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Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Estado da Paraíba em 1884 e faleceu em 1914 aos 29 anos. Publicou um único livro de poesias, intitulado "Eu". Sua obra reflete a superação das velhas concepções poéticas e a procura de um novo caminho. Utilizou em sua poesia um vocabulário científico, e sua temática mais comum sempre gira em torno da morte, da decomposição da matéria, dos vermes e de uma visão trágica da existência.

"Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga. Escarra nesta boca que te beija!"

Estudos - Otto Maria Carpeaux

Augusto dos Anjos não teve sorte na vida: parecia a personificação de uma fase especialmente infeliz da evolução intelectual do Brasil, mistura incoerente de uma cultura ou semicultura bacharelesca, ávida de novíssimas novidades científicas, mal assimiladas, e dos ambientes das massas populares miseravelmente abandonadas nas ruas estreitas do Nordeste tropical. Ninguém o compreendeu, ninguém lhe leu os versos nos cafés superficialmente afrancesados do Rio de Janeiro, e é conhecida a cena de um dos seus raros admiradores que leu um soneto de Augusto dos Anjos a Olavo Bilac e recebeu a resposta desdenhosa: "É este o seu grande poeta? Fez bem ter morrido!" Foi uma época de eclipse do sal, de trevas ao meio-dia. Quem salvou a fama póstuma de Augusto dos Anjos foi seu povo, do Nordeste e do interior do Brasil. A abundância de estranhas expressões científicas e de palavras esquisitas em seus versos atraiu os leitores semicultos que não compreenderam nada de sua poesia e ficavam, no entanto, fascinados pelas metáforas de decomposição em seus versos assim como estavam em decomposição suas vidas. Nada menos que 31 edições do seu livro EU dão testemunho dessa imensa popularidade que é o reverso da medalha, repeliu os leitores exigentes, de tal modo que, até durante a fase modernista da literatura brasileira, os versos de Augusto dos Anjos passaram por exemplos de mau gosto de uma época superada. Foram alguns poucos leitores dedicados que conseguiram reivindicar e restabelecer a verdadeira grandeza de Augusto dos Anjos: Álvaro Lins, Antônio Houaiss, Francisco de Assis Barbosa (e, assim como nos quadros que pintou de altar de igrajas medievais o pintor ousava colocar no último canto seu auto-retrato, assim ouso colocar no fim dessa lista meu próprio nome). Lendo e relendo o EU, sempre descobrimos coisas novas, estranhas e admiráveis. O mau-gosto da expressões científicas e pseudo-científicas? Augusto dos Anjos tem o poder extraordinário de revelar um sentido oculto nos sons dessas palavras bárbaras, que acrescentam um novo frisson às suas visões tétricas e profundamente comoventes. Suas rimas surpreendentes e extravagantes abrem horizontes nunca vistos; parece-se ele com os metaphysical poets ingleses que não conhecia. Até sabe dar sabor metafísico a nomes prórpios; e mesmo quem ignora que a casa do Agra no Recife, no fim da ponte Buarque de Macedo, é o necrotério, sebte todo termor da morte ameaçadora no verso: "Recife. Ponte Buarque de Macedo...", tremor devido ao terrificante e como que definitivo ponto atrás da palavra "Recife", censura que é a linha divisória entre a vida e o fim da vida. Existem em Augusto dos Anjos inúmeros casos assim, de descoberta de um sentido novo das palavras. Nem sempre percebemos claramente os motivos da nossa admiração. É o esclarecimento desses motivos que devemos, agora, a Ferreira Gullar. Sua análise estilística da poesia de Augusto dos Anjos é precisa, sem cair jamais no jargão pseudo-científico dos pseudo-especialistas. Tem, como ponto de partida, uma indicação exata da situação literária do Brasil naquele tempo e como base uma análise sociológica, não menos exata, da vida e morte e morte nordestina de que Augusto dos Anjos é o poeta. Mas essa crítica não é só estilística nem apenas sociológica. O permanente ponto de referência é a psicologia do poeta que deu a seu livro o título EU. É um trabalho completo. Também é completo quanto às referências ao futuro. Augusto dos Anjos escreveu nas formas parnasianas do seu tempo. Modifica-lhes o sentido pelas influências de Baudelaire e de Cesário Verde e por algumas luzes do simbolismo. Mas preanuncia igualmente a poesia de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto, justamente lembrados por Ferreira Gullar. Quando Augusto dos Anjos morreu, o céu da poesia brasileira estava escurecido como por trevas ao meio dia. Ninguém o reconheceu. Hoje, a literatura brasileira parece, outra vez, escurecida por trevas. Mas quem sabe se não se encontra, irreconhecido entre nós - ou mesmo longe de nós - o grande poeta que sabe dizer como este povo sofre e lhe prever uma nova aurora.

