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Augusto dos Anjos 1884 - 1914

Cartas Pessoais

Temos aqui a correspondência pessoal de Augusto dos Anjos (extraída do volume, Obra Completa, Ed. Nova Aguilar) que por alguma razão tivesse a ver com conteúdo literário, tão latente no autor, ou que contenha algum fato histórico importante em sua curta vida.

Cartas à Mãe, D. Córdula Carvalho Carvalho dos Anjos

Recife, 21 de maio de 1907
Prezada Sinhá-Mocinha,
Acuso o recebimento de sua alvissareira cartinha. Fiquei sabendo das notícias de casa nestas duas últimas semanas de maio com suas tonalidades místicas, tão bonito de apreciar-se nessas plagas retratadas no meu espírito, na sensibilidade que os nossos antepassados transmitiram. Faço veementes votos pela continuação da preciosa saúde de VM.cê e de todos de casa Quanto a mim estou são. Minha vida social aqui decorre dos meus atos simples de estudante apegado aos livros. Leio de manhã à noite, não paro de ler numa feber de colher maiores conhecimentos que alguns colegas, não sei se por incapacidade, demonstram aborrecer-se, reprovando-me a dedicação a ponto de recusar freqüência a festinhasa de família. Tem um deles, engraçado, com tintas de filósofo, que diz estar eu "perdendo o tempo". Francamente, eu ás vezes assim penso, mas sigo o meu destino. Continua-se falando em política por entre fatos tristes e também pitorescos, uns atingindo o absurdo, outros com possibilidades aparentes. Mas entre todos, elevando-se a quaisquer outros numa atitude de reserva sombria, ressalta a do suicídio do Dr. Tito Rosa, lente da Faculdade de Direito. O que produz grande rumor de estranheza é semelhante ato de desespero ser levado a efeito por um homem que o Dr. Constâncio Pontual considerava o mais equilibrado de todos os seus colegas. Quanto aos livros que Papá deve estudar, passo a mencioná-los: Copêndio de física e Química de Langlebert, Geometria de Trajano ou de Ottoni. O cacho de flores do tamarindo inspirou à minha escassa faculdade improvisatória os seguintes versos:

Não é mais formosa a aurora!
Que cacho de flores lindo
Parece um menino rindo
No altar de Nossa Senhora

E, depois, que dor me abrasa,
Meu Deus, que desesperança!
Cada flor é uma lembrança
Da gente de minha casa.

Como a vida parece
Triste, sem o tamarindo,
Ah! se ele tivesse vindo
Mas foi "melhor" que não viesse!

Foi melhor, e a alma não erra
Porque para alma exilada
É melhor nunca ver nada
Dos campos de sua terra.

Às vezes basta uma flor
Para repentinamente
Assim como um ferro quente
Eternizar nossa dor.

Não posso estar bem aqui!
Nem sei mesmo se há lugar
Que eu possa um dia trocar
Pela terra em que nasci

Todos os dias eu vou
À rua das minhas dores,
Mostrar o cacho de flores
Que minha mãe me mandou

Saudades a todos e de todos.
Abrace e abençoe o Filho do coração
Augusto dos Anjos

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1910

Prezada Sinhá Mocinha,
Eu e Ester lhe pedimos a benção Nossa viagem até esta Capital se realizou nas condições mais satisfatórias possíveis. Enjoamos muito pouco e, a bordo, fomos distinguidos por um acolhimento ótimo, por parte do Comandante e de algumas famílias viajantes com as quais nos relacionamos amistosamente. Receberam-nos aqui, no cais Pharoux, o Odilon, Alfredo, Dr. Seráfico da Nóbrega, o Santos Neto e outras pessoas amigas. Telegrafei a VM.cê, no dia de nossa chegada, comunicando-lhes o havermo-nos hospedado no Largo do Machado, 37. Como, porém, a pensão oferecia a desvantagem do isolamento e falta de comunicablidade diária com pessoas conhecidas, mudei-me para Avenida Central, 1, ou Praça Mauá, 73, 2º andar, estando, portanto, em contigüidade com a residência do Tio Bernardino que, como sabe, mora também nesse prédio, no 1º andar.
Ainda não escrevi para pessoa alguma daí, porém, logo que se me depara ocasião de travar re;ações supereminentes para as quais trouxe daí algumas cartas de recomendação. Aguardo destarte ensejo ulteriormais propício para escrever a VM. cê uma carta minuciosíssimo, espécie de protocolo, onde haverei de consignar todos os detalhes atinentes aos meus projetos e talves (quem sabe ?) suas próprias soluções respectivas.
Saudades a Iaiá, Artur e Aprígio.
Queira aceitar o coração cheio de afetos do Filho e amigo ex-corde
Augusto dos Anjos
P.S. Aguarde minha carta nesses poucos dias.

