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"ENTREVISTA COM ELSON FAXINA"
As guerras que os veículos de mídia travam em alguns momentos em jornais, blogs, revistas, TVs têm motivos e fundamentos diversificados. Para falar sobre isso a Uninter.com convidou Élson Faxina. Faxina é editor da TV Paraná Educativa, funcionário de carreira do Estado, mestre em comunicação pela ECA/USP e doutorando pela Unisinos.
Uninter: Há uma guerra na mídia? Há uma “briga” entre os veículos de comunicação ou eles se alinham e “fingem” ter rivalidades? Como se dá isso?
Faxina: A grande mídia age por um consenso resultante do lugar social que ela ocupa. Quando você assiste a três ou quatro telejornais ou lê três ou quatro jornais num mesmo dia e percebe que 70 a 80 % das notícias são as mesmas, que 60 a 70% dos entrevistados são os mesmos não é mera coincidência. É que eles só conseguem ver a sociedade a partir desse olhar, desses fatos. Nós temos uma pluralidade da mesma mídia. É mais do mesmo. As brigas que porventura ocorram são pontuais e, quase sempre, por disputa de audiência ou cotoveladas entre os profissionais da área. É o que está ocorrendo, neste momento, entre o jornalista Luís Nassif e a revista Veja.
A única briga que existe de fato é entre a grande mídia e alguns veículos alinhados aos movimentos sociais ou a grupos de esquerda. E essa briga é perfeitamente natural, porque a grande mídia defende com unhas e dentes, embora de forma quase sempre dissimulada, uma visão que corporifica o mercado como se fosse um deus, como se capaz fosse de resolver todos os problemas da sociedade. Os fatos demonstram que o mercado é excludente por índole, por natureza. Já os veículos mais à esquerda defendem uma outra sociedade, baseada na solidariedade, na cidadania, e não na competição, na acumulação. Logo, se essa briga entre os veículos que defendem o status quo vigente e os que exigem mudança não existir é porque algo está errado com o jornalismo.
Uninter: A TV Educativa do Paraná possui um posicionamento diferenciado com relação à cobertura de algumas temáticas. Alguns jornalistas do Paraná chamam isso de propaganda governamental e muitos acreditam que isso fere a imparcialidade que devemos ter como comunicadores. O que você pensa disso trabalhando na TV?
Faxina: Primeiro é importante dizer que a TV Paraná Educativa é uma emissora estatal. E não vejo nisso nenhum demérito. Ao contrário, eu prefiro trabalhar para alguém que foi eleito democraticamente do que para quem tem uma concessão pública por dinastia, como se fosse uma capitania hereditária. Eu falo com orgulho que trabalho para o povo do Paraná. Tem gente que sente orgulho de dizer que trabalha para uma pessoa, uma família. Tem muita gente que sente prazer em ter um feitor.
Todo e qualquer veículo de comunicação tem um posicionamento diferenciado com relação à cobertura de algumas temáticas. Todos, absolutamente todos, os veículos são parciais, defendem, ainda que de forma camuflada, uma ou outra posição. O que há é que certos jornalistas são tão identificados com a posição ideológica do patrão que cumprem tudo sem ter que ser pautados. E grande parte deles tem certas posições por absoluta falta de informação, por ignorância mesmo. São verdadeiros ingênuos úteis na engrenagem do mercado. Um jornalista que afirma não ter posição ideológica é um otário e não um jornalista. O que vai diferenciar um bom jornalista de um mau jornalista é a sua capacidade de compreender o mundo e a sociedade em que está inserido e saber locomover-se nele, como ser ético nela. E o que vai tornar um jornalista mais ético é a sua condição de, compreendendo o lugar que ocupa, abrir espaço para o diferente, para o contraditório, para o outro com quem eu não concordo. Quantos jornalistas ou veículos fazem isso? Desconheço um único veículo que faça isso no Brasil. Aqui se diz que se apresenta o contraditório quando mostram pessoas que divergem sobre questões superficiais, jamais sobre a essência do temas. Basta ver a enorme lista de lideranças e intelectuais brasileiros banidos da grande mídia. Motivo? “São contra o mercado. Estão ultrapassados”. Na TV Paraná Educativa procuramos dar espaço exatamente para esses “sem espaço” na grande mídia. Nós somos parciais e afirmamos isso. Os demais veículos deveriam ser honestos e assumirem publicamente sua posição e não querer posar de imparciais, de independentes.
