Dois dias depois, à tarde, o Isaac estava no The SS acertando umas coisas com o George, conferindo gastos e
lucros, vendo o pagamento dos funcionários. Estavam apenas os dois, sentados no
bar, calculando e conversando animados. Estavam lá desde de manhã cedo.
Algumas horas depois, o George levantou-se para se espreguiçar e disse:
-
Eu estou morto. Acho que chega por hoje.
-
É, tem razão. Nós podemos continuar outro dia.
-
Parabéns, Ike. O seu The SS está
indo maravilhosamente bem. Eu confesso que não imaginava esse sucesso todo.
-
Nem eu - o Isaac sorriu.
-
Bom, mas deixa eu indo porque eu prometi para a minha avó que chegaria para o
almoço.
-
Ok. Eu vou ficar mais um pouquinho para fechar tudo. Mais tarde o pessoal da
limpeza chega e eu quero deixar algumas coisas meio organizadas.
-
Tudo bem. See ya, Ike.
-
Tchau.
O George saiu e o Isaac começou a empilhar os papéis e pastas. Foi
quando ouviu o barulho de alguém entrando pela porta da frente.
-
Esqueceu alguma coisa, George? - o Ike gritou.
-
Na verdade, não é o George.
-
Isadora? Oi. - Ela então sorriu. - Não é muito cedo para você estar aqui?
Ela olhou no relógio e disse:
-
Não, é quase uma da tarde. Foi esse o horário que nós combinamos.
-
Nós combinamos?
-
Você me pediu para vir aqui a uma hora para que nós conversássemos sobre o
estoque de bebidas.
-
Quando nós combinamos isso?
-
Semana passada.
-
Mas... não, não era hoje, era só semana que vem.
-
Não, você me disse para vir hoje.
-
Eu não acredito. Isadora, me desculpe. Eu troquei tudo. Nossa, me desculpe te
fazer vir aqui no dia errado, eu devo ter feito cagada nos dias. Eu ando com
muitas coisas para fazer e...
-
Tudo bem, patrão - ela riu. - Não se preocupe, eu entendo.
-
Desculpe mesmo. Você já almoçou?
-
Ainda não.
-
Então você é minha convidada. Você gosta de comida italiana?
-
Adoro.
-
Eu só vou terminar de fechar aqui o cofre e nós vamos.
-
Eu te ajudo.
-
Imagina, não precisa, Isadora.
-
É que eu estou com fome, Isaac.
Ele riu.
-
Tudo bem então.
...
Era quase dez da noite. E na casa dos Hanson imperava a quietude e tranqüilidade.
Crianças dormindo, a Gina assistindo a sua novelinha na TV de seu quarto, mamãe
e papai Hanson conversando sobre, bom, vocês sabem, conversando sobre coisas
mais íntimas. Sim, eles eram um casal feliz.
Desta vez, o livro que Isaac escolhera era a biografia de um rico e
bem-sucedido empresário. O Cumprido, já que não gostava tanto assim de
leitura, ouvia uma música em seu MD, sentado no chão sobre as almofadas no
quarto do irmão mais velho. Um fazendo companhia para o outro, mas sem trocarem
uma só palavra. O Isaac lendo e o Taylor ouvindo. O diálogo deles limitava-se
a perguntas do tipo:
-
Que horas são agora?
-
Dez e dez.
E logo retornavam ao seu estado de silêncio.
O Zac? Bom, o Zackito estava sozinho em seu quarto, deitado em sua cama
com a roupa do corpo, cochilando. A televisão servia de lâmpada no escuro do
quarto, ligada em um volume baixo no canal da novela. Ele acabou pegando no sono
enquanto assistia aos dramas noveleiros, revezando sua atenção a história
fictícia e a seus pensamentos Lynnezísticos. Sim, eles continuavam brigados.
O sono do Zackito parecia um tanto inquieto porque ele se mexia na cama,
fazia caretas, murmurava algumas palavras, cuja clareza era totalmente nula.
Adivinhem? Naquele exato momento, o Zac sonhava. Quer dizer, seria mais correto
dizer que o Zac "pesadelava", já que o sonho não era exatamente ele
caminhando sorridente num campo lindo de flores. Se bem que esse tipo de sonho
também não é muito a cara do Zac...
No sonho, ele acorda em sua cama pela manhã normalmente. Ao entrar no
banheiro e olhar-se no espelho, o Zac nota formigas andando por todo seu coro
cabeludo. Tenta tirá-las desesperadamente. Volta correndo para seu quarto na idéia
de descobrir o que tinha em sua cama de errado para que aquelas formigas fossem
parar em sua cabeça. Olha para seus lençóis e dá de cara com várias
lagartixas esmagadas, o que significava que o Zac havia dormido sobre elas a
noite toda. Ele se desespera. Então milhares de outros bichos começam a sair
de debaixo de sua cama. Cobras, baratas, sapos, insetos, bichos viscosos. No
sonho, ele sentia um forte medo daqueles bichos todos e chorava que nem criança.
