John Napier
Porto Alegre, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

John Napier e sua
Mirifici logarithmorum
Canonis descriptio

Gustavo Quevedo Carvalho
Prof. Ruth Portanova
Evolução do Pensamento Matemático

Introdução

No fim do século XVI, o desenvolvimento da Astronomia e da Navegação exigia longos e laboriosos cálculos aritméticos. Um auxílio precioso já fora obtido com a recente invenção das frações decimais, embora ainda não suficientemente difundida. Mesmo assim, achar um método que permitisse efetuar com presteza multiplicações, divisões , potenciações e extrações de raízes era, nos anos próximos de 1600, um problema fundamental.
Segundo o grau de dificuldade, as operações aritméticas podem ser classificadas em 3 grupos : adição e subtração formam as operações de 1a espécie ; multiplicação e divisão são de 2a espécie, enquanto que potenciação e radiciação constituem as operações de 3a espécie. Procurava-se então um processo que permitisse reduzir cada operação de 2a ou 3a espécie a uma de espécie inferior e portanto mais simples.
Acontece com freqüência que uma grande descoberta científica é feita simultaneamente por duas ou mais pessoas trabalhando independentemente. Não se trata de simples coincidência: tal descoberta corresponde à solução de um problema importante, do qual muitos se vinham ocupando.
Assim aconteceu com os logaritmos envolvendo Henry Briggs(1556-1630) e principalmente John Napier(1550-1617), este último sendo o enfoque principal deste trabalho.




















O encontro

Certamente não era nada confortável uma viagem de Londres a Edimburgo no distante ano de 1615. Em veículos puxados a cavalos, por estradas esburacadas e poeirentas, o percurso parecia interminável. Mas para o eminente professor Henry Briggs, que ocupava no Gresham College de Londres a primeira cátedra de matemática criada na Inglaterra, valia a pena o sacrifício . Afinal, ia conhecer John Napier, que no ano anterior tornara pública uma invenção sua que sacudira a matemática da época: os logaritmos.
Napier também estava ansioso por conhecer Briggs,  a ponto de se decepcionar com o atraso de sua chegada, achando que não viria. Consta que ao se verem ficaram vários minutos sem conseguir articular nenhuma palavra. Durante o mês que Briggs passou em Edimburgo, certamente o assunto dominante de suas conversas com Napier foram os logaritmos.
Concordaram com a criação de uma tábua de logaritmos de base 10 . Infelizmente Napier não viveria para levar a termo esse trabalho – Briggs e outros o fariam.

























Apresentando John Napier

John Napier nasceu em 1550 e morreu no dia 4 de abril de 1617. Nobre escocês ,se interessou por matemática e teologia. Foi educado na Universidade de St. Andrew na Europa. Além de administrar suas grandes propriedades, dedicava-se a escrever sobre vários assuntos. Às vezes sem conseguir se livrar dos preconceitos da época, comum no trabalho de 1593 em que procurava mostrar que o papa era o anticristo e que o Criador pretendia dar fim ao mundo entre 1688 e 1700. Às vezes como um visionário iluminado, como quando previu os submarinos e os tanques de guerra, por exemplo. Às vezes com a ponderação de um autêntico cientista, como noa caso dos logaritmos, em cuja criação trabalhou cerca de 20 anos.
O termo logaritmo foi criado por Napier: de logos e arithmos, que significam , respectivamente, “razão” e “número” .
Durante os 4 séculos que sucederam à descoberta dos logaritmos, sua utilidade revelou-se decisiva na Ciência e na Tecnologia. Já Kepler, por volta de 1620, atestava seu reconhecimento pela nova descoberta que segundo ele “aumentava vastamente o poder computacional do astrônomo”.
O próprio Napier reconhecendo o valor de sua descoberta , escreveu Mirifici logarithmorum canonis descriptio,  que significava Uma descrição da maravilhosa regra dos logaritmos.




















Logaritmo segundo Napier

Em sua obra, Napier apresenta a natureza de logaritmo e fornece uma tábua de logaritmos dos senos de 0o e 90o , de minuto em minuto. A razão de aplicar sua idéia à trigonometria se deveu ao fato de que o objetivo principal dessa tábua de logaritmos era facilitar os longos e penosos cálculos que navegadores e astrônomos enfrentavam diuturnamente.
Em linguagem moderna, Napier concebeu os seus logaritmos da seguinte maneira: imaginemos os pontos C e F  percorrendo respectivamente o segmento AB e a semi-reta DX, partindo ao mesmo tempo de A e D, com a mesma velocidade inicial (ver esquema abaixo); admitamos ainda que, numericamente, a velocidade de C seja dada sempre pela medida de CB e que a velocidade de F seja constante; nessas condições Napier definiu como logaritmo de x = CB  o número y = DF. Assim, explicitamente, nesse conceito não intervém a idéia de base.
Mas pode-se provar que  . A potência 107 surge aí porque Napier considerava AB = 107. Aliás, à época de Napier o seno não era definido como hoje, por meio de uma razão; era medida da semicorda do ângulo central, tomando como unidade um submúltiplo do raio da circunferência considerada. E para evitar frações, um submúltiplo muito pequeno – no caso 1/107  do raio.


