainda era o mesmo mundo medíocre. Um mundo onde as pessoas seguiam seus caminhos sem se importar com as demais, onde apenas se trocavam olhares e palavras frias; nada mais. Naquele mundo, lá fora, as pessoas não olhavam as estrelas, era o sol que reinava. Não, aquele mundo não era real, nada era real; a única coisa real na vida são os sonhos, eles não mentem.

          Ali, naquele quarto de paredes nuas, era seu mundo. Ali o mundo era como ele queria. Ali ele podia sonhar, havia estrelas. Ali ele era Alexandre e sonhava com Roxana. Ali a musa estava sempre presente. A estrela nunca pararia de brilhar. Ele a amava. O menino não amava uma rosa? Ele não era mais menino, também não era príncipe, mas ali dentro ele poderia ser tudo; poderia até amar uma estrela.

          Só então é que pensou nisso. A musa lhe mostrara a amizade e havia partido para sempre. A estrela mostrou-lhe o amor e também desapareceu. Elas eram uma só! A musa sabia que poderia amá-lo, mas ele tinha que descobrir isso por si mesmo, ela não poderia ajudá-lo. Mais tarde ele estava pronto para compreender. Então ela voltou, mas agora era uma estrela. Ensinou-lhe o que precisava saber e foi-se novamente. Ele sorriu; compreendera o grande mistério de sua vida: o amor jamais abandona quem acredita nele. Então ela ainda voltará. Não será um caminho que cruzará o seu, nem uma estrela pálida e esverdeada, será tudo isso e muito mais.

          Abriu a janela e sorriu. O mundo era belo...

 

 

Voltar Home Avançar