Caminhos

 

V

 

          A segunda onda o derrubou. Sua visão ficou escura, o rugido do mar enchia seus ouvidos, a respiração estava entrecortada, mas ainda estava vivo. Com esforço conseguiu levantar-se. Ao longe, a rocha continuava imóvel. Gostaria de ser aquela rocha e sentir a carícia das ondas em seu rosto insensível.

          A rocha lembrava seus olhos: duros, frios. No início, eles eram claros, tranqüilos, como um lago na primavera. Tentou mergulhar neles, mas eles se fecharam. O lago tornou-se turvo, queria afogá-lo. Tentou resistir desesperadamente, agarrando-se a seus cabelos, mas eles não o sustiveram e ele mergulhou no profundo abismo das ilusões, cruzou caminhos escuros e tortuosos, atrás de um coração insensível.

          Seus lábios continuaram impassíveis. Queria beber neles, mas eram estéreis e frios como a lâmina de um punhal que esfria a vida. Seria mais fácil brotar água de uma pedra no deserto que um sorriso em seus lábios.

          Ao longe, a rocha continuava imóvel. Atrás dela podia ver seus olhos olhando fixamente para ele. A cor rósea do crepúsculo contrastava profundamente com aquelas duas esferas verdes a fitá-lo. Aquele olhar penetrava em sua carne, dilacerava suas entranhas, retirando-lhe o calor da vida, cobrando o tributo por ousar contemplá-lo.

          Sentia as forças abandonando seus músculos, os joelhos se dobraram e os braços penderam ao lado do corpo. As ondas continuavam a castigá-lo, mas ele não sentia mais nada. A vista tornou-se turva, mas pôde ainda distinguir, sobre o horizonte, a primeira es­trela da noite. Ele a conhecia. Ela havia voltado.

          Sorriu.

          Na penumbra que antecedeu a escuridão total, ainda pôde distinguir seus lábios. Eles sorriam...

 

 

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