Era dia do The SS abrir. O Isaac já estava lá na porta, todo
atraente e com pose de dono do lugar dentro de seu blazer grafite sobre a camisa
preta, recebendo as pessoas junto da equipe de segurança. Pessoas estas que já
haviam se tornado rostos conhecidos. Sim, o The SS ganhava freqüentadores.
Os jornais falavam do novo bar como "a revelação de Tulsa em qualidade e
excelente atendimento". Bom, natural que chamasse atenção: a música era
ótima, a estrutura era maravilhosamente calculada e, como disse o próprio
jornal, as preferências dos clientes eram atendidas somadas ao carisma e à
educação dos funcionários.
As mesas estavam todas tomadas. Aquilo só fazia o Isaac e o George
sorrirem. No bar, eles tomavam champagne para comemorar. A Isadora enxugava os
copos, rindo da conversa dos patrões.
-
Ike, você é um homem de negócios nato - o George dizia.
-
É, eu acho que eu sou sim.
- O
bar está indo tão bem que chega a assustar - o George comentou.
-
Eu devia ter tido essa idéia antes.
Pausa para tomar um golinho da bebida.
- E
o Tay e o Zac? - o George perguntou.
-
Deu umas brigas lá em casa... O meu pai colocou os dois de castigo.
-
Castigo? - a Isadora finalmente se manifestou. - Mas a sua família é tão
calma... Deve ter sido algo grave.
-
É, foi meio feio... - o Isaac não queria muito falar do assunto. - Mas logo as
coisas se acalmam.
-
Como tudo na vida... - a Isadora sorriu.
Não demorou muito, chegaram alguns clientes pedindo por bebidas. A
Isadora atendia com o mesmo sorriso no rosto. Até aqueles que persistiam em
flertar com ela. Ela ria e agia de maneira profissional. O Isaac observava e
comentava em cochichos com o George, rindo:
-
Acho que esses caras vem para cá só pra dar em cima da Isadora.
-
Contanto que venham e paguem, meu caro, está tudo certo. - Tomou um gole na taça.
- E também, desde que ela não use o horrário de trabalho para festinhas
particulares, ela continuará conosco.
- A
Isadora é muito profissional. E ela já está acostumada.
-
Pudera, com olhos como esses... - o George disse, malicioso.
-
George, George... Não vá arrumar nenhum problema pra mim, hein?
-
Mas o que foi? Eu só fiz um comentário.
-
Eu te conheço. Hoje é um comentário. Amanhã você está no tribunal
respondendo à processo por assédio sexual.
O George riu. O Isaac completou, brincando:
- Não
é só o Taylor que tem um passado negro aqui em Tulsa.
-
Eu? Eu sou um santo, Ike. - Pausa. - Eu só comia a pequena parcela de mulheres
que o Taylor dispensava.
Os dois riram. O Isaac então disse:
-
God...
you're disgusting.
-
Com'on Ike, you know me. Eu não sou mais assim.
-
Claro... Se eu não te conhecesse, até ficaria emocionado com as suas palavras
- o Isaac desacreditou.
-
Você me tirou desta vida quando me deu este lindo emprego no seu afamado bar.
- E
como se não bastasse, ele ainda é doente - o Isaac lamentou, olhando para
baixo e balançando a cabeça.
-
Vocês estão me assustando - a Isadora disse.
Os dois olharam-na, surpresos.
-
Faz tempo que você está aí? - o Isaac brincou, esquecendo totalmente da
funcionária atrás deles, no bar.
-
Todo o tempo - ela riu. - E quando você acha que está trabalhando em um
ambiente familiar, você se depara com esse tipo de assunto entre os seus patrões.
Tsc Tsc...
- Não,
Isadora, olha... Eu sou um homem de caráter. É o George o errado da história.
-
Aaaaah, então é assim? - o George protestou. - Na hora de fazer as contar do
seu barzinho medíocre, eu sirvo, não é? - brincou.
-
Eu te pago pra isso, George - o Isaac riu.
