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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA |
Quarta Unidade - SÉCULO XX: | |
Na era moderna, três de seus principais autores, imaginaram situações hipotéticas em que estavam em jogo a satisfação de interesses individuais entre agentes racionais. Thomas Hobbes, no Leviatã, simulou a realização de um contrato social no famoso experimento mental do estado de natureza. David Hume, no Tratado da Natureza Humana, descreveu o resultado catastrófico de dois fazendeiros que precisam um do outro para colherem suas safras, mas que não têm a menor simpatia entre si. Jean-Jacques Rousseau, no seu fantasioso Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens, apresentou uma caçada de veado em que os caçadores, individualmente, têm a tentação de pegar uma lebre e abandonar a caça, deixando os outros caçadores com a tarefa de prosseguir na busca por alimento.
O teorema de Zermelo apresentou pela primeira vez uma aplicação dos recursos matemáticos para um tipo restrito de interação entre agentes racionais egoístas que, não obstante o mérito da descoberta, raramente ocorria no cotidiano. Uma solução mais abrangente foi demonstrada pelo matemático húngaro-estadunidense John von Neumann (1903-1957) para o teorema minimax de Émile Borel (1871-1956), deixado sem uma solução geral, em 1927. Entre 1921 e este ano, o matemático francês Borel publicou quatro textos em que fornecia a primeira formulação moderna para a mistura de estratégias - ocasião em que os agentes escolhem suas linhas de ação segundo uma taxa de probabilidade ponderada - nas circunstâncias onde não houvesse informação perfeita sobre as condições em que os jogadores se encontram. Destarte, Borel encontrou a solução minimax para jogos de soma zero, com duas pessoas que tivessem até cinco possibilidade de escolhas de como agir. Em "Zur Theorie der Gesellschaftspiel" (Sobre a Teoria dos Jogos Sociais, 1928), von Neumann ampliou a estratégia minimax para o caso geral de várias estratégias. A partir daí, estava aberto o caminho para uma teorização geral dos jogos estratégicos que pudesse ser empregada em diversos contextos de interação social. O marco histórico para o lançamento da teoria dos jogos moderna foi a obra Theory of Games and Economic Behavior (Teoria dos Jogos e do Comportamento Econômico, 1944), de Von Neumann e Oskar Morgenstern (1902-1977), onde se estabeleceu a formalização matemática básica para o desdobramento dos múltiplos modelos de jogos. A estratégia minimax, ou maximin, representa uma posição em que cada um dos jogadores procura fazer o melhor para si tendo em vista a oposição do outro, diminuindo ao mínimo suas perdas esperadas. Mas faltava à teoria a noção fundamental de equilíbrio que só veio a ser fornecida com clareza pelo matemático estadunidense John Nash, em 1950, no ensaio Equilibrium Points in N-Person Games (Pontos de Equilíbrio em Jogos de N-Pessoas). Depois de Nash, as estratégias mistas poderiam servir de solução para jogos com várias pessoas sem que o resultado fosse necessariamente a vitória para um e derrota para outro - soma zero -, mas que as partes pudessem adquirir ganhos variáveis, diferentes de zero e positivos. Com os pontos de equilíbrio de Nash, nenhum jogador poderia obter um melhor resultado sem diminuir necessariamente o ganho do outro. Sabendo disso, nenhuma das partes teria motivo de sair do equilíbrio, sob o risco de ambos acabarem em situação pior do que a do equilíbrio inicial, já que a reação esperada viria de imediato, nos jogos com conhecimento comum das ações entre as partes. O conceito de equilíbrio desenvolvido por Nash permitiu à teoria dos jogos avançar sobre as considerações gerais da interação entre agentes que transcederam os limites iniciais da economia e administração, atravessando para campos da biologia evolutiva, psicologia comportamental e chegando agora às neurociências. Os Exemplos da Modernidade A grosso modo, a teoria dos jogos procura analisar as atitudes de agentes (racionais ou não) regidas por regras específicas, cujos resultados dependem também das decisões que cada um fará do início ao fim da partida. Cada movimento se dá no instante em que o jogador concretiza uma escolha livremente, dentro das restrições absolutas determinadas pelas regras ou comandos que delimitam o jogo e segundo o conjunto de informações disponíveis. As regras definem se os jogos são cooperativos ou não pela permissão de coalizões ou proibições de troca de informações entre as partes, embora sempre haja a possibilidade