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Encomendas
A partir do ano de
2001 o GMCL,
com o apoio do IPAE-MC, tomou a iniciativa de encomendar obras a
compositores portugueses e realizar concertos para sua apresentação.
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2001 |
Sobre "Clepsydra" de Camilo Pessanha
Mezzo-Soprano, Pno, Harp, Fl e Fl em Sol,
Cl e Percussão
(Marimba, Vibrafone, Crótalos, Chocalhos, Tam-Tam e Gongos)
Stephen Reckert, no seu ensaio “The
Presence of East Asia in Some Modern Portuguese Poets”, descreve Pessanha
como “o poeta da música verbal” - (por comparação com Cesário Verde,
“o poeta do visual” e com Pessoa, “o poeta das ideias”).
Em Pessanha, para além da dimensão musical
da sua escrita, interessou-me também a dualidade Ocidente / Oriente - na sua
condensação do discurso; na obsessão pela morte e pelo mistério da
existência; na relação com o Tempo fugitivo que se escuta no
correr da água da clepsydra (Poema Final) ou na metáfora das águas do
rio que fogem sob o seu olhar cansado (Passou o outono já, já torna o
frio…).
A instrumentação escolhida, de certo modo,
reflete essa síntese de fontes europeias - onde se destaca França e autores
como Verlaine, que surge citado no poema Meus olhos apagados - e
orientais, através da vivência de Pessanha em Macau. Procurei também uma
certa condensação do discurso musical - criando ressonâncias entre
andamentos – e optando por uma certa monotonia e repetição de alguns
materiais melódicos e harmónicos, também observável na tristeza de versos
como “Só, incessante, um som de flauta chora…” (Ao longe os Barcos de
Flores) ou “Cair, sempre cair. […] / Caí e derramai-vos, Como a água
morrente” (Meus olhos apagados).
Três Poemas do Oriente
é dedicado ao Grupo de Música Contemporânea de Lisboa.
Luís Tinoco, XI.2001
Il
pleure dans mon coeur
Comme il
pleut sur la ville.
VERLAINE
I.
Meus olhos apagados,
Vede a água cair.
Das beiras dos
telhados,
Cair, sempre cair.
Das beiras dos
telhados,
Cair, quase morrer…
Meus olhos apagados,
E cansados de ver.
Meus olhos,
afogai-vos
Na vã tristeza
ambiente.
Caí e derramai-vos
Como a água morrente.
II.
(…)
Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?
(…)
III.
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!…
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos…
Fica, sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.
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Sobre
“Pã” de Sophia de Mello Breyner Andresen
Pno, Harp, Fl, Cl, dois Vln, Vla, Vlc e
Percussão (Vibrafone, Glockenspiel)
"Dói-me o luar", primeira metade do
último verso do poema Pã de Sophia de Mello Breyner Andresen, é
tomada de empréstimo para título desta obra. Sem pretender uma ilustração do
poema, podem, no entanto, estabelecer‑se algumas relações metafóricas: a
flauta inicial, um certo desalento, a preferência por paisagens estáticas
com movimento interno, tudo isto remetendo mais para a referenciação que
para a citação. Refira‑se que alguns dos materiais a partir dos quais esta
obra é construída foram tomados de empréstimo a Carlos Caires."Dói-me o
luar" é dedicada ao Jorge Peixinho, e ao Grupo de Música Contemporânea de
Lisboa, amigos de longa data. Com toda a amizade.
António de Sousa
Dias
Outubro de 2001
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Quatro
canções sobre poemas de Fernando Pessoa
Soprano, Pno, Harp, Vln, Vla, Vlc e Fita
Magnética
Estas
quatro canções utilizam como texto excertos de obras de diversos heterónimos
de Fernando Pessoa. Cada uma delas pretende apresentar uma faceta
correspondente ao carácter ou ambiente que a personalidade do respectivo
heterónimo transmite no poema (bucolismo, melancolia, tristeza, decepção,
ironia, raiva, etc.). A parte electroacústica foi realizada no estúdio do
compositor e no Estúdio de Música Electroacústica da Universidade de Aveiro.