          A           C             x                          B


          D        y           F                                         X














Sobre a tábua de logaritmos...

Uma tábua de logaritmos consiste essencialmente de duas colunas de números. A cada número da coluna à esquerda corresponde um número à sua direita, chamado o seu logaritmo. Para multiplicar dois números, basta somar seus logaritmos; o resultado é o logaritmo do produto. Para achar o produto, basta ler na tábua, da direita para esquerda, qual o número que tem aquele logaritmo. Semelhantemente, para dividir dois números basta subtrair os logaritmos.
Para elevar um número a uma potência basta multiplicar o logaritmo do número pelo expoente. Finalmente, para extrair a raiz n-ésima de um número, basta dividir o logaritmo do número pelo índice da raiz.
O logaritmo de um número compõem-se de uma parte inteira denominada característica e de uma parte decimal chamada de mantissa..
Para um número superior a 1 , a característica de seu logaritmo tem tantas unidades quantos algarismos há na parte inteira menos um. Por exemplo, as características dos números 3452,67 ; 2908,01 e 765,9 são respectivamente, 3,3 e 2.
Para um número decimal, a característica de seu logaritmo tem tantas unidades negativas quantos zeros houver antes do primeiro algarismo significativo, inclusive aquele que precede a vírgula. Por exemplo, as características dos números 0,78 ; 0,0206 e 0,00059 são respectivamente, -1 , -2 e –4, também notados dessa forma: .
Os valores contidos na tábua dos logaritmos são os valores das mantissas, visto que o valor da característica é facilmente encontrado, como foi citado acima.
Em anexo há uma tábua de logaritmo  com os logaritmos dos números inteiros de 1 a 400.















Considerações finais

Na terminologia matemática de hoje, uma correspondência como essa estabelecida por meio de uma tábua de logaritmos é o que se chama de função. Convém notar, porém, que a invenção dos logaritmos foi anterior à introdução do conceito de função na Matemática. A utilidade original dos logaritmos resulta portanto da seguinte observação:  o trabalho de elaborar uma tábua de logaritmos, por mais longo e cansativo que seja, é um só. Depois dele executado, ninguém precisa mais, digamos, efetuar multiplicações; adições bastam.
Considerando as prioridades da época, Briggs e Napier acertaram nessa opção. Mas, recentemente, com a utilização mais divulgada das calculadoras, as tábuas de logaritmos perderam muito de seu interesse como instrumento de cálculo, o mesmo acontecendo com outras tabelas matemáticas. Mas o estudo dos logaritmos ainda é e continuará a ser de central importância.
Com efeito, embora eles tenham sido inventados como acessório para facilitar operações aritméticas , o desenvolvimento da Matemática e das ciências em geral veio mostrar que diversas leis matemáticas e vários fenômenos físicos, químicos e econômicos são estreitamente relacionados com logaritmos. Assim sendo, os logaritmos, que no princípio eram importantes apenas por causas das tábuas, mostraram ter apreciável valor intrínseco.





















O número e

Existe um único número real positivo cujo logaritmo natural é igual a 1. Tal número é representado pela letra e. Ele é a base do sistema de logaritmos naturais.
Portanto, as afirmações “lnx=1” e “x=e” são equivalentes. Em símbolos, temos :




Vê-se imediatamente que e>1, pois os números reais positivos menores do que 1 têm logaritmos negativos.
Lembrando o significado geométrico dos logaritmos naturais, vemos que a faixa entre o 1 e o e tem área 1.
A faixa entre o 1 e o 2 tem área menor do que 1, enquanto que a faixa entre o 1 e o 3 tem área maior do que 1. Em outras palavras:  . Concluímos daí que  , ou seja, que o número e está compreendido entre 2 e 3.
Pode-se demonstrar que o número e é irracional. Portanto, seu desenvolvimento decimal não termina nem é periódico. Um valor aproximado de e com 12 algarismos decimais exatos é:
e = 2,718281828459










Referências bibliográficas

1. Lima, Elon Lages.  Logaritmos . Coleção do professor de matemática: Rio de Janeiro, 2 ed.  1996
2. Iezzi, Gelson; Dolce, Osvaldo ; Murakami, Carlos. Fundamentos da Matemática Elementar.  Atual Editora : São Paulo, 2 vol.  8 ed.  1999
3. Irmãos Maristas.  Tábua de logaritmos.  FTD: São Paulo, 1973








Junho de 2001
Anexo
Página inicial
O Oriente antigo
A Grécia
O Oriente depois do declínio da sociedade grega