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          Pastor Nils e Pastora Fernanda

   

Dependência e Morte

Jesus inicia seu ministério anunciando o Reino: Mat 4.17. Seu Reino encontra já presentes muitas respostas para o homem. Platão já havia passado por aqui, Aristóteles, e todos os remanescentes do pensamento grego clássico. Roma incorporava e absorvia a coluna vertebral de boa parte da filosofia grega. O judaísmo era uma religião pequena e localista, embora profundamente enraizada e misturada à cultura particular do povo hebreu.
O anúncio do Reino por Jesus é algo completamente distinto de tudo que o homem já ouviu. A expressão “ouvistes o que foi dito” dá uma dimensão clara do sentido de mudança do Reino de Deus.
Jesus não veio entrar no lugar comum da religião, muito menos ser reducionista ao apenas passar uma nova visão filosófica de mundo. Não! A comunhão dele com o Pai, e ser Ele a Palavra encarnada daria o tom de todo o seu ministério. Não vinha Jesus simplesmente para ser ouvido, como um dos profetas que ressuscitou. Aliás, essa era a impressão que grassava no meio do povo comum (Mat 16.13-14). Jesus veio trazer vida. Não simplesmente vida espiritual pra quem estava morto no pecado, não! Vida é algo abrangente. Não se pode dividir a vida – apenas o fazemos por questões didáticas.
Jesus veio trazer um novo sentido de vida, vida cotidiana, relações familiares, relações de trabalho, relação com os bens materiais, relação com Deus, relação com o próximo, relação com a sociedade de um modo geral. Mais que uma série de mandamentos ou conselhos sapienciais de um neo-confucionismo, Jesus veio implantar em cada um de seus discípulos uma nova visão mas também uma nova força, uma nova energia propulsora da vida: Jesus veio, Ele mesmo, para sempre, dentro mesmo de cada um dos seus discípulos (Jo 14.23).

O anúncio do Reino não parece contemplar tanta profundidade e amplitude, mas é simplesmente a base fundamental de tudo isso: ninguém pode aderir a uma religião e assim “adquirir” vida. Somente a entrada no Reino mediante o arrependimento (que é sua porta) possibilita uma nova vivência “que salta para a vida eterna”.

Os elementos religiosos não foram incorporados por Jesus. Aliás, seu primeiro discurso, em Nazaré, foi também palco de sua expulsão na sinagoga. A religião vigente nunca aceitou o discurso penetrante de Jesus. Sua proposta de reforma simplesmente excluía o status quo, que deveria – se quisesse – entrar pela mesma porta comum a toda e qualquer pessoa. É simples mas objetivo: Jesus não veio trabalhar com sistemas religiosos, mas com o ser humano, individualmente. Ao não falar a linguagem das classes dominantes, ao atacá-las e confrontar sua irrelevância e hipocrisia, Jesus mostrou o valor esquecido do ser humano. As muitas parábolas, particularmente a do bom samaritano, expõe vergonhosamente a cegueira dos religiosos “piedosos”.

Quando Jesus se foi, o Espírito Santo veio para gerar a vida de Cristo dentro de cada um que recebe o Reino de Deus. Esse Reino não respeitou reino humano algum. Confrontou o Império Romano com a tática de guerrilha, penetrando em pessoas e se espalhando nas mais diversas camadas sociais. Até mesmo nos julgamentos e martírios dos cristãos primitivos, documentos antigos mostram a intensa participação popular, presenciando o maravilhoso testemunho, impactando a todos com mortes terríveis mas fantasticamente contundentes. Ver cristãos sendo comidos por leões mas louvando a Deus provou que até mesmo as mais terríveis armas dos impérios humanos foram “contaminadas” e destroçadas pelo poder da Vida de Cristo, pelo poder do Reino de Deus!!! Glória a Deus, louvado seja o
Senhor, Rei da Glória!!!

O Reino de Deus sempre é confrontado pelas realidades presentes. Sempre vai vencer, se pensarmos como Reino Universal, num Jesus que está assentado aguardando que todos inimigos sejam colocados por escabelo de seus pés. Contudo, cada pessoa na sua dimensão cotidiana, nos seus desafios existenciais, é confrontada a viver como se nunca houvesse conhecido esse maravilhoso Reino de Deus. É muito mais fácil para cada um de nós seguir as tendências existentes, seguir a opinião dos outros. Andar no “caminho da roça” é inclusive uma tendência neuro-biológica, uma vez que mudanças são, inclusive neurologicamente, incomodativas. Submeter-se, louvar, agradecer sempre, falar bem, ser injustiçado, aceitar afronta, controlar seus impulsos... tudo isso é possível, é proposto e é prometido dentro do Reino. Fora dele teremos adaptações, sempre, dos ensinos de Jesus.