João Pedro Oliveira
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Sobre
poema de José Régio
Baixo, Harp, Fl, Cl, Vln e Vlc
José
Régio concebeu este poema em três partes, perfeitas para uma estrutura
musical integrada: na primeira descreve o Cristo, na segunda o demónio, na
terceira faz mistura frenética de ambos. O autor vacila entre o amor e a
lascívia, entre a compaixão e a sedução (o poema tem um inesperado cunho
homoerótico) e acaba "esmagado entre eles dois". É esse percurso que a
música procura traduzir, num bloco contínuo.
Os
"Poemas de Deus e do Diabo", escritos aos 24 anos, têm laços evidentes com a
poesia de Mário de Sá Carneiro: José Régio (1901-1969) foi um dos primeiros
a dar o devido valor aos poetas do 1º Modernismo Português. "Painel",
primeiro poema dessa colectânea, tem interessantes pontos de contacto com o
poema "Rodopio" de Mário de Sá Carneiro, outra visão onírica entre o inferno
e o paraíso, que em 1987 musiquei com o título "Turbilhão", para baixo e
quarteto de cordas.
Esta foi
escrita em Almoçageme entre Outubro e Novembro de 2001 e é dedicada a
Carmélia Âmbar.
Alexandre Delgado
"Painel"
José
Régio (1901-1969)
in
"Poemas de Deus e do Diabo" (1925)
Ora uma noite de luar
medonho
(lembro-me disto como dum
sonho)
Alevantou-se um Homem a meu
lado,
Todo nu, e desfigurado.
Mal me atrevendo a olhá-lo,
eu quase só adivinhava
Seu corpo devastado que
sangrava...
E uma lembrança, longe,
longe, havia em mim
De já o ter amado, ou outro
assim.
Seu rosto, que, decerto,
era sereno e puro,
Resplandecia, como um
mármore, no escuro;
E as suas lágrimas, rolando
devagar,
Deixavam rastros que faziam
luar...
Eu prosseguia, todo trémulo
e confuso,
Cheio de amor e de terror
por esse intruso.
À minha mão direita, ele
avançava aèreamente,
Com seu ar espectral e
transcendente...
Os seus pés nem pousavam no
caminho;
E então, eu desatei a
soluçar baixinho,
Porque notara que em seu
rosto exangue
As suas lágrimas corriam
misturadas com seu sangue.
Oh, onde a vira eu, essa
figura peregrina
Feita de terra humana e de
ascensão divina?
Sim, onde a vira eu, que,
só de o perguntar,
Me arrepiava, com vertigens
de ajoelhar?
Mas, de repente, como um
sobressalto,
E como a angústia de quem
rola de muito alto,
Alguma coisa em mim passou,
que pressentia,
E que se arrepelava, e que
tremia...
É que em meu ombro esquerdo
alguém se debruçava,
Alguém que ria um riso que
espantava,
Um riso tenebroso, e cheio
de atracção,
Com fogo dentro como a boca
dum vulcão!
E, sem o ver, eu via-o todo
inteiro,
Essoutro novo e inseparável
companheiro:
Um que também conheço, nem
sei donde nem de quando,
Por mais que me torture
procurando...
E tinha pés de cabra, e
tinha chifres, tinha pêlos,
E tinha olhos sulfúricos,
esfíngicos e belos...
A baba do seu riso
escorregava-lhe da boca,
E em todo ele ardia uma
lascívia louca!
À minha mão direita,
absorto, aéreo, hirto,
Coroado de abrolhos e de
mirto,
O Outro continuava a chorar
lágrimas caladas,
Com as mãos lassas como
rosas desfloradas...
Entre os dois, eu sentia-me pequeno e
miserando,
Vibrando todo, tumultuando,
soluçando,
Com olhos meigos, lábios
torpes - indeciso
Entre um inferno e um
paraíso!
Um riso doido e cínico, sem
regra,
Subia em mim como uma onda
negra,
E, estrelados de lágrimas,
meus olhos inocentes
Ajoelhavam como
penitentes...
Entretanto, os dois vultos
desmedidos
Iam crescendo entre os meus
risos e gemidos,
Crescendo sempre, sempre e
tanto, que, depois,
Eu ficava esmagado entre
eles dois.