de sinalização e observação de uma convenção preliminar que induza um movimento por um resultado em equilíbrio. A busca pela maior utilidade não implica necessariamente, numa exploração de uma parte pela outra e na maioria das vezes depende de uma cooperação e do entendimento mútuo, no caso de seres racionais, sobre a melhor estratégia conjunta a ser realizada por ambos jogadores. Nos jogos de soma zero entre dois participantes, em geral, a cooperação não ocorre porque os interesses pessoais são totalmente opostos: para um ganhar, outro terá de perder. Contudo, um superjogo que permita uma série de lances consecutivos abre espaço à cooperação, mesmo de modo indireto, nos jogos não cooperativos, onde o conluio inicialmente impedido, cede à disposição em cooperar sinalizada por movimentos repetidos com reciprocidade, mas para isso é preciso que sejam de soma variável, diferente de zero. Em suma, os jogos são compostos por cinco elementos constitutivos fundamentais: 1) conjunto dos participantes, preenchido por um número natural de elementos; 2) pelo elenco de estratégias possíveis para cada um desses agentes; 3) pelo saldo obtido por cada jogador como consequência das estratégias seguidas por todos envolvidos; 4) pela função de resultados que combina as estratégias de cada um ao resultado final; e 5) pela relação de preferências do jogador, de acordo com o espaço de resultados possíveis. Nos termos da teoria dos jogos, o argumento de Hobbes para fundação do Estado pode ser descrito partindo da constatação de que não havendo restrições externas ao comportamento das pessoas, nenhuma coordenação das ações seria possível, uma vez suposto que elas procuram maximizar seu próprio bem estar em detrimento de toda sociedade. Efetivamente, alguém que adotasse restrições altruístas unilaterais, em favor dos outros, seria facilmente explorado por agentes egoístas. Assim, restrições morais seriam instáveis na promoção da cooperação social. Apenas um mecanismo que obrigasse a cada um cumprir tais restrições seria conveniente para manutenção dos acordos. Hobbes concluiu que, se as pessoas querem viver sob uma sociedade ordenada, elas precisam confiar no poder absoluto do soberano a obrigar todas cumprirem suas partes no contrato (1) Modelos de jogos que descrevem as circunstâncias em que os participantes abririam mão de uma parte dos seus ganhos para manter uma instituição que fiscalizasse e punisse os infratores são chamados de Bem Público. A grupos de quatro jogadores são distribuídas as quantias de 20 unidades monetárias para que cada um possa investir ou não em um fundo comum ao grupo a que pertença. Cada unidade investida recebe meio porcento de juros distribuído a todos igualmente. Desse modo, se todos investem de uma vez suas dotações, receberão cada um o dobro do montante inicial (0.5 x $80 = $40). Entretanto, devido à baixa remuneração individual, cada investidor sentiria tentado a nada aplicar e receber o rendimento do investimento dos outros jogadores no fundo comum, uma vez que este é dividido igualmente entre eles, tenham ou não feito a aplicação, considerando que basta apenas que um o faça. Todavia, se todos pensarem assim, nada seria investido no empreendimento mútuo e cada um permaneceria com os mesmos $20 iniciais, sem nada ganhar além disso. Experimentos contemporâneos realizados em laboratórios da Universidade de Zurique revelaram que em jogos de Bem Público repetidos por 10 rodadas sucessivas a maioria das pessoas aplicam, nas primeiras rodadas, cerca da metade de seu capital, diminuindo a cada rodada até o final quando deixam de participar do fundo de investimento. Isso ocorre porque durante o jogo as pessoas aprendem que a estratégia egoísta é sua dominante. Contudo, quando uma multa é instituída como punição cobrada aos caronas - aqueles que se aproveitam do rendimento da aplicação alheia - se reduz drasticamente a deserção e a maioria passa a investir valores próximos a todo capital, fazendo com que a cooperação prevaleça (2). O dilema revelado pelo Bem Público foi intuitivamente percebido por Jean-Jacques Rousseau quando este descreveu, no Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens, a necessidade de haver a cooperação entre caçadores para que a caçada pudesse ser bem sucedida. A idéia de compromisso mútuo e as vantagens em se respeitar os acordos feitos - ainda que tácito - podiam ser observados no momento em que cada um dos participantes descobre que pode apanhar o suficiente para o jantar abandonando o grupo logo em seguida. Porém, ao agirem assim a caçada se