Caminhos

 

VI

 

          Dez anos. Há dez anos cumpria o mesmo ritual. O mesmo lugar, a mesma mesa, o mesmo copo, a mesma marca de vinho. Fez um sinal ao garçom, não havia necessidade de fazê-lo, o garçom já sabia o que ele queria. Foi até o gravador e colocou a mesma fita que ele pedia para ouvir há já dez anos. Frases em inglês enchiam o lugar, mas ele não escutava. Seu pensamento estava longe. Colocou a mão no bolso da jaqueta e sentiu seus dedos queimando. Sabia o que era, mas não tinha coragem de tirá-lo do bolso e olhar. Há dez anos pusera-o ali, mas não tivera a oportunidade de tirá-lo como queria. Há dez anos se repetia o mesmo pesadelo. As mesmas lembranças invadiam sua memória. Não havia como esquecê-las. Uma vez mais a cena se repetia em seu pensamento.

          Maldita hora em que marcara aquele encontro! "Preciso falar com você. Tenho algo importante para lhe dizer". "Eu também tenho", fora a resposta, "hoje à noite, às nove". Colocou no bolso da jaqueta o anel comprado na véspera e saiu.

         "Você está atrasada". Ela o olhou de forma estranha. Viu os dois copos com vinho sobre a mesa, mas não se sentou. "Vim me despedir". "Como?" não compreendera o que ela queria dizer. "Estou de partida. Creio que não nos veremos mais". Naquele instante uma grande confusão se passou em sua cabeça. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser verdade. Ela continuava em pé, à sua frente. Seu olhar era um misto de pena e ternura. "Sinto muito, mas preciso ir. Adeus". Ao chegar à porta, voltou-se para ele "Eu te amo. Me desculpa". Juntou toda sua coragem para falar, mas não conseguiu dizer muita coisa. "Se você voltar", falou, "estarei aqui, esperando".

          Uma promessa e um orgulho ferido. Eram as únicas coisas que o prendiam àquele lugar por tanto tempo. Queria esquecer tudo, fugir dali, mas não tinha coragem. Há dez anos que alimentava sua covardia com aquele vinho, que tentava esquecer de tudo, esquecer que tivera a felicidade em suas mãos e que seu orgulho e a sua prepotência o haviam feito perdê-la. O arrependimento corroía-o mais que o vinho e as noites sem dormir. "Words don't came easily like forgive me, forgive me..." dizia a música. Seu corpo estremeceu, como se soluçasse, e tombou sobre a mesa. Percebeu um vulto que se aproximava. Tentou visualizar-lhe o rosto, seus lábios sorriam, mas já não tinha mais forças para olhar...

 

 

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