Augusto dos Anjos (1884-1914)

Poeta brasileiro. Famoso pela originalidade temática e vocabular, na fase que antecedeu o modernismo. Eu (1912).

Augusto dos Anjos recorreu a uma infinidade de termos científicos, biológicos e médicos ao escrever seus versos de excelente fatura, nos quais expressa por princípio um pessimismo atroz.

Considerado o mais original dos poetas brasileiros entre Cruz e Sousa e os modernistas, Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco PB em 20 de abril de 1884. Aprendeu com o pai, bacharel, as primeiras letras. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano, já sendo dado como doentio e nervoso por testemunhos da época. Formado em direito em Recife (1906), casou-se logo depois. Contudo, não advogou; vivia de ensinar português, primeiro em seu estado e a seguir no Rio de Janeiro RJ, para onde se mudou em 1910. Lecionou também geografia na Escola Normal, depois Instituto de Educação, e no Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, sem conseguir ser efetivado como professor.

Em fins de 1913 mudou-se para Leopoldina MG, onde assumiu a direção do grupo escolar e continuou a dar aulas particulares. Seu único livro, Eu, foi publicado em 1912. Surgido em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativo do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. Praticamente ignorado a princípio, quer pelo público, quer pela crítica, esse livro que canta a degenerescência da carne e os limites do humano só alcançou novas edições graças ao empenho de Órris Soares (1884-1964), amigo e biógrafo do autor.

Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético ("Ai! Um urubu pousou na minha sorte").

A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa"). Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais, / Viver na luz dos astros imortais").

A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do Eu -- desde 1919 constantemente reeditado como Eu e outras poesias -- um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma.

Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina em 12 de novembro de 1914.

©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

NO ENGENHO PAU D’ARCO

Até os 24 anos, Augusto dos Anjos viveu praticamente no Engenho Pau d’Arco, propriedade da família, que se veria na necessidade de vendê-la, para pagamento de dívidas, em 1910.

Este é um dos aspectos marcantes de sua biografia: a ruína financeira da família, que ele acompanhou passo a passo. Era, ao mesmo tempo, uma tragédia pessoal e um sintoma da crise geral da lavoura açucareira nordestina e da economia rural brasileira, na República.

Do engenho, portanto, ele pouco saiu: em 1900, iniciou seus estudos no Liceu Paraibano, na capital. Foi a época, também, das primeiras publicações: tornou-se amigo de Santos Neto, filho de Artur Aquiles, diretor de jornal O Comércio. Foi nesse jornal que, desde 1901 até o fechamento do periódico, em 1908, publicou seus poemas. 

O CURSO DE DIREITO

Em 1903, conta Santos Neto do amigo: "Matriculamo-nos na Academia de Direito do Recife, apenas com a diferença de que eu fazia os meus exames em dezembro, na fase normal, e ele os prestava na segunda época, em março. Augusto preferia ao tumulto da vida acadêmica, o isolamento de seu Engenho Pau d’Arco, onde respirava um oxigênio mais puro, vibrando em contato com a natureza nesse risonho encantamento da vida bucólica".( Santos Neto, Perfis do Norte,p.105.)

Foi no contato com o ambiente acadêmico que o poeta familiarizou-se com a ciência em voga, especialmente as doutrinas de Ernest Haeckel, muito lido na época. Absorve de tal modo aqueles termos que passa a usá-los mesmo nas conversas íntimas, com amigos, sem perceber. Não é de admirar que sua poesia também esteja coalhada dessas palavras...

A 13 de janeiro de 1905, depois de uma longa doença que o mantinha paralisado na cama, morre o pai de Augusto. No seu livro, Eu, Augusto dos Anjos transcreveria os sonetos que publicou na imprensa, alusivos à doença e à morte do pai.