A noite em que isto foi,
não sei..., sei lá?... (Seria
Essa em que minha Mãe, com
tanta angústia, me paria...)
Sei que o luar era medonho,
era amarelo,
E que tudo isto me parece
um pesadelo!
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Octólogos
Filipe Pires
Soprano, Fl, Fll em Sol e Flautim, Cl,
Trp em Dó, Vla, Vlc, Cb e Percussão (Caixa, Prato Suspenso, Hit-hat, 4
Temple-Blocks, Claves, Pandeireta e Triângulo)
Imagine-se urna “mesa redonda”, na qual
participam oito personagens de temperamentos e pontos de vista muito
diversos, conduzidos por um “moderador”, ora decidido e autoritário, ora
intranquilo e quase suplicante, tentando conciliar interesses antagónicos e
levar a bom termo a sua tarefa ingrata.
Logo após
uma frustrada apresentação individual dos participantes, começam estes a
infringir o salutar principio de saber ouvir e esperar a sua oportunidade
para falar. Daqui resulta urna grande quantidade de duos, trios, quartetos,
que se sucedem em alternância com os apelos do “moderador” - o clarinete
dodecafónico -, que mal consegue evitar a anarquia do grupo. Cada um segue,
imperturbável, o seu próprio percurso, indiferente ao que se passa à sua
volta: a flauta, recitando um modal-tonalismo de raízes tradicionais beirãs;
a trompete, entoando timidamente uma vaga escala híbrida; a voz e a
percussão hesitando sobre as posições a tomar. A estes opõem-se a
agressividade do violoncelo, os “pizzicati” jazzísticos do contrabaixo e os
harmónicos transparentes da violeta. Entretanto, podem ocorrer algumas
“alianças” momentâneas e imprevistas, que não chegam a provocar consenso.
A obra, composta em
2001, foi encomendada pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e forma
um tríptico com “Diálogos” (1975) — igualmente destinada a este
agrupamento — e com “Monólogos” (1985), que resultou de uma encomenda da
Oficina Musical.
Filipe Pires
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2002 |
...Pour les Temps Glissants...
António
Chagas Rosa
I -
Molto moderato II - Moderato III - Mosso IV - Mosso (lo stesso tempo)
V – Vivo, preciso
cl. baixo, vln, vla e vlc
“...pour les temps glissants...” , para clarinete baixo e trio de arcos,
resulta de uma encomenda do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. É uma
sequência de cinco andamentos cujo traço dominante é um evoluir descontínuo
dos tempos musicais de cada instrumento. Apesar deste elemento de
instabilidade, a obra reveste-se de um carácter particularmente meditativo e
introspectivo. Concebida de forma bastante austera, a escrita desta peça
evoca, de alguma forma, as práticas musicais da polifonia renascentista para
coro a capella.
António Chagas Rosa
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Algarve
Pedro M. Rocha
Sobre poema homónimo
de Sophia Andresen
Soprano, fl, cl, vln, vla,
vlc, harp, pno
e electrónica
Sobre poema homónimo
de Sophia Andresen.
É a primeira peça
que componho para voz escrita em 1/4 de tom, e aonde tento conciliar uma
linguagem ultracromática com uma outra feita de ruídos muitos deles
concretos, pouco flexíveis a uma escrita instrumental mas a meu ver
perceptíveis como integrantes duma, passe a expressão, “Supra-Linguagem”
aonde materiais de diversas proveniências coexistem, atitude de resto nem
mais nem menos original que a de muitos outros criadores (no sentido lato do
termo, e portanto englobando diversas àreas da expressão artística) mais
recentes.
Esta tentativa de
criar unidade na heterogeneidade coexiste em todos os intervenientes na
peça, em maior ou menor grau e também na fita.
Os versos de Sophia
inspiraram-me uma obra em que existe alternância entre complexidade e
simplicidade (princípio tão fundamental na arte a meu ver, quanto lugar
comum falar dele).
Algarve é dedicada ao Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, que quebra o
silêncio no meu país: após 16 anos: volta a fazer ouvir a minha música de
câmara tocada por profissionais.