O Zac deu um pulo da cama gritando "Socorro, socorro!". Acordou
assustado, respirando ofegante, com o coração apertado. Olhava para os lados
assombrado como se os insetos estivessem ali de verdade. Depois que percebeu que
tudo não tinha passado de um pesadelo, o Zac respirou aliviado e passou as mãos
pelo rosto. Foi aí que notou seus olhos molhados.
-
Que porra é essa?
Limpou-os, incrédulo.
-
Eu chorei dormindo? Nossa...
Então o Zac deixou um pouquinho de lado a pose dele de machão, de homem
que não chora, e refletiu um minuto sobre o sonho.
O Isaac e o Taylor continuavam naquela mesma situação de inércia. Um
lendo e o outro ouvindo. O Zac apareceu na porta do quarto, coçando a cabeça,
meio perdido.
-
Que sonho horrível...
-
Oi, Zac. Estava dormindo? - o Isaac perguntou.
-
É, mas acordei por causa de um pesadelo.
O Taylor tirou os fones de ouvido para ouvir a conversa.
-
Sobre o que era o sonho?
-
O que aconteceu? - o Taylor tentava se atualizar.
-
Eu tive um sonho ruim agora e... Sei lá, fiquei meio preocupado.
-
Nossa - o Taylor se assustou. - Deve ser sério mesmo. Nunca vi você se
preocupar com sonho.
-
Foi um pesadelo bem ruim.
-
Conta como foi - o Isaac pediu.
O Zac contou direitinho.
-
E no sonho eu chorava muito. E para falar a verdade, eu acordei chorando.
-
Nossa. Foi tão ruim assim? - o Taylor surpreendeu-se.
-
O que você sentiu enquanto sonhava, Zac? - o Isaac perguntou, num tom de quem
analisava.
-
Eu não sei direito. Era uma mistura de agonia e um terror muito grande. Um
medo. Medo daqueles bichos nojentos.
-
Mmm... - o Isaac pensava com a mão no queixo.
-
Bichos embaixo da cama? Você já não está meio grandinho para ter medo disso,
Zac? - o Taylor perguntou, rindo.
-
Ha-ha-ha - o Zac riu amarelo, mostrando o dedinho famoso do meio logo em
seguida.
-
Bom, segundo os livros que eu li sobre o Freud e os estudos dele, os sonhos são
coisas que estão acontecendo na nossa vida e que o nosso inconsciente nos
mostra, mas de maneira camuflada para que não entendamos.
-
Coisas da vida? Como o quê? - o Zac questionou.
-
Não qualquer acontecimento. Acontecimentos que mexem com o nosso psicológico.
Os sonhos se tratam de coisas bastante íntimas. Coisas que estão guardadas no
nosso inconsciente e que, quando dormimos, vem para o nosso consciente em forma
de filminhos. Ou seja, de sonhos.
-
Ahan... Isso quer dizer o que exatamente?
-
Que na verdade, não é dos insetos que você tem esse medo todo. É de alguma
outra coisa que anda mexendo com você neste momento da sua vida - o Isaac
explicou.
-
E o que é?
-
Não sei, Zac. Você é o único que sabe.
-
Você deu toda essa explicação aí e não sabe me dizer do que eu tenho medo?
Porra, Isaac, você leu o livro direito?
-
Zac, são coisas íntimas. Eu não tenho como saber o que se passa na sua cabeça.
-
Bom, se são coisas atuais, - o Taylor concluía. - é só pensar. Do que você
tem tido medo ultimamente?
-
Eu não tenho medo de nada - o Zac respondeu rapidinho.
-
Tá, deixa eu perguntar de outro jeito - o Taylor suspirou, com a maior paciência
do mundo. - O que tem mexido com você ultimamente? O que tem causado, é... Sei
lá, mudanças dentro de você. Mudanças que te apavoram.
-
Mas não tem nada acontecendo.
O Isaac só observava, com um sorriso espremido nos lábios.
-
Do que está rindo, sabidão - o Zac encarou.
-
Zac, o que anda mexendo com você esses dias? - o Isaac perguntou. - Pensa um
pouco.
-
Já disse que nada.
-
Zac, pensa. O que te tira do sério, o que te deixa puto, o que te faz se sentir
ótimo ou péssimo...? - Pausa. O Zac pensava. O Isaac continuava com o sorriso
nos lábios. - O que te faz chorar e o que te faz sentir medo? O que são esses
insetos na sua vida? Ou melhor, quem.