ADVOGADO E PROFESSOR

O poeta estuda muito: "Leio de manhã à noite, não paro de ler numa febre de colher maiores conhecimentos", escreve à mãe, a 21 de maio de 1907.(Ademar Vidal, O Outro Eu de Augusto dos Anjos.)

No final daquele ano, formar-se-ia. Mas não exerce a profissão de advogado: a vida inteira, será professor, seja de alunos particulares, seja em estabelecimento de ensino.

Na Paraíba (atual João Pessoa), para onde se transferira, em 1908, seria professor interino de Literatura no Liceu Paraibano. E continuava escrevendo, e publicando: em 1908, Santos Neto funda uma revista, Terra Natal, que estamparia um soneto, "Último Credo", e um longo e importante poema, "As Cismas do Destino", No ano seguinte inicia colaboração no diário oficial local, A União.

GRANDES MUDANÇAS

Em julho de 1910, o poeta casa-se com dona Ester Fialho. Pensa em tentar a sorte num centro maior, o Rio de Janeiro. Procura conseguir do governados afastamento do Liceu Paraibano, o que lhe é negado, com a alegação de que era professor interino. Rompe com o governador, demite-se e parte para o Rio em outubro.

Lá, vai ter vida difícil: mudanças constantes – seis casas, em dois anos e meio – dificuldades financeiras, na falta de emprego regular: "Conheci Augusto numa fase horrível para nós ambos", escreve José Oiticica. "Eu, muito mais forte, mais batalhador, mais esperançado de vencer, com a falta de recursos multiplicava-me. Augusto se moía, concentrava a sua pena, embora uma vez por outra me revelasse as suas condições. O que mais o amargurava era a injustiça social, solícita em premiar os ruins, dourar as falcatruas, entronar os endinheirados e avaríssima com os honestos, os sonhadores, os retos de entendimento e coração. Essa revolta íntima o levava a descrer do mundo, a ver em tudo podridão física e moral. O que atenazou a alma do poeta foi a luta pelo vil dinheiro, pelo pão dos filhos, que sua esposa heróica ajudava a ganhar "( José Oiticica, "Crônica Literária", In: A União. Paraíba do Norte, 25 de julho 1920).

Numa carta de 1911, Augusto é muito claro a respeito do modo como percebia sua situação: dizia-se "bacharel depenado, antigo professor de província, e possuidor de outros títulos congêneres de desmoralização", (Ademar Vidal, op. cit., p. 188.)

A fórmula resume seu itinerário de vida: oriundo de uma família de pequenos proprietários rurais que se arruinou, teve como único patrimônio o diploma de bacharel em Direito. Seu ganha- pão viria, contudo, do magistério; primeiro, na província, depois, no Rio, para onde a necessidade o levou.

No Rio nascem os três filhos: um, natimorto, em 1911; a filha Glória, em 1912; Guilherme, o último, em 1913.

UM LIVRO POLÊMICO

Em edição particular, financiada com recursos próprios e do irmão Odilon, sai a coletânea Eu, O livro de estréia do escritor provinciano provocou escândalo: o público estava habituado à elegância parnasiana, poemas que se declaravam em salões. Na "belle époque"carioca, a literatura deveria ser "o sorriso da sociedade". Mas o Eu era um livro malcriado, de "mau gosto", de "poeta de soldado de polícia", teria dito Manuel Bandeira. A crítica, embora reconhecendo talento no estreante, fazia-lhe sérias restrições. A Faculdade de Medicina incluiu a obra em sua biblioteca, por tratar de assuntos científicos... O poeta, polêmico, só encontraria compreensão e aceitação a partir de 1928, quatorze anos depois de sua morte...

UM FINAL PREMATURO

Augusto não chegou a gozar de tranqüilidade na vida. Nomeado diretor de um grupo escolar, na cidade mineira de Leopoldina, mudar-se-ia para lá em julho de 1914. Assumiu a direção do estabelecimento, trabalhava entusiasmado, dando aulas particulares, colaborando com a imprensa local, A Gazeta de Leopoldina. A vida parecia entrar nos eixos. O tom de sua correspondência, na época, era otimista

Mas adoece a 31 de outubro: apanha uma forte gripe que se complica, torna-se pneumonia e, apesar dos cuidados médicos, Augusto dos Anjos morre a 12 de novembro de 1914, com pouco mais de trinta anos.

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