- Não,
não quero mais saber. Estou indo. Adeus - dramatizou.
E saiu dali.
-
Nossa... What a drama queen - a Isadora riu.
-
Tudo bem, é que ele está num processo meio complexo... - o Isaac explicou.
-
Crise de identidade?
-
Porre.
A Isadora riu. E disse:
-
Entendo... Processo difícil esse.
- O
George é assim mesmo... Mas ele é um cara legal.
-
Eu não duvido.
Horas mais tarde, o The SS estava
fechado. O Isaac terminava de fechar a porta principal, quando o George apareceu
reclamando:
-
Merda... Que porra de dor de cabeça.
-
Vai dormir, George. Eu já liguei para a sua avó vir te buscar, daqui a pouco
ela chega aí - o Isaac disse.
-
You what?! Isaac Hanson, você não ligou para a Srª. Ford.
-
Liguei. Ou você acha que eu ia te deixar dirigir neste estado?
- Fuck...
Ela vai gralhar no meu ouvido até o próximo, sei lá, eclipse.
-
Pelo menos vai gralhar no seu ouvido vivo. Porque se você saísse daqui assim,
provavelmente ela faria isso no seu cadáver.
-
Oh man... Thanks -
o George se emocionou. - Você é meu amigo de verdade. Só você e o Taylor se
preocupam assim comigo - com voz de choro.
-
Ok, ok, George - o Isaac se irritou com a depressão tão característica do
amigo quando este ficava bêbado. - Agora vá lá para fora que a sua avó já
deve estar aí.
- Não
tem problema eu não ficar para te ajudar a fechar o caixa? - limpando as lágrimas
que nem chegaram a cair de seus olhos.
- A
Isadora vai ficar para me ajudar, não se preocupe.
-
Valeu, Isadoraaaa! - o George berrou; sua voz ecoou por todo o lugar. - Eu te
amo, garotinha!
- Yeah
yeah - ela respondeu lá de dentro da cozinha.
- Hasta
la vista, muchachos e muchachas - arranhou o espanhol antes de sair
do The SS.
O Isaac então sentou em uma das mesas brancas e começou a fazer as
contas. Da porta da cozinha, apareceu a Isadora com dois copos na mão. Deles saíam
fumaça, o que indicava a alta temperatura das bebidas.
-
Fiz um chocolate quente - ela sorriu. - Está um pouco frio hoje.
-
Obrigado. - Apanhou da mão dela e voltou seu olhar para o papel. - Eu juro que
se eu pudesse, deixava isso aqui tudo para fazer amanhã.
- Não
parece muito a sua cara dispensar trabalho.
-
Bom, às... - olhou no relógio. - Quatro da manhã eu dispensaria até mesmo
este seu chocolate quente, que aliás está uma delícia - sorriu.
-
Obrigada. Isso significa que eu ganhei um aumento? - brincou.
-
Estamos falando de chocolate, Isadora. Você trabalha com os alcoólicos.
-
Mas eu coloquei rum.
-
Tudo bem, você venceu.
-
Eu sempre venço.
-
Mas não conseguiu o aumento.
-
Bom, talvez as minhas vitórias não sejam assim tão freqüentes...
Sorrindo, o Isaac voltou a olhar os papéis. Depois de algumas
analisadas, disse:
-
Será que eu devo acrescentar às despesas do bar os caras que dão em cima de
você?
- Não,
esses você coloca nos lucros porque eu faço com que eles comprem mais aqui
dentro.
-
Puxa - ele se impressionou com a convicção da mulher. - E eu que estava
preocupado com você...
-
Comigo? Você não parece ser o tipo de patrão que se preocupa com os funcionários.
-
Eu? Isadora, você tem uma imagem terrível sobre mim. Eu não sou assim.
Ela riu. E perguntou:
-
Então como você é?
-
Eu sou... Preocupado com os meus funcionários.
- E
o que mais?
-
Eu sou... Bom, eu sou apenas um cara de barbicha, com um bar e que carrega o
nome do pai como seu segundo nome. Quer dizer, um cara comum.
- Não
é só isso - ela sorriu. - Por que você não me fala da parte que não é visível?
- O
meu segundo nome não é algo visível.
-
Talvez não na sua cara, mas ele está por todo o meu contrato de trabalho.
O Isaac riu.
-
Ok... Eu... Gosto de dirigir.
-
Estamos fazendo progresso.
-
Eu... Adoro ler.
-
Um ponto em comum.
-
Você também gosta? - o Isaac se empolgou.
-
Adoro.
-
Eu já falei muito sobre mim. Fale você um pouco.
-
Falou muito? - a Isadora riu. - Bom, tudo bem então. Sobre mim... O que eu
posso dizer sobre mim... Bem, eu trabalho como barwoman há
seis anos, ou seja, desde os meus 17.
-
Você sempre fez isso?
-
Na verdade, eu fazia faculdade de medicina. Em todas as festas do campus eu
cuidava desta parte. Eu simplesmente adorava preparar as bebidas. Eu passava a
semana inteira pensando no fim de semana, nos dias em que as festas aconteciam,
só para eu preparar os drinks e comprar as bebidas e organizar o bar.
-
Você deve gostar mesmo de beber.
-
Eu não bebo.
-
Você tá brincando - o Isaac se espantou.
-
Eu não gosto. Dificilmente você vai me ver botando uma gota de álcool na
boca.
-
Este chocolate quente tem rum - o Isaac lembrou.
- O
seu tem.
-
Good
one.
-
E também, eu tenho um filho. Preciso dar bom exemplo - ela sorriu.
-
Você tem um filho? - o Isaac arregalou os olhos. - Você é casada?
-
Eu não disse nada sobre ser casada, patrão - ela riu. - Eu apenas tenho um
filho.
-
Claro, me desculpe - ele sorriu. - Ele tem quantos anos?
-
Dois. Dois lindos anos.
- A
minha mãe não pode saber disso, ela ama crianças. Ela vai querer ir até a
sua casa buscá-lo.
- O
meu filho não mora comigo.
- Não?
A Isadora de repente tirou aquela expressão confiante e segura de seu
rosto, ficando séria.
- O
pai dele tirou ele de mim. Entrou na justiça dizendo que minha profissão era
irregular para sustentar meu filho. E que trabalhando como barwoman, eu
nunca conseguiria criá-lo com dignidade.
-
Mas isso é absurdo.
-
Eu sei... O pior de tudo é que ele ganhou. - Os olhos dela encheram-se de lágrimas.
- Ele mal parou de mamar, já o tiraram de mim. E agora só posso ver o meu
filho nos finais de semana - sorrindo, chateada.
-
Mas... Como? A justiça normalmente dá preferência para a mãe da criança.
- O
pai do Josh tem dinheiro, Isaac. Dinheiro para contratar excelentes advogados. E
eu... Eu mal tenho dinheiro pra mim. Quanto mais para pagar o roubo que esses
advogados cobram para me ajudarem.
-
Mas e os seus pais?
-
Meus pais vêem a profissão que eu escolhi como algo sujo. Não falam mais
comigo. Quer dizer, meu pai quem não gosta. E como minha mãe é extremamente
submissa a ele, as opiniões dele são as dela. Na verdade, as nossas diferenças
começaram quando fiquei grávida, aos 20 anos. O Josh nasceu, eu tinha acabado
de fazer 21. Muito nova. Meu pai ficou puto. Parou de pagar minha faculdade, o
que nem me abalou tanto porque eu já estava querendo largar de qualquer jeito.
E parou de me ajudar financeiramente. Eu tinha o meu dinheiro na poupança, dos
estágios remunerados que fiz em hospitais. Parecia até que eu já estava
prevendo que isso um dia aconteceria, conhecendo o meu pai. Por isso resolvi
guardar dinheiro.
-
Você é de onde?
-
Do sul de Oklahoma.
- E
veio pra Tulsa...
-
Quando eu soube que abriu o The SS. Imaginei que estariam precisando de
alguém pra trabalhar no bar.
