Biografias Cronologia Entrevistas Cartas Poesias


Augusto dos Anjos 1884 - 1914

Entrevista - Prosa e Anaxágoras

Resposta ao Inquérito de Licínio dos Santos, em A Loucura dos Intelectuais - Rio de Janeiro - 1914

Nome: Augusto dos Anjos.
Idade: 28 anos.
Profissão: Professor e advogado.
Filiação: Filho legítimo do bacharel Alexandre R. dos Anjos e D. Córdula C. R. dos Anjos.
Estado civil: Casado.
Antecedentes hereditários: Meu pai, vítima de surmenage morreu de paralisia geral e minha mãe é excessivamente nervosa.
Antecedentes pessoais:
O que pode me adiantar sobre sua infância: Desde a mias tenra idade eu me entreguei exclusivamente aos estudos, relegando por completo tudo quanto concerne ao desenvolvimento, numa atmosfera de rigorosíssima moralidade, da chamada vida física.
Onde e como foi educado: Na Paraíba do Norte, Engenho Pau D'Arco.
Quais os autores que mais o impressionaram: Shakespeare, Edgar Poe.
Qual o seu autor favorito: Todos os bons autores me agradam.
Como faz o seu trabalho intelectual: Durante o dia, quase sempre andando no meio de toda azáfama ambiente ou à noite deitado. Conservo de memória tudo quanto produzo. São muito poucas vezes que me sento a mesa para produzir.
Quais as horas que dedica ao seu trabalho intelectual: Não tenho horas metodicamente preferidas para o meu trabalho mental.
O que sente de anormal quando está produzindo: Uma série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhados muitas vezes de uma vontade de chorar.
Em que idade começou a produzir: Se não me falha o poder de reminiscência, presumo, comecei a produzir muito antes dos 9 anos.
Quais os trabalhos que deu à luz até a presente data: Um livro de versos, Eu.
Quais as cores de sua predileção: A vermelha e a azul.
Quantas horas repousa: Meu repouso varia de 7 a 8 horas.
Sofre de insônia, cefaléia ou amnésia: Até a data não sofro absolutamente de amnésia. Tenho insônia raras vezes, mas a cefalalgia persegue-me constantemente.
Tem continuados sonhos fantásticos: Quanto a sonhos fantásticos é também muito raramente que os tenho.
Faz as suas refeições com irregularidade: Sim.
Tem muito apetite: Regular.
Faz uso do álcool: Não.
Faz uso excessivo do café, chá ou outro excitante intelectual: Sou contra os excessos, o que não impede, entretanto, de abusar um pouco do café.

Prosa

Noite dos Artistas

Celebremos a vitória dos artistas. Uma noite como a de ontem reflete nitidamente a psicologia de um povo que expeliu por um instante toda a bílis recôndita de sua raça, e descansou um pouco da insipidez fastidiosa das nossas retretas, onde instintivamente se move, arrastando um tédio concentrado, numa gesticulação circular de manivela. Dir-se-ia que o espírito da festa, dotado de ubiqüidade maravilhosa, entrara como um conjunto de elementos anatômicos na organização de cada ser vivo, e impressionara vivamente todas as retinas como perspectivas anônimas de legenda germânica.
Mau grado a inconveniência dos aguaceiros que por vezes desabavam, pondo um rictus de impaciência nas fisionomias dos flâneurs, a noite dos artistas em tudo em tudo se destacou das anteriores, desde a correção admirável do nosso mundus mulieribus às belezas cromáticas das peças pirotécnicas.

ANAXÁGORAS
Nonevar, 31 de julho de 1909

Crônica

Deslumbrantíssima a noite de ontem, consagrada aos méritos da classe democrática. Todos a assistiram com essa incoercível superabundância de alma, espécie de crise nervosa superior, em que, devido ao funcionamento anormalíssimo dos neurônios hiperestesiados, sentimos, mau grado nosso, profundamente abalada toda a nossa subjetividade recôndita.
A iluminação policrômica inundava inteiramente o pátio, e, por um processo de transmissão mágica, se comunicava a todas as almas, banhando-se de uma forte luz intensa Os flirts abundaram, e cresceram na razão direta das emoções colhidas pela receptividade sensorial dos circunstantes.
Tudo revestiu um aspecto onimodamente encantador.
Aguardemos hoje a noite dos militares.

ANAXÁGORAS
Nonevar, 1 de agosto de 1909

Galeria dos Eleitos
O.S.

É um dos representantes mais genuínos da raça latina - este, que para o espírito do nosso povo ascende às máximas proporções de um Tolstoi meriodional. A sua crítica superior, de envolta com as metáforas hugoanas do seu estilo, é uma espécie de operação cirúrgica, em que o artista consumado, excedendo o nível morfológico de sua compleição animal, dir-se-ia um gigante helênico, dissecando admiravelmente todo microcosmo social, e empolgando extraordinariamente todas as cousas, como uma figura legendária de supertição caldaica. O aspecto conselheiral e burocrático do seu porte, contrastando com a esquisitice grotesca da burguesia ambulante, tinha para o meu espírito, ontem no pátio, o efeito emocionante de uma função melodramática, em que alternativamente se representassem perspectivas tão deslumbrantes como as de Walter Scott e escotismos tão picarescos como os de Moliére...

VOLTAR