Fico imaginando se realmente a Igreja, constituída como representante desse Reino, sabe o que ele de fato significa e implica. Assisti ao bom filme LUTERO, que inclusive recomendo. Um composto dual de pensamentos povoou minha mente, quando vi a sua revolta e suas proposições coerentes, sua fé e sua defesa humilde e segura. O status quo estava apodrecido, realmente. Contudo o conhecido massacre da contra-reforma, e os subseqüentes nos séculos seguintes, me levam a pensar como a igreja evangélica tomou um caminho que embaça cada vez mais a visão do Reino tal qual anunciada por Cristo. Sem contar as influências meramente políticas da cisão da Reforma Protestante, a proposta evangélica de vida espiritual adentra novamente num judaísmo ao qual Jesus encontrou quando iniciou seu ministério: ‘quer salvação? Vá a uma igreja!’.

A Igreja não é uma sinagoga reformada, nem muito menos uma catedral que mudou de mãos. Não, senhores! A nossa “independência” protestante pode ser nossa morte. Observe o caos das religiões, andando pelas nossas cidades: cada igreja tem um estilo, cada uma propõe um tipo de liturgia, cada uma dá ênfase doutrinária diferente. No alto do monte, um clérigo católico joga pedra em todas elas, chamando-as todas de “seitas”. Que quadro, hein ???

A questão é objetiva, mas difícil de ser digerida: nós hoje somos mais judaísmo ou mais Jesus? Será que tudo que a Igreja incorporou como forma filosófica existencial é compatível com as Escrituras? Pense nas estruturas; pense na forma de disciplinar pessoas; pense na forma de coletar finanças; pense nos critérios de administração do sistema eclesiástico; pense na padronização da santidade por denominação; pense na forma de comprar bênçãos espirituais; pense na aceitação da incoerência entre a vida e o discurso.

Estamos no mês das comemorações da independência do Brasil. Fazendo um paralelo, podemos pensar no peso dessa palavra, independência. Chamados a viver uma vida de dependência no Reino e do Reino, de um modo muito geral cada um segue seu caminho denominacional, com total independência. Sejam mesmo as grandes e históricas denominações, elas mesmas sacralizaram o sistema independente eclesiástico. As chamadas igrejas livres idem, pois a visão particular mais parece um caminho caricaturado de Lutero que propriamente uma visão de restauração da Igreja do Senhor. As mais “místicas”, igrejas que no linguajar popular são chamadas de “ igrejas do mistério” ou de revelação, mais independentes por “controlarem o poder de Deus”, igualmente vêem-se desprovidas de continuidade e conexão com a simplicidade da vida cristã, da vida cotidiana de um cidadão do Reino. Talvez por isso tenhamos um perfil tão deshumano do chamado “crente”, estereotipado como alguém que não tem conexão com a realidade presente normal de todo o ser humano. Daí cabe aqui a pergunta que vez por outra é feita: Como seria a vida de Jesus,
se Ele viesse ao mundo hoje?

Amados, somos todos parte dessa realidade. Nem por acharmos desagradável nos faz livres dela. Nem por discordarmos de muita coisa elas vão ser alteradas pela simples opinião. Nem porque não queremos que seja assim podemos simplesmente discordar só pra evitarmos pensar que possa ser assim como é.
De fato temos um grande desafio: a implantação do Reino. Como Igreja devemos confrontar tudo que é padrão de pensamento e comportamento que adotamos. Confrontar não simplesmente a superfície das coisas, a ponta do iceberg. O pastor deve pensar se está pastoreando para si, se sua motivação de estar sozinho é um medo ou um preconceito. Deve pensar porque deixa de aplicar na Igreja a sistemática da igreja bíblica. Deve também rearranjar sua teologia para que não esteja à frente de uma casa de assistência espiritual, somente. Cada irmão deve verificar se sua nova vida não é simplesmente uma negação da vida passada. Se for, então o evangelho removeu o velho, mas não implantou o novo, os novos comportamentos e hábitos do Reino.

A morte se avizinha de todos aqueles que vivem na prática de delitos e pecados, conf. Ef 2.1. Viver em submissão, debaixo da autoridade do Reino, é submeter tudo à luz, é abandonar a independência e assumir a vida de Cristo, a vida prática do Cristo simples. Especialmente no serviço e nas relações curadas e edificativas com todos.

Deixemos a independência somente para o Brasil. Somos cativos do Reino, escravos voluntários. Temos vida porque somos dependentes do Senhor e de suas conduções e determinações. Deixamos a morte exatamente porque nos submetemos.
Deixemos a morte para os independentes que ainda não tem revelação do poder e da grandeza do Reino.

A Ele, o Rei, toda a Glória !

Não, senhores! A nossa independência pode ser morte, sim!!! O grito de um “pastor auxiliar”, que não aceita mais trabalhar com seu “pastor presidente”, rompe uma aliança e introduz mais uma nova forma de implantar a religião evangélica... o que vem a ser isso, mesmo? Reino de Deus? Reino? Não, senhores, Reino não é. Como talvez tampouco seja Reino o que estava acontecendo onde não foi mais possível suportar permanecer.

 

Pr. Nils
 

Extraído do site www.jte.com.br com consentimento do Pr. Nils Bergsten