Pedro M. Rocha
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Three American Portraits
Sérgio Azevedo
I - Introdução
- Wild Horse's Riding Music, quasi Rodeo II - Ruralia Americana
III -
Finale: Fast Forwad & Riffs
cl. obligato, fl, harp,
vln, vla e vlc
Three American Portraits
nasceu da encomenda do GMCL para uma obra que se cingisse como máximo
instrumental aos oito efectivos fixos do Grupo: flauta, clarinete, piano,
harpa, voz, violino, viola e violoncelo.
Deixei de lado dois deles, o piano e a
voz. O primeiro foi retirado por razões meramente práticas (esta peça será,
espero, tocada por outros ensembles em variados locais, e nem todos os
auditórios possuem um bom piano, ou mesmo sequer um piano), embora a
partitura preveja, se algum piano estiver disponível - a coexistência desse
instrumento com a harpa, alternando entre si sem alterações de maior à
música já existente. Quanto à voz, a razão da sua omissão foi uma decisão
igualmente pragmática, pois na altura em que comecei realmente a compôr
apeteceu-me escrever uma obra instrumental e não vocal.
O projecto inicial, um ciclo de peças que
comecei repetidas vezes sem sucesso até perceber que não era isso que queria
fazer neste momento, comportava porém uma voz solista, e essa divisão entre
indivíduo e grupo mantém-se de certo modo na obra, uma vez que o clarinete,
não sendo um verdadeiro solista na mais comum acepção da palavra, é ainda
assim um instrumento obbligato, com carácter destacado e
virtuosístico em várias secções importantes dos três andamentos,
nomeadamente no final.
Uma das características mais marcantes
dos Three American Portraits é, nos andamentos extremos, uma grande
complexidade rítmica, na maior parte dos casos originada não só pela métrica
irregular de cada linha mas também pela sobreposição intrincada de diversas
linhas. No lento e bucólico andamento central, é a simplicidade que
predomina.
Na sua alternância de andamentos
rápido-lento-rápido, e no aspecto quase solístico do clarinete, bem como na
complexidade geral da polifonia e do ritmo, Three American Portraits
é, de certo modo, um pequeno concerto de câmara que não nega algumas
afinidades de carácter com obras como os Brandenburgueses de Bach ou
o Dumbarton Oaks, de Stravinsky, para só citar duas das obras que
desde sempre me fascinaram.
Sérgio Azevedo
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Oito Poemas Breves
de Valter Hugo Fernando Lapa
Soprano, fl, vln, vla, vlc, harp
e
pno
Esta peça tem uma
ambição simples: deixar respirar os poemas breves e sugestivos do poeta.
Eles são uma espécie de diário de sensações e emoções, onde o sol, a praia,
o corpo ou a morte adquirem uma posição central. Predomina um ambiente
descritivo. Horizontal.
Com o primeiro
poema – “Este é o cemitério dos meus dias: Aqui os sepulto, um a um,
pormenorizadamente.” – se estabelece o enquadramento de um seu livro (“o
sol pôs-se calmo sem me acordar”), de onde retirei os sete outros poemas
sobre que trabalhei.
A forma geral da
peça é, em consequência, muito simples. Cada poema é um lugar único. Daí o
seu tratamento individualizado, assumido ao nível do tratamento da voz e das
sonoridades adjacentes. Como traço de união, estabelecendo o fio que tece
estes vários momentos breves, há uma textura simples e neutra, algo
mecanicista e abstracta, no início apresentada pelo piano e lá mais para
diante assumida pelas cordas, até aparecer em sobreposições elementares, em
jeito de “stretto”, antes do fim.
A linguagem é
descomplexada e livre. (Nunca me preocuparam muito as matrizes, as escolas
ou as famílias. Muito menos os rótulos.) Os intervalos de segunda maior e de
trítono desempenham no entanto um papel central na definição dos perfis
horizontal e vertical, bem como na ambiência de diversas texturas.
Encomendada pelo
Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, esta obra é dedicada a esta
formação histórica da música contemporânea portuguesa.
Fernando C. Lapa
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2003 |
El vaso
reluciente Clotilde Rosa
Sobre soneto de L.Vaz de Camões
Soprano, fl,
cl, vln, vla, vlc, harp
e
pno
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