É importante destacar que a Constituição Brasileira definiu o modelo de rádio e televisão brasileira como uma necessária, e por que não dizer obrigatória, complementaridade entre o estatal, o público e o privado. Esta é a única - veja bem que eu disse: a única - forma de se obter uma verdadeira democracia na comunicação brasileira. Nós precisamos lutar para que, a exemplo das privadas, as TVs públicas e estatais se consolidem e cheguem a todos os lares brasileiros. Aí sim haverá opção, democracia. Hoje há uma ditadura de mercado. E uma ditadura em todos os sentidos, especialmente pelo fato de que a grande mídia só faz o que quer graças aos recursos públicos.
Uninter: E a guerra declarada entre Luís Nassif e a “Veja”? Qual é sua opinião? É política? É pessoal?
Faxina: É um briga pessoal que ganha contornos políticos importantes. Eu gostaria muito que houvesse mais brigas assim. Vivemos num modelo de comunicação que temos apenas duas maneiras de descobrir, com segurança, as verdades que estão escondidas nas redações, nas entrelinhas dos veículos: uma é quando alguém toma consciência do mal que vem fazendo para a sociedade e muda de posição, a outra é quando os patifes brigam.
Uninter: Hugo Chavez e a imprensa: que relação é essa?
Faxina: É um problema verdadeiramente ideológico. Hugo Chavez é um presidente que tem muitas virtudes e também seus defeitos. O que incomoda na grande mídia não são seus defeitos, mas exatamente as virtudes. Sua postura nacionalista de recuperar as empresas privatizadas por governos corruptos, a defesa intransigente de que a América Latina deve ser a dona de seu destino, sua posição antiimperialista em relação aos Estados Unidos, suas alianças políticas contrárias à prática das oligarquias que levou a rica Venezuela à bancarrota são alguns dos principais motivos que levaram à criação de uma imagem mentirosa sobre o presidente venezuelano. É uma seqüência de informações distorcidas que vai criando no imaginário social uma imagem de um homem perverso, ditador, despótico. Para citar um único caso, basta lembrar a campanha feita pela mídia internacional - e a brasileira entrou em cheio nisso - quando do plebiscito sobre a reforma constitucional que tinha como um dos itens a possibilidade de reeleição ilimitada para presidente. A mídia dizia que ele queria tornar-se um ditador. Mas era para haver eleição! E ao que me consta eleição é praticamente o único elemento que as elites defendem hoje como condição para haver democracia! O interessante é que há seis anos o governo francês propôs uma reforma constitucional e lá foi aprovada reeleição ilimitada para o presidente. Não vi uma única informação na grande mídia brasileira de que Jacques Chirac tinha sonhos de se tornar um ditador. A única diferença é que este – o Chirac - é um homem de posturas conservadoras, um líder da direita; aquele – o Chavez - está do outro lado.
Uninter Na sua opinião, como estudantes e profissionais da comunicação podem se posicionar com relação a mídia? E como fica a sociedade?
Faxina: É preciso estudar muito e se aprofundar especialmente nas disciplinas teóricas complementares ao jornalismo. É preciso ler sempre e ler as fontes mais variadas de informação. E quando eu digo isso quero dizer que é ler, ouvir e assistir veículos que defendam posições contrárias umas das outras. Não adianta, por exemplo, ler Veja, Folha de São Paulo e Gazeta do Povo. São as mesmas informações, o mesmo olhar sobre os fatos, sobre o governo, sobre a sociedade, sobre a vida. É preciso ler um desses veículos, ou outros que apresentam o mesmo olhar, mas ler também uma revista Caros Amigos ou um jornal Brasil de Fato, por exemplo. É como aqui no Paraná: você não vai ser melhor informado assistindo apenas a Paraná Educativa ou RPC. É preciso assistir uma e outra para você ter pelo menos duas informações distintas, dois olhares diferentes sobre um mesmo acontecimento. Por fim, jornalista bom é aquele que pisa no barro, que conhece e convive com a sociedade, com os grupos sociais de periferias, com os movimentos sociais. Jornalista que adora pisar em carpetes dos palácios torna-se rapidamente ventríloquo do poder.
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