
O Reino a igreja e a
pregação
A caminhada da Igreja de Jesus tem sido
marcada por evoluções e involuções, em diversas áreas. Estamos a cerca de 20
séculos da morte do Messias, e seus ensinos, mas nem por isso vemos grandes
semelhanças na aplicação desses ensinos, no perfil médio do mundo evangélico
cristão de um modo geral.
A pergunta para o pastor comum seria: há possibilidade de vermos acontecer o
que a Bíblia ensina? Ou o negativismo é que impede de observarmos a ação
concreta de Deus na nossa história eclesiástica? É bom perguntarmos isso, para
que evitemos cair no criticismo irresponsável, que tão facilmente adeptos
obtém.
O Reino
Jesus inicia seu ministério anunciando o Reino de Deus (Mat 4.17). Boa parte
de suas muitas parábolas aludia ao Reino, fato que passa desapercebido do
leitor contemporâneo despreparado. Muitos lêem os Escritos Sagrados como se
fossem para eles endereçado primariamente. Assim, deixam de perceber a
relevância histórica do que foi escrito, e sua profundidade para o momento
daquele ouvinte. Mas vamos em frente.
Anunciando o Reino, Jesus vem estabelecer um novo tempo, uma nova dimensão de
espiritualidade, onde Deus não é um adendo cotidiano, nem muito menos uma
explicação dogmática restritiva e repressora. Não! Deus é “Deus conosco”, um
Deus presente, Deus imanente (na linguagem mais ‘técnica’). Um Deus que
adentra na história humana passa a determinar uma nova esfera de autoridade:
Os Céus passam a estabelecer o proceder desejado e esperado de um cidadão dos
Céus e residente na Terra.
Falar de Reino é falar de Novo Governo. É falar de uma dimensão de vida que é
regrada por princípios espirituais, e não pela lógica racional do cotidiano
humano. Os fariseus queriam a percepção visível do Reino de Deus, mas Jesus
foi claro: não vem com aparência exterior – está dentro de vós (ou entre vós –
Luc 17.20-21).
É desse Reino que Jesus falava nos seus ensinos.
A Igreja
Chamando seus discípulos a si, perto de Cesaréia de Filipos (próximo ao Monte
Hermom), Jesus “testa” a percepção dos seus discípulos. A multidão não sabe
identificar quem é Jesus, mas os 12 conseguem, em Pedro, receber revelação do
Pai. Imediatamente após isso, Jesus revela a Igreja para eles. Diz que ela
está surgindo, baseada justamente numa revelação. Ninguém sabia quem era o
Cristo, a não ser quem fosse revelado pelo Pai Celeste.
A Igreja não se concretiza senão pela posterior vinda do Espírito prometido.
Recebem, junto com Este, uma missão muito clara: Indo... ser testemunha...
fazer discípulos (Mat 28; At 1.8).
A Igreja de Jesus não pode ser confundida com o Reino. Ela, na linguagem de Ed
René Kivitz, sinaliza o Reino, mas este não está restrito à Igreja. Se esta é
a forma mais “palpável” e concreta do Reino, por outro lado a Igreja é Corpo
Espiritual, e como tal, possui a mesma natureza do Reino.
As similaridades e distinções nos obrigam a tratar cada coisa com suas devidas
pertinências.
1) A Igreja precisa enxergar e discernir o Reino. Caso
contrário, estará muito mais para os fariseus que para Pedro. Os fariseus não
tinham entendido o Reino, mas Pedro recebeu revelação deste.
2) A Igreja não pode ser detentora do Reino, por mais que a chave do Reino
tenha sido entregue por Jesus. O Reino é de Deus, e Ele tem a primazia e as
regras desse Reino. Até mesmo a Igreja está sujeita a esse Reino, uma vez que
somente pessoas do Reino podem compor a Igreja de Jesus.