Ainda com dificuldade de entender o que o Isaac queria dizer, o Zac
olhava-o com incerteza. Então o Taylor na mesma hora pegou a essência do negócio
e falou:
-
A Ló.
-
A Lynne? - o Zac exclamou.
-
Ela mesma - o Isaac sorriu.
-
Mas eu não tenho medo da Lynne!
-
Não. Você tem medo da mudança que ela causou dentro de você. Você tem medo
do que você sente por ela. Medo de perceber que ela é mais importante para você
do que você imaginava - o Isaac explicou.
E o Taylor, empolgado por estar entendendo todo o processo, completou,
gesticulando:
-
Então os insetos no sonho são nada mais nada menos que essa resistência que o
Zac desenvolveu em relação a sentimentos. Porque ele transforma algo tão
simples como considerar alguém e gostar muito de alguém, em bichos nojentos
que estão vindo para pegá-lo.
-
Exatamente - o Isaac concordou.
-
Espera, espera - o Zac abriu as palmas das mãos, sinalizando. - Pára tudo. Vocês
estão dizendo o que? Que eu estou com medo de gostar da Lynne?
-
Zac, raciocina. Você nunca teve amigos de verdade. Depois que nós ficamos
famosos, você se fechou totalmente para relacionamentos. Não estou falando só
de namoradas, qualquer tipo de relacionamento. Você desconfiava de todo mundo.
E isso ficou e ainda está no seu inconsciente. Aliás, está mais lá do que no
seu consciente - o Isaac disse.
-
Aí apareceu a Ló - o Taylor continuou. - A medida que vocês foram ficando
amigos, você foi se abrindo um pouco mais para ela e a amizade de vocês foi
crescendo. Por mais que você grite que a odeia, você sabe muito bem que isso não
é verdade.
-
Inclusive, você briga com ela toda hora e volta e meia está berrando pela casa
que a odeia por negação.
-
Que?! - o Zac não entendeu.
-
É que assim... Essa mudança foi captada pelo seu inconsciente. A partir do
momento que ele percebeu que você estava gostando de alguém de novo, confiando
em alguém de novo, o seu inconsciente entrou em conflito com o seu consciente.
Um quer, mas o outro nega. E...
-
Tá, tá, chega. Eu já não estou entendendo porra nenhuma.
O Isaac e o Taylor riram.
-
Mas esse "gostar" que vocês falam... - o Zac queria saber. - É
gostar de amigo ou é aquele gostar?
-
Bom, aí é só você quem sabe. Pode ser tanto uma amizade muito sincera como
um sentimento mais profundo - o Isaac respondeu.
-
Sentimento mais profundo, conflito, processo de negação... Puta que pariu, que
coisa mais gay. Vocês não falam "mulher puta". Vocês falam
"mulher horizontalmente acessível". Fala sério! Por que vocês falam
desse jeito tão frufru?
-
Zac, calma... - o Isaac ria.
-
Para mim vocês são umas bichas, isso sim...
Então o Zac saiu do quarto após estas últimas palavras, deixando o
Isaac e o Taylor rindo do jeito do irmão de lidar com os problemas.
Fechou a porta e deitou na cama. O Zackito estava meio confuso ainda com
as explicações do Isaac. Ficou digerindo devagar tudo o que ouvira, pensando
na briga que tivera com a Ló e tentando associar ao sonho. Aquilo tudo de
inconsciente, negação, ele deu um jeitinho de tornar mais claro e compreendeu
à sua maneira que a Lynne tinha se tornado uma pessoa importante para ele. Ele
podia até já saber disso há algum tempo inconscientemente, como já diria o
Isaac, mas para ele aquilo tudo era repentino demais. E o Zac não era muito fã
de imprevistos. Novidades não eram com ele. A sua vida toda ele teve
dificuldades de lidar com elas. "Hoje você está famoso", "Hoje
você ganha muito dinheiro", "Hoje eu controlo a sua vida",
"Hoje se você sair na rua, você vai ser morto pelas garotas
obcecadas", "Você não sabe da última: o seu estado emocional não
interessa mais. Enquanto você fizer dinheiro, tudo estará bem, Astro da Música",
"Hoje a banda acabou", "Hoje você é uma pessoa normal".
Era assim que as novidades sempre apareceram na vida do Zac. Ele nunca tivera
tempo de trabalhá-las dentro dele. Esse era o Zachary: odiava novidades.
- Bendita hora que eu fui ter esse sonho imbecil - falou sozinho, antes de cair no sono novamente.