desfaz e em uma próxima oportunidade ninguém participaria mais desse tipo de interação com tais agentes, acabando todos, no futuro, sem nada para o jantar (3). A "caçada de veado", de Rousseau, e o "estado de natureza", de Hobbes, são exemplos intuitivos clássicos dos modelos tratados pela teoria dos jogos que envolvem a cooperação e um comportamento social recíproco. O jogo do Bem Público é uma generalização do famoso Dilema dos Prisioneiros que apareceu, na tradição moderna, na obra de David Hume, Tratado da Natureza Humana, quando se colocou o problema de dois fazendeiros para colherem suas safras de milho. (...) Seu milho está maduro hoje; o meu estará amanhã. Seria vantajoso para ambos, que eu trabalhasse com você hoje, e que você me ajudasse amanhã. Não tenho simpatia por você, e sei que você tem pouca por mim. Assim, não tenho nada que seja de sua conta; e trabalhar com você me interessa na expectativa de um retorno, ao qual seria frustrado, por depender em vão de sua gratidão. Daí, então eu deixo você trabalhar sozinho; você trata-me da mesma maneira. As estações mudam; e ambos perdemos nossas safras por desejo de segurança e confidência mútua (HUME, D. Tratado da Natureza Humana, liv. III, part. II, seç. V, pp.286 e ss). O dilema dos Prisioneiros é a narrativa criada por Albert W. Tucker (1906-1995) para o teste elaborado pelos matemáticos Melvin Dresher e Merril Flood, nos laboratórios da corporação norte-americana RAND, em janeiro de 1950, a fim de colocar em uma situação paradoxal a concepção de ponto de equilíbrio proposta por Nash. Trata-se de um ardil preparado por um inspetor para indiciar em um crime mais grave dois prisioneiros apanhados com porte ilegal de arma. O inspetor sabe que ambos assaltaram um banco, mas não tem provas contra eles. Sugere, então, a cada um, em separado, denunciar o outro em troca de uma pena menor ou a liberdade, caso o outro permaneça calado e assuma toda responsabilidade sozinho. Delatar o outro passa a ser a estratégia dominante, quando há apenas uma rodada de interrogatório. Entretanto, se ambos resolvessem ficar calados sairiam logo com uma pena leve pelo crime menor de porte de arma ilegal. Mas isto não ocorre se os dois forem agentes racionais egoístas, posto que procurariam reduzir ao máximo suas perdas, diante do que o outro faria ao denunciá-lo. Conclusão: a dupla de assaltantes acaba presa por assalto a banco. Exemplos como estes, fornecidos pela tradição moderna - analisados pelos modelos de jogos -, permitem explicar o modo pelo qual uma abordagem da sociedade que adote o indivídualismo metodológico pode mostrar a influência determinante das tomadas de decisão individuais na constituição de um fato social qualquer. A cooperação ou a deserção que resultam no sucesso e fracasso de um movimento social encontram na teoria dos jogos um instrumento de análise que facilita a avaliação mais precisa dos fatores que compõem a interação social. Nesse sentido, desde que foi lançada, em meados do século XX, a teoria dos jogos vem chamando a atenção de um número cada vez maior de cientistas sociais, bem como profissionais das mais diversas áreas de conhecimento que incluam a ação e reação de indivíduos que, em larga escala, influenciam o comportamento de todos seres vivos e por conseguinte da convivência humana, na natureza ou em sociedade, sejam feitas por indivíduos conscientes ou não, afetados pelas consequências gerais de suas atuações recíprocas. Notas 1. Veja ROSS, D. "Game Theory" e HOBBES, Th. Leviatã, cap. XIII e XIV. | |
Bibliografia | |
DAVIS, M. Teoria dos Jogos; trad. Leonidas Hegenberg e Octanny S. da Mota. - São Paulo: Cultrix, 1970. FIANI, R. Teoria dos Jogos. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. HUME, D. A Treatise of Human Nature. Versão eletrônica disponível na INTERNET via gutenberg.net. Arquivo consultado em 2002. HOBBES, Th. Leviatã; trad. João P. Monteiro e Mª Beatriz N. da Silva. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores) RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates; trad. Sérgio Duarte. - Brasília: UnB, 1980. ROSS, D. "Game Theory", in Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível na INTERNET via http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/. Arquivo consultado em 2001. ROUSSEAU, J-J. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens; trad. de Lourdes S. Machado. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores) SIGMUND, K. "The Economics of Fairness". Disponível na Internet via http://www.iiasa.ac.at. Arquivo consultado em 2003. |