-
Mas e se a vaga já estivesse ocupada?
- Aí...
Bom, aí só Deus sabe.
-
Você é realmente uma profissional excelente, Isadora.
-
Obrigada - sorriu.
- O
pai do Josh... Por que não deu certo?
-
Ele é mais velho, mas é um bosta. Filhinho de papai em plenos 30 anos de
idade. Eu sei o que você deve estar pensando... Como eu me apaixonei por um
cara assim? Eu era uma idiota. Me encantei.
-
Eu não estou pensando nada assim, Isadora. Estou apenas espantado com tudo o
que você me contou. Você é muito corajosa - ele sorriu.
-
É... Mas meu filho continua longe de mim.
O Isaac segurou a mão dela. Os olhos cor de mel da Isadora ficaram ainda
mais claros com as lágrimas apertadinhas. Então ela disse:
- O
Josh tem os olhos iguais aos meus, sabia? Ele é tão lindo, Isaac... Eu o amo
mais do que qualquer coisa. E não tem nada que eu possa fazer pra... Pra trazer
ele pra mais perto de mim.
Então a Isadora deitou sobre seus braços e começou a chorar. O Isaac
sentou mais pertinho dela e colocou a mão sobre o seu ombro. Assim que sentiu a
mão do chefe, a Isadora levantou, enxugou as lágrimas e sorriu, sem graça:
-
Desculpe. Eu já estou melhor.
- Não,
tudo bem.
-
Eu não queria... Ai, que vergonha.
-
Vergonha do que? Você tinha que ter orgulho, Isadora. Orgulho de tudo o que você
conquistou.
A Isadora sorriu. E disse:
-
Valeu, Ike. É bom saber que você se importa.
-
Eu queria poder ajudar...
-
Você já ajudou - ela sorriu. - Agora vamos trabalhar, eu não quero mais falar
sobre isso. Aliás, eu não sei nem por que comecei a te contar essas coisas.
-
É sempre legal conhecer as pessoas que estão perto de você.
-
É, acho que sim. - A Isadora limpou os olhos e arrumou os cabelos. - O
chocolate deve estar frio. Eu vou na cozinha dar uma esquentada.
-
Claro, claro.
A Isadora fez o que disse, deixando o Isaac sozinho um momento para
digerir aquilo tudo. Ele olhava para um ponto, refletindo sobre o que tinha
escutado, sobre os problemas da Isadora. Como ela conseguia? Quer dizer, era o
filho dela! Ficar longe de um filho era a dor que o Isaac mais respeitava, mas
ao mesmo tempo abominava, neste mundo. Devia ser difícil. Estava abismado.
Nunca imaginou que sua barwoman tivesse tamanha luta em seu dia a dia.
Sentiu admiração por ela. E decidiu ajudar.
-
Isaac?
-
Ah, oi, você já está aí.
-
Estava pensando em que?
Ele a olhou um instante. E disse:
-
Isadora, eu vou te dar um aumento temporário.
-
Temporário?
-
Eu quero que você contrate um advogado excelente. Inclusive, eu vou te indicar
este advogado.
-
Advogado?
- E
você vai entrar na justiça e passar por todos aqueles procedimentos. Enquanto
você precisar pagar este advogado, você terá este aumento. Depois, quando você
já estiver com tudo resolvido, o seu salário volta ao normal.
-
Isaac, eu... Eu nem sei o que dizer.
-
É o seu filho. Você não pode ficar longe dele por causa de questões tão
pequenas como dinheiro.
-
Você vai fazer isso mesmo? - ela sorriu emocionada.
- Só
não vou como já fiz - disse apanhando alguns papéis e escrevendo algumas
anotações necessárias.
-
Obrigada, Ike. Muito obrigada mesmo.
A Isadora então o beijou no rosto. Ele retribuiu com um sorriso sincero
de "não tem de que".
-
Agora vamos trabalhar que tem muita coisa para fazer aqui.
- Claro, vamos.
Capítulo
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