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NOS BRAÇOS
DE XANGÔ
INICIAÇÃO
A
iniciação começou na noite de quarta-feira dia dezoito de
dezembro de 2004 em cerimônias completamente restritas e,
portanto, misteriosas dentro da seita. Deste modo, a
curiosidade faz com que surjam muitas argumentações e
fantasias acerca do que realmente acontece dentro dos pejís.
No entanto esse mistério desperta em muitos o preconceito e
a resistência diante desta cultura. Porém, só os iniciados
sabem o que realmente acontece.
As saídas
em público dos iaôs acontecem no terceiro dia. Jussara,
manifestada de erê foi coberta de traços e pontos brancos
feitos com uma espécie de giz branco, usando também roupas
brancas em homenagem a Oxalá. Chegando ao barracão protegida
por um grande pano branco (alá) esticado por cima dela, e ao
som dos atabaques, Jussara caminhava de cabeça baixa e com
passos vacilantes, precedida de seu pai e mãe pequenos que
a seguia e amparava como quem toma conta de um recém-
nascido, fase comparada ao estado de iaô.
Uma
esteira foi estendida sucessivamente diante da porta do
barracão, dos atabaques, diante da porta dedicada a Oxalá e,
finalmente, aos pés de mãe Carmem. Nestes locais, Jussara
realizou reverencias chamadas dobale, deitando sobre o solo
em posições especiais, executando também uma série de
batidas de mãos chamadas de bater paó, para demonstrar o seu
respeito, já que durante os doze dias deve respeitar a lei
do silêncio que conduz o candomblé.
No sétimo
dia, o crânio de Jussara foi pintado de azul anil, com um
material especial que não era tinta nem giz. Neste dia, as
roupas utilizadas ainda são brancas em reverencia a Oxalá.
No barracão, parentes e convidados esperavam anciosamente
pela saída da iaô após dias de afastamento. A decoração, com
panos e flores brancas, davam a noção do tamanho da
sensibilidade que envolviam aqueles dias e os atos que
estávamos próximos a acompanhar. O iaô, independente da
idade que tenha nasce neste momento para dedicar toda uma
vida ao seu orixá, seguindo os passos por ele direcionados.
Após
alguns instantes e de reverenciar os orixás na cerimônia
denominada xirê, os filhos de santo se agacharam, as ekedes
e os voduncis (filhos de santo com mais de sete anos)se
recolheram e foram buscar Xangô. Com uma simples roupa
branca e devidamente preparado com as cores dos mistérios do
candomblé, podíamos perceber que no meio do ori de Xangô
havia sangue. O ejé não era de Guibonan, mas de algum animal
que foi sacrificado para acrescentar mais força ao axé da
iaô que estava sem um fio de cabelo. Foram todo entregues a
Xangô.
O orixá
foi recebido no barracão com muitas palmas e num cântico de
reverência, que precediam o ato. Após algumas voltas no
salão, a mãe de santo escolhe entre os convidados alguém da
seita que tenha cargo e tempo de iniciação suficientes para
apadrinhar o seu mais novo filho. O escolhido, que na seita
será chamado de pai pequeno, então dá o braço ao seu mais
novo afilhado e começa a andar pelo barracão. Todos estão
afastados com as mãos suspensas em sinal de respeito.
Durante o
“passeio”, o pai pequeno pergunta alguma coisa no ouvido do
afilhado que lhe responde no mesmo tom, com palavras em
yorubá. Ninguém ouve. Na terceira vez, o padrinho ordena que
o orixá grite o seu nome bem alto para que todos possam
enfim ouvir o momento do seu nascimento, associado ao choro
da criança na hora do nascimento, falando uma única
expressão: orunkó yaô!
Xangô
obedece e girando, grita bem forte o seu nome.
Automaticamente, todos os filhos de santo incorporam seus
respectivos orixás e após a entrada de Xangô trocar de
roupa, todos também se recolhem. Após alguns instantes,
todos retornam e com novos cânticos, Xangô retorna ao
barracão. Como um rei - ainda que recém nascido – estava
pronto para dançar as respectivas cantigas que lhes fossem
designadas, e como num êxtase, o orixá dançava ao som do
toque principal: o alujá .Em movimentos rápidos e frenéticos
o orixá corria todo o salão movimentando os braços pernas e
entusiasmava os convidados que o saudavam e batiam palmas
seguindo o ritmo dos atabaques. Após sete cantigas, o orixá
se recolheu, pois enquanto um bebê não poderia se cansar
muito e nem ficar muito tempo exposto. O orí estava muito
sensível.
Depois
deste dia, ainda houve a mesa fria no domingo, dedicado ao
erê, que comia as oferendas que foram arriadas no quarto dos
orixás e o bolo da festa, acompanhado de refrigerante
quente. Brincando com todos e demonstrando a todo instante o
carinho pela iá. Quando terminou, o chegou o momento de
Neuma, ou melhor, Guibonan voltar a si e tomar conhecimento
de tudo que havia acontecido até então. Mãe Carmem colocou a
mão sobre o seu ori e após algumas palavras em yaorubá,
Guibonan voltava a si.
A primeira
reação de Jussara, mesmo ainda tonta, foi passar a mão pela
cabeça que estava enrolada num pano branco. Sentiu algo
diferente, pois ao primeiro toque percebeu a sensibilidade
do crânio. Mãe Carmem então à sua frente, explicou o que
tinha acontecido e com uma simples frase resumiu: “Você
agora é uma iaô, minha filha. Você deve dedicar a sua vida
ao seu orixá que é o rei de Oyó. Não tenha medo, por que
agora ninguém pode com você”.
Jussara
chorou muito. Não de arrependimento, mas de emoção, pois
agora era filha daquela senhora que tanto admirava. “Senti
muito por não ter mais os meus cabelos. Mas minha mãe
conversou comigo e fez eu me orgulhar de tudo que tinha
acontecido, ainda que não tivesse mais meu cabelo”, destaca.
Alguns
dias se passaram e, Guibonan passou mais vinte e um dias de
resguardo no terreiro. Sem comer e sem beber algumas coisas
que o seu orixá tinha proibido, a iaô seguia a risca tudo
que lhe era ordenado. Retornou ao trabalho, toda de branco,
com medo de ser demitida por trabalhar com atendimento ao
público. Para sua surpresa, foi transferida de setor , teve
os pontos digitais registrados do período que esteve
ausente, recebeu salário integral e depois de algumas
semanas conheceu o atual marido dentro do barracão do Ilê
Axé Oyá Mesi. “para quem vivia sem perspectivas, sou uma
vitoriosa. Xangô me acolheu e hoje ele é minha vida e eu me
sinto protegida”, declara.
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