Rio, 2-4-1912
De Augusto dos Anjos para a
Prezada Sinhá-Mocinha.
Recebi sua cartinha última e não conheço números que expressem a quantidade vastíssima de alegria deixada, por ela, nas profundezas de minh'alma. Eu, Ester e Glória passamos regularmente.
Desejo seu bem-estar completo e o de todos daí. O Ministério da Agricultura designou-me para fazer parte duma comissão examinadora num concurso de admissão a uma escola agrícola recém-criada.
Já terminei os trabalhos, estando somente agora à espera da prodigalidade daquele Ministério no atinente à indenização dos meus serviços. Aprígio, como deve saber, acaba de ser nomeado substituto do Juiz Federal, em Mato-Grosso. Meu livro de versos continua em andamento, devendo estar pronto até o dia até o dia 15, conforme presumo.
Enviar-lhe-ei tudo quanto for escrito, a respeito dele, inclusive retratos et
reliquia.
Saudades a Iaiá e Alexandre.
Abençoe Glorinha e Ester.
Abrace e abençoe o amigo e Filho ex-corde

Augusto

Rio, 13-6-1912
Prezada Sinhá-Mocinha,
Remeto-lhe hoje pelo correio, bem assim a Iaiá e Alexandre, meu livro de versos.
O EU tem escandalizado o superficialíssimo meio intelectual daqui.
Em breve enviar-lhe-ei os jornais, onde vêm as críticas sobre o aludido livro.
Desejo que VM.cê e todos gozem de boa saúde.
Estou quase restabelecido da constipação que me andou aborrecendo durante largo tempo.
Escreva-me sempre. Ester e Glorinha lhe pedem a bênção.
Saudades a todos.
Receba um abraço do Filho e amigo ex-corde.
Augusto dos Anjos

Rio, 30-9-1912
Prezada Sinhá-Mocinha,
Saudações,
Nesta data envio-lhe um númeor de O Brasil Moderno que traz uma apreciação crítica sobre o meu livro de versos. Eu, Ester e Glorinha em paz.
Saudades a todos.
Abrace e abençoe o Filho e amigo ex-corde

Augusto dos Anjos

Rio, 14-6-1913
Prezada Sinhá-Mocinha,
Minhas saudações e meus votos pela continuidade de seu bem-estar e do de todos aí.
Comunico-lhe que às 1h. e meia da tarde de 12 deste mês, Ester deu à luz a um varãozinho augustal e muito robusto que há de ser fatalmente herdeiros das glórias paternas. Queira abençoa-lo. Chama-se Guilherme Augusto Fialho dos Anjos. Ester passa sem maior novidade.
Glorinha envia-lhe beijinhos e pede-lhe a benção.
Saudades a todos.
Receba uma abraço de Seu filho ex-corde
Augusto dos Anjos

Rio, 15 de junho de 1914
Prezada Sinhá-Mocinha,
Minhas saudações afetuosas.
Faço votos pela saúde initerrupta de VM.cê e bem-estar de todos daí.
Eu, Ester e as crianças vamos passando da mesma forma.
Comunico a VM.cê que acabo de ser nomeado Diretor do Grupo Escolar de Leopoldina, cidade de Minas Gerais, ligada por via férrea a esta capital.
As condições de vida, neste lugar, são as melhores possíveis, segundo informações que me foram dadas a respeito. Vou destarte descansar um pouco da afanosíssima existência que tenho arrastado até esta data com uma heroicidade muito acima das energias humanas comuns. Foi o deputado mineiro Dr. Ribeiro Junqueira quem me deu essa colocação. Ainda passo alguns dias aqui, lutando com umas tantas dificuldades para levar a efeito o problema da viagem. Espero, entretanto vencê-las, e afinal de contas, Leopoldinizar-me. Não tenho escrito a VM.cê freqüentemente, por causa da agitação que hei estado por último a resolver penosas situações, das quais já, em parte, me libertei. Estamos agora à Rua Aristides Lobo, nº 23, Pensão, de onde seguiremos em breve para Leopoldina. A viagem é de 11 horas. O trem parte às 6 h. da manhã e chega às 5 da tarde.
Logo que chegarmos, escrever-lhe-ei minuciosamente. As crianças enviam-lhe muitos beijinhos e pedem-lhe a bênção. Saudades a Iaiá e Artur e família. Ester envia-lhe carinhosamente recomendações. Alexandre já seguiu para Buenos Aires.
Um abraço do Filho que lhe pede a bênção com abundantes amostras de afeto seguro,
Augusto dos Anjos

Leopoldina, 26-6-1914
Prezada Sinhá-Mocinha,
Desejo a inteireza de sua saúde e o bem estar de todos daí.
Escrevo-lhe, de Leopoldina, para onde vim a 22 deste mês para exercer as funções de Diretor do Grupo Escolar local.
Eu, Ester e as crianças, fizemos boa viagem, apesar da poeira abundante que encontramos pelo caminho. O povo aqui é nimiamente hospitaleiro, havendo-nos prodigalizado ótimo acolhimento.
A cidade é como todas as suas congêneres, de feio aspecto arquitetural, nada faltando, entretanto, relativamente às comodidades. As casas são assoalhadas, têm luz elétrica etc. etc. Até aqui, estou bastante satisfeito. Empossei-me anteontem no emprego, com a solenidade relativa que lugares, como este, distanciados de pseudocivilizações afetadas, comportam.
Escreva-me sempre. Saudades de Ester e das crianças, que lhe pedem a bênção.
Em breve escrever-lhe-ei com mais minuciosidade.
Recomendações as famílias de Artur, do Sr. Almeida, Corinha, Marica Cirne,Dr.
Lima e a todos os conhecidos. Abrace e abençoe o Filho e amigo certo Augusto dos Anjos

P.S. Moro à Rua Barão de Cotegipe, nº 11. Aliás, seria bastante no envelope mencionar o meu nome e o da cidade em que estou para chegar a carta ou qualquer outra correspondência às minhas mãos. Como sabe, nas cidades pequenas, todos se conhecem e os números das casas perdem completamente a utilidade aritmética. O mesmo

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