3) A Igreja não pode pregar somente salvação em Cristo – precisa pregar o
Senhorio de Cristo. Lembre-se que Jesus só vai salvar as pessoas às quais Ele
for Senhor. Se a “salvação” religa o homem a Deus, é o Senhorio que conduz o
homem pelo caminho do discipulado, e conseqüentemente o conduz ao final da
jornada. Pregar que “Jesus Salva”, enfaticamente, equivale a enfeitiçar as
pessoas por conta do iminente perigo do inferno. É usar o medo para arrebanhar
pessoas para Deus.
4) O Reino precisa ser “pessoalizado” para podermos obter testemunho cristão
compatível com as Escrituras. Se as pessoas “se sentem salvas” mas sem estarem
compelidas ao proceder bíblico, caímos na tão conhecida “Graça Barata”, de
Dietriech Bonnhoffer. Ou seja, é possível confessar algo com a boca e viver
contrariamente ao que se acredita.
Enquanto não entendermos que, como disse Howard Snyder, a
Igreja é a Comunidade do Reino, jamais poderemos vivenciar a plenitude do
Evangelho. Jesus veio trazer algo maior que a religião judaica, existente
quando aqui esteve, na Terra. Jesus veio estabelecer Seu Reino nos corações
que entraram pela porta do arrependimento de sua vida rebelde e independente
de Deus.
Ao trocar o coração de alguém, Jesus o qualifica a obedecer o “novo
mandamento” dado. Mais que uma ‘nova Lei’, Jesus veio trazer uma nova
comunidade, novos relacionamentos, novas bases de vivência e propósito.
Ninguém mais vive para si, diz Paulo!!! O cidadão do Reino é, em essência,
alguém ávido a se submeter, ávido por saber as instruções do seu Senhor, ávido
por seguir exatamente as instruções de Jesus.
Se hoje vemos muito mais pessoas indo pra “Igreja” atrás de benção é porque
não entenderam o Reino. Correm para o hospital sem saber que doença tem, nem
de quem é o hospital, nem quanto custa, nem quem trabalha lá, nem se é
maternidade ou pronto-socorro: eles só querem a cura, de qualquer jeito.
Entender que a mensagem de Jesus foi o Reino nos remete imediatamente a
perguntar: será que pregamos o mesmo evangelho da Igreja Primitiva?
Alcançaremos um dia altos níveis de compromisso de nossos discípulos se
continuarmos a aplacar consciências frágeis das ovelhinhas de porcelana? Será
que um dia implantaremos também as CAIXINHAS DE MANDAMENTO, além das caixinhas
de promessa?
Querer o governo sobre sua vida pessoal é decisivo para seguir a Jesus. O
mundo evangélico e cristão de um modo geral é extremamente condescendente com
a desobediência generalizada às Escrituras. Seja em maledicência, seja em
reclamações e queixumes, seja em pecados sexuais, seja em gracejos indecentes,
seja em omissões no amor, seja no que for, lembremo-nos: O Senhor não tolerará
a desobediência, quando vier buscar os seus.
Lembre-se que Mateus diz: “Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará...
mas aquele que FAZ A VONTADE...” (7.21). Fazer a vontade de Deus sem sentir-se
aprisionado em uma ‘nova Lei’ somente se a pessoa enxergou o Reino, se o
recebeu dentro de si. Recebendo o Reino, fazendo-se discípulo do Reino a
pessoa está imediatamente incluída na Igreja, inserida nela. Mas irá andar não
comandado por igreja (com i minúsculo) alguma, por estrutura alguma: será
governada pelo Senhor, e tomará o jugo suave Dele, composto de mandamentos
que, como diz 1 João 5.3, não são pesados.
A Igreja está desafiada, em primeiro lugar, a submeter-se pessoalmente ao
Reino, e a posteriormente expressar o Reino em sua vida cristã normal.
Posteriormente, é convocada também, depois de ser Igreja, a assumir a sua
missão de Igreja – proclamar o Reino. Pois somente quem crê (dentro de si) na
ressurreição de Jesus e confessa o Senhor desse Reino (com a boca) pode de
fato ser salvo!
Pr Nils
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