O Dote das Trevas

Capítulo 8
PROVOCAÇÕES EM GÊNERO E NÚMERO

            Catherine abriu os olhos, levemente incomodada com a claridade. Parecia sonolenta, e relutava para levantar-se. Viu o marcador de seu relógio, de relance. Assustou-se com a hora que lhe era mostrada, e despertou rapidamente. Tomou um banho rápido, vestiu o uniforme de Hogwarts e saiu de seu dormitório, parecendo apressada.

            Logo estava à porta do dormitório masculino, batendo incansavelmente. Demorou um pouco para a deixarem entrar, e logo entendeu o porquê. Todos estavam sonolentos, menos um garoto loiro, que estava à beira da janela, lendo um pesado e grosso livro, que parecia conhecer muito bem.

            - Draco, já lendo este livro? – perguntou Catherine impaciente, se aproximando.

            - Não consegui dormir a noite toda, e quando estava amanhecendo, comecei a ler. Descobri coisas incríveis enquanto lia – respondeu o rapaz, sem tirar os olhos do livro.

            - De que importa?! – sua voz parecia brava, e a expressão em seu rosto confirmava esta dúvida – Estamos atrasados, qual é a primeira aula?

            - Herbologia, depois Poções – respondeu indiferente, nem parecendo importar-se.

            - Então vamos logo! – Catherine puxou a parte de trás do pijama de Draco, mas mesmo assim não conseguiu fazê-lo tirar os olhos do livro.

            - Espere um pouco, estou quase chegando no capítulo IX...

            A frase ficou suspensa no ar. Draco falara para as paredes, com Catherine às portas do salão comunal, bufando de raiva.

 

            A aula de Herbologia pareceu demorar uma eternidade. A cada minuto Catherine checava seu relógio de bolso, na esperança do tempo correr. Mas parecia demorar cada vez mais, visto que não agüentava mais aquela professora, explicando sempre sobre as propriedades de cura das plantas.

            Quando a sineta bateu, ela foi a primeira a se levantar, jogar a mochila nas costas, e sair da estufa 4 em passos rápidos. Passou por uma turma de alunos da Lufa-Lufa, e parou bruscamente. Por que corria para a próxima aula, se a teria com o professor que tinha menos inimizade, e que a intimidava secretamente? Em sua mente pareceu ter ficado parada por horas, refletindo sobre o assunto, mas ficara apenas segundos, tempo suficiente para Draco alcançá-la, e puxá-la pelo braço para fora daquele corredor.

            - O que pensa que está fazendo, puxando-me deste jeito? – perguntou Catherine acidamente, puxando seu braço para longe do alcance da mão de Draco.

            - Você estava parada que nem uma boba no corredor, uns grifinórios passaram por você rindo – disse em tom de voz explicativa, e um ar de superioridade, que deixava Catherine mais irritada.

            - Certo, não faça isso de novo – disse em tom de aviso.

            - E por que estava com tanta pressa para sair da estufa? Você não é o que podemos chamar de fã das aulas de Snape – a voz de Draco soava como um zumbido aos ouvidos da garota, provocando-a cada vez mais.

            - Alguma coisa ruim vai acontecer nesta aula – sentenciou, sua voz séria e distante.

            - Tudo bem, agora podemos ir? – Draco parecia pouco preocupado, e sua voz mostrava descaso.

            Catherine não respondeu. Ficou furiosa com o sonserino, e apressou seu passo até a masmorra de Poções, uma sensação ruim se apoderando de seu estômago.

            Logo chegaram na sala, que estava quase totalmente vazia, somente ocupada pelo professor e... pelo trio grifinório; o que tiveram a infelicidade de constatar. Draco notou que o olhar de Hermione Granger brilhou quando viu-os entrar, para só depois voltar a conversar com seus amigos.

            - Cat, eles estão falando de nós – murmurou Draco, enquanto deixavam suas mochilas em uma mesa.

            - Detesto isso, ficarem falando pelas costas... deviam vir tirar as diferenças em um duelo bruxo! – exclamou, um pouco alto para o nível da conversa.

            - Cat, já disse que fica linda quando está brava? – comentou divertido – Mas nem todos têm coragem para vir ter um duelo com dois bruxos como nós, então não se preocupe...

            - Ah Draco, não sei! – desconversou, levemente impaciente. Sentira uma pontada aguda em seu braço esquerdo, e sentia o olhar de Snape formigar seu pescoço.

            - Está sentindo alguma coisa? Quer dizer... Snape está fazendo alguma coisa? – perguntou preocupado, observando a expressão no rosto de Catherine.

            - Sim, ele está tramando alguma coisa... não acho isso bom, nada bom... – disse entre dentes.

            Não conseguiram continuar a conversa. O restante dos alunos foram se reunindo na sala e o professor começou a aula, de um jeito que surpreendeu a todos.

            - Hoje mudaremos as duplas de trabalho – anunciou, sua voz grave percorrendo toda a sala. Catherine pareceu suspirar aliviada, enquanto Hermione soltou um muxoxo de descontentamento. Draco também pareceu contente com a mudança.

            - Malfoy sentará com... Weasley – começou Snape, analisando os alunos e suas duplas.

            - Com o Malfoy?! – resmungou Rony, antes de praguejar contra o professor.

            - Ao menos não é a Sabe-Tudo – Draco consolou a si próprio, enquanto recolhia seu material.

            - Potter e... – desta vez ele demorou um pouco mais para se decidir – Stone.

            Catherine soltou a respiração, como se encontrasse oxigênio após minutos sem respirar. Enquanto levantava-se, ainda conseguiu ouvir um suspiro de consolação da ex-parceira, que soava algo parecido com “ao menos é Harry a dupla dela”.

            As outras duplas não surpreenderam tanto quanto as duas primeiras, e até mesmo Hermione com Crabbe não foi muito alarmante. Catherine bufou de impaciência, enquanto via o professor passar de mesa em mesa, conferindo o material dos alunos. Com o canto do olho, notou que Potter lia um papel embaixo da mesa, que parecia muito com...

            - Uma carta de amor, Potter? – perguntou Snape, parando ao lado de Harry, que pulou da cadeira, tamanho susto que levou.

            - Não é nada, professor... – ele apressou-se a responder, tentando esconder o pergaminho em sua capa.

            - Potter, dê-me esta carta agora, a não ser que prefira perder vinte pontos – disse em sua voz letal, estendendo uma mão e esperando o pergaminho estar ali.

            - Já disse que não é nada, professor... – Harry repetiu, disposto a não deixar ninguém ver o que estava escrito ali.

            - Menos vinte pontos de Grifinória – finalizou o professor -, por ficar atrapalhando a aula. E se ver este papel novamente... entrará em detenção.

            A metade sonserina começou a rir da expressão mortífera do grifinório, enquanto os grifinórios protestavam a perda de pontos. Snape logo dissipou os comentários, e começou a ditar uma matéria nova.

            Catherine copiava a matéria de modo caprichado, e com cuidado para não borrar o pergaminho. Ficou irritada, porém, ao ver que seu parceiro não copiava nada, mas voltava a ler a maldita carta. Sentiu-se injustiçada, e não deixou passar um comentário maldoso.

            - Acho que vou dizer ao professor que continua lendo a carta da namorada, sabe... Seria ótimo te ver em detenção pelo resto da semana...

            - Você não contaria ao Snape que estou... e espere! Não é carta de namorada! – retrucou nervoso, pegando sua pena e tentando disfarçar.

            - Não ganharia nada se não contar... e além do mais, deveria estar copiando esta poção, ela é complicada, e não estou disposta a fazer tudo sozinha... – Catherine dizia todo zombeteiramente, e sorria ao ver a expressão apavorada de Harry.

            - O que quer para ficar quieta?

            - Hum, então estamos entrando em um acordo... – disse, não conseguindo conter um sorriso de satisfação – Quero que me deixe ler, e que copie o resto da poção...

            - Isso nunca! – exclamou em voz alta, o que fez a atenção da classe recair em sua pessoa.

            - Está com problemas, Potter? – perguntou Snape friamente, aproximando-se da mesa – Será que precisarei tirar mais pontos de Grifinória para ficar calado?

            - Não precisa – disse entre dentes, abaixando a cabeça e começando a copiar.

            Snape deu um sorriso enviesado de prazer, e voltou a passar a matéria. Catherine teve que rir silenciosamente. As bochechas de Harry haviam ficado vermelhas, tamanha vergonha que passara. Deixou correr mais um pouco da aula, para voltar a provocar.

            - Viu? – disse lentamente, para chamar a atenção dele – Eu podia ter contado ao Snape que estava com a carta, mas cumpri com minha parte... agora, você deve cumprir com a sua.

            - Não vou te mostrar a carta – disse raivoso, lutando contra a vontade de começar a gritar, tamanha petulância da garota.

            - Tenho outros meios de ler esta carta, Potter querido... – ela enfatizou as duas últimas palavras, para causar calafrios em Harry – Um feitiço Accio deve ser de extrema utilidade aqui – estas palavras disse bem próxima do garoto, de modo que ninguém mais pudesse ouvir.

            Do outro lado da sala, Draco remexeu-se em sua cadeira, não agüentando ver aquela cena, e já imaginando coisas ruins. Rony não deixou este ato passar despercebido, e aproveitou para provocar.

            - Ciúmes, Malfoy?

            - Vá para o inferno, Weasley! – retrucou nervoso, fazendo um grande risco em seu pergaminho.

            - Está com ciúmes da Stone, Malfoy? – repetiu Rony, gostando da raiva do sonserino – O famoso Harry Potter conseguirá mais uma conquista, deixando seu arqui-inimigo no chinelo?

            - Se não estivéssemos no meio da aula, garanto que seu rosto sardento estaria mais vermelho ainda, mas com um soco nessa sua cara inexpressiva! – os olhos de Draco pareciam duas fendas, com brasas ardendo incontrolavelmente.

            - Weasley, Malfoy, podem parar de conversar no meio da minha aula? – perguntou Snape suavemente, fazendo as provocações cessarem brevemente.

            Logo a cópia da poção terminou, e as duplas começaram a separar os ingredientes que usariam na aula seguinte, já marcando quais itens teriam que comprar. Catherine não estava nem um pouco interessada nisto, queria ler a carta de Harry, que parecia relutar ao extremo.

            - Sei que começamos com o pé errado, Potter – disse suavemente, mas em tom de voz que Harry lembrava já ter ouvido antes -, mas acho que, após isso, podemos nos tornar mais suportáveis.

            - Você está saindo uma cobra, Catherine, cheia de veneno – bufou Harry, não acreditando que estava prestes a deixá-la ver a carta, que ele tentou esconder com unhas e dentes.

            - Não me compare a uma cobra – retrucou, segurando um riso frio. – Posso ser muito mais doce, basta saber como lidar comigo... E não se preocupe, guardarei seu precioso segredo como, futuramente, você fará com os que te contar.

            Alguma coisa nas palavras de Catherine fez com que Harry cedesse, e finalmente mostrasse a carta. Catherine a pegou ansiosa, mas sem querer demonstrar que queria muito saber o que fora capaz de fazer o garoto perder pontos para sua casa.

 

“Harry,

Quanto tempo sem mandar noticias! Sua última carta me deixou preocupado, chegou no começo das suas aulas, sendo que deve ter escrito antes de ir para a casa de Rony! Mas ainda bem que está tudo bem, agora que está no mesmo teto de Dumbledore, posso descansar em paz.

Fiquei sabendo por fontes confiáveis que um Stone está em Hogwarts este ano... Estranho, achei que a filha deles tivesse a sua idade... Me conte o que sabe, em uma próxima vez.

Mas qualquer que sejam as circunstâncias, tome cuidado! A filha daquele metido deve ter alguns traços dele, o que não pode ser uma coisa boa. Fique em retaguarda, e me diga tudo o que acontecer.

Estou perto de Hogwarts novamente! Voltei de minha missão com Dumbledore, e estou escondido no mesmo lugar do ano passado. Quando forem a Hogsmeade, poderão me visitar, mas me confirme primeiro quando virão para cá.

Termino por aqui. Siga minhas recomendações e cuidado com a Stone. Não faça brincadeiras com os sonserinos (embora eles mereçam – e muito), e não desobedeça Dumbledore. Nos encontraremos o mais breve possível.

     Sirius”

 

            Catherine dobrou cuidadosamente o pergaminho, e o entregou para Harry, sem parecer demonstrar nenhum sentimento. Ficou alguns segundos sem dizer nada, deixando o garoto mais apreensivo. Quando disse, porém, foi uma frase final, como se estivessem conversando a tempos.

            - Não se preocupe comigo. Não sou tão perigosa como me pintam.

            Assim que terminou a frase, a sineta tocou. Ela arrumou seu material e levantou-se, deixando uma grande dúvida no ar: irá ela contar alguma coisa a Draco ou não?

            Quando passava pela porta, sentiu uma mão a segurar. Virou o rosto para ver Draco a pedindo para esperar, mas se surpreendeu com o que viu. Snape a puxara, e disse em quase um sussurro, somente para deixar a situação mais assustadora.

            - Preciso falar com você.

            Os alunos todos saíram, menos Draco, que esperava por Catherine. Ela fez um gesto com a cabeça para ele ir indo na frente, e a muito contragosto ele obedeceu.

            - Pode falar, professor. Sou toda ouvidos – disse indiferente, fazendo um vago gesto com as mãos.

            - Espero que não desperdice a chance que lhe dei, Stone. O Lord deposita muita confiança em você, e não gostaria que fosse você a primeira a desapontá-lo – disse suavemente, no tom de perigo que só ele conseguia transmitir.

            - Não se preocupe comigo, professor. Estou agindo no meu papel, e não vou fraquejar em minha obediência – retrucou friamente, atrevendo-se a encarar os olhos frios de Snape.

            - Não deveria duvidar de minha lealdade, menina – alertou, entendendo a indireta. – Sou menos abalável que você, e com isso, menos fraquejável. Quem deveria ter cautela é a senhorita.

            Catherine não respondeu. Girou nos calcanhares e saiu da masmorra, com um grande ponto a martelar em sua cabeça. Snape apenas observava-a a sair, com seus olhos frios e profundos.

 

            Após as aulas daquele dia, o trio da Grifinória reunira-se no Salão Comunal, para tirarem o atraso nas conversas inacabadas durante as aulas. Harry parecia mais preocupado do que qualquer um dos dois, e estava muito visível este sentimento.

            - Harry, por que está tão preocupado? – perguntou Hermione.

            - Catherine me surpreende a cada dia, já não sei mais o que pensar – respondeu sério, olhando para um ponto fixo no tapete.

            - O que aconteceu? Foi na aula de Poções, eu aposto – deduziu Rony. – Malfoy estava muito alterado, parecia com ciúmes.

            - Malfoy não tem nada a ver com isso – descartou Harry, pensativo.

            - Não está descartado até ouvirmos o que aconteceu. Conte, Harry! – disse Hermione, com idéias formigando em sua mente.

            Harry contou o que acontecera na aula, desde a provocação inicial até a última frase, segundos antes de acabar a aula. A cada palavra ouvida, Rony e Hermione ficavam mais surpresos, e novos conceitos se formando sobre o assunto.

            - Só posso garantir uma coisa – começou Hermione, assim que Harry acabou -, ela está tramando alguma coisa, e você será o brinquedinho dela.

            - É claro que ela só está te fazendo de bobo, Harry! – cortou Rony, apressado – Ela só disse aquilo para te confundir, é óbvio que ela já sabe que nós sabemos!

            - Mas fomos muito discretos, ela não pode ter percebido! – discordou Hermione, inconformada.

            - No começo da aula, ouvi Malfoy e ela comentando sobre nós, acho que eles desconfiam – contrapôs Harry, pensativo.

            - Mas eles não te viram, Mione, viram? – Rony quis confirmar.

            - Claro que não! Estavam preocupados com as vestes deles! Isso é descartado, mas Harry, você não devia ter mostrado a carta para ela, e se ela descobrir que Snuffles é seu padrinho?

            - O que eu podia fazer? Ou isso ou eu ficava em detenção, e não poderia vê-lo de qualquer jeito!

            - Ele não especificou onde estaria, não é? – perguntou Rony.

            - É mesmo, já ia me esquecendo. Leiam por vocês, depois podemos discutir esse assunto – finalizou Harry, tirando do bolso um pergaminho um